Educação e Trabalho Docente
José Luís Bizelli
Luci Regina Muzzeti
(Organizadores)
Bauru
2020
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2
BIZELLI, José Luís.
Educação e Trabalho Docente / José Luís Bizelli e Luci Regina
Muzzeti (Organizadores). 1. ed. Bauru: Editora Ibero-
Americana de Educação, 2020. 176p.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-65-86839-01-2
1 Educação. 2. Trabalho docente. 3. X EIDE. I. José Luís Bizelli. II
Luci Regina Muzzeti. III. Título. IV. Editora Ibero-
Americana de Educação. V. Livro digital.
CDU – 37/49
DOI: 10.02951/ISBN-978-65-86839-01-2
<https://doi.org/10.29051/ISBN-978-85-924379-1-6>
Educação e Trabalho Docente
Organizadores
Prof. Dr. José Luís Bizelli
Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia
Profa. Dra. Luci Regina Muzzeti
Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
Departamento de Didática
Equipe Técnica
Editoração e organização
Prof. José Anderson Santos Cruz
Editora Ibero-Americana de Educação
Editor
Doutorando em Educação Escolar, Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
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Editora Ibero-Americana de Educação
Revisora
Doutoranda em Educação Escolar, Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
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Editora Ibero-Americana de Educação
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Editora Ibero-Americana de Educação
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ISBN: 978-65-86839-01-2
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Dra. Shirlei de Souza Corrêa
Uniavan
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Universidad Católica del Maule (UCM)
Me. Solange Aparecida Monteiro
Instituto Federal de São Paulo
Dr. Washington Cesar Shoite Nozu
UFGD
Me. Yuri Miguel Macedo
UFSB
Editorial
A Editora Ibero-americana de Educação inaugura sua coleção de ebooks com
obra organizada pelos professores José Luís Bizelli e Luci Regina Muzzeti, da
Faculdade de Ciências e Letras, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Câmpus de Araraquara.
Os organizadores apresentam coletânea de textos que nos conduzem à reflexão
da prática docente no contexto educacional, com o intuito de apontar oportunidades de
aprimoramento do exercício docente em diversos níveis de ensino, desde a escola básica
até o ensino superior.
Tendo como foco a “formação de professores” em cenário complexo, os autores,
segundo a apresentação feita pelos organizadores, reúnem provocações teóricas e
práticas sobre o cotidiano da escola brasileira: Eles descrevem os desafios que se
estabelecem em um país de múltiplos universos de análise, crivado por condições
adversas de realidades sociais e econômicas distintas e que não conseguiu seja no
campo da regulação, seja no campo da avaliação institucional definir indicadores e
padrões mínimos que avancem na qualidade do ensino oferecido aos filhos de seus
cidadãos.”
O foco recai nas discussões que perpassam o cotidiano escolar a partir do
incremento de novas tecnologias e metodologias de ensino e aprendizagem. Novos
desafios ressignificam antigas questões para professores e investigadores: o bullying
incrustado no cotidiano da sociedade atual que ganha, na escola, contexto digital; as
posturas éticas que provocam o repensar da prática docente; a violência estrutural que
reflete na sala de aula exigindo uma nova didática de enfrentamento; o desafio de
realocar habilidades essenciais frente a demandas imediatas de mercado; as diferentes
maneiras que o Ensino Superior tem absorvido essas “questões” e respondido a partir do
desenho de novos currículos; as discussões que consolidam todo o conhecimento
produzido em uma Ciência da Educação no Brasil.
Neste primeiro editorial, cabe-me, portanto, agradecer a contribuição de todos os
autores e organizadores, mas não poderia deixar de estender meus sinceros
agradecimentos à equipe de profissionais da Editora Ibero-Americana e aos membros do
Comitê Científico. Sem este conjunto de personagens, não teria sido possível colimar
nossos esforços na disseminação do conhecimento, único objetivo para a publicação de
nossos livros digitais: acesso livre de obras acesso aberto avaliadas através de
pareceres ad hoc, sem custos para os leitores.
Boa leitura!
José Anderson Santos Cruz
Editor
Apresentação
Reunir trabalhos que versem sobre o trabalho docente pode parecer um
tanto quanto ousado, que o universo de questões que polemizam com a temática não
poderia restringir-se ao volume de páginas que se seguem. Ao mesmo tempo, para não
criar uma falsa expectativa, é preciso considerar que este livro não se trata de um
manual para oferecer cartilha segura a ser utilizada para organizar ações de melhoria na
atividade profissional daqueles que se dirigem à Escola.
Do que se trata então o conteúdo deste livro?
O que buscamos aqui foi reunir provocações teóricas e práticas de
autores que estão filiados à linha investigativa da Educação Escolar, o que significa
dizer autores comprometidos com a dinâmica do funcionamento cotidiano da escola que
se faz no Brasil. Eles descrevem os desafios que se estabelecem em um país de
múltiplos universos de análise, crivado por condições adversas de realidades sociais e
econômicas distintas e que não conseguiu seja no campo da regulação, seja no campo
da avaliação institucional definir indicadores e padrões mínimos que avancem na
qualidade do ensino oferecido aos filhos de seus cidadãos.
É factível pensar que a qualidade do ensino brasileiro hoje oferecida é
resultado do trabalho docente realizado. Os professores, com todas as adversidades do
ambiente de trabalho, mantêm esse complexo sistema de ensino funcionando. São eles,
no cotidiano, que abrigam cada estudante, permitindo, de forma criativa, sua inserção na
diversidade da sociedade em que vivemos.
Na organização deste livro, partimos então do trabalho de Maria Josefa
Canela e Maria Eliza Arnoni intitulado Trabalho, educação e atividades educativas
emancipadoras –, no qual as autoras buscam delinear o ambiente concreto do
desenvolvimento da sociedade brasileira, contextualizando a situação que vive a
Educação, através do instrumental de análise da Pedagogia Histórico-Critica. O foco é
pensar a educação escolar como forma de auxiliar a emancipação humana dentro do
sistema produtivo em que vivemos.
em Contribuições da perspectiva sócio-histórica para a psicopedagogia,
Marina Andrade Pinheiro e Patrícia de Oliveira abordam as principais teorias elaboradas
por Vygotsky sobre aprendizado e desenvolvimento, ressaltando as ideias do autor para
a área da psicopedagogia: a importância da linguagem no desenvolvimento e também
das interações sociais, a relação existente entre aprendizado e desenvolvimento, a zona
de desenvolvimento proximal, o desenvolvimento da percepção, atenção e memória, o
processo de criação humana e o simbolismo presente nas brincadeiras, nos desenhos e
na linguagem escrita. Todo o arcabouço conceitual volta-se à solução para as
dificuldades de aprendizagem.
Os três textos que dão continuidade à nossa coletânea interpretam situações
de análise cotidiana de universos específicos. Maria Julia Melo e Lucinalva Almeida,
em O currículo pensado-vivido: relações entre o projeto curricular do curso de
pedagogia e o discurso de professoras em formação, buscam investigar o diálogo entre
o projeto curricular de um curso específico de Pedagogia e os discursos de professoras
em formação. O procedimento metodológico baseia-se na Análise de Discurso: práticas
e discurso devem estar em consonância, provocando uma forte relação que transita entre
pensado e vivido. No texto A relação teoria e prática: o que dizem os professores da
educação especial, Miryan Cristina Buzetti e Maria Piedade Resende da Costa abordam
a mesma questão focada em professores da educação especial, ou seja, analisam a fala
desses professores quando avaliam a contribuição dos cursos de formação inicial na
relação entre teoria e prática. A conclusão indica a necessidade de se repensar a
formação do professor, permitindo-lhe prática mais reflexiva. No mesmo sentido,
avaliando a formação de professor recém formado, Rosimar Poker, Fernanda Valentim
e Isadora Garla em Percepção de alunos egressos da primeira turma da nova grade
curricular do curso de pedagogia da Unesp/Marília: formação na perspectiva da
educação inclusiva consideram que a educação inclusiva implica em tomada de
decisões que afetam o sistema escolar, tanto do ponto de vista organizacional e político
quanto didático-pedagógico, exigindo que a formação inicial seja redimensionada, pois
a ação pedagógica torna-se elemento fundamental para efetivar o ensino de todos
alunos, inclusive do alunado com necessidades educacionais especiais que, agora,
participa das salas regulares de ensino.
Parte importante a ser considerada na análise do universo ao qual os
profissionais da Educação estão expostos em seu cotidiano refere-se à tensão crescente
entre os atores que convivem na Escola. Assim, cinco textos se dedicam a vários
aspectos da questão. Em Conflitos interpessoais no ambiente escolar: como evitar?,
Leticia Karoline Ferreira e Luciene Regina Tognetta refletem sobre a construção de um
ambiente escolar saudável e seguro para crianças e adolescentes, a partir de investigação
sobre a aplicabilidade de regras e sanções para a segurança na escola com a finalidade
de organizar a convivência entre gestores, professores e alunos. O texto Indisciplina e
violência na escola: análise de concepções e discursos de educadores, escrito por Ariel
Cristina Vergna e Maria Cecília Luiz, evidencia os conceitos de indisciplina e violência
tomando como referência o discurso da equipe gestora professores e funcionários.
Traça-se, portanto, um desenho da forma como estudantes indisciplinados ou violentos
são institucionalmente enfrentados. Priscila Carla Cardoso, Elisiane Quevedo Goethel e
Débora Cristina Fonseca, em Concepções de respeito/desrespeito presentes nos livros
de ocorrência escolar, apontam para a necessidade da compreensão de como se a
construção do respeito por parte dos sujeitos que atuam no ambiente escolar, levando
em consideração questões como cultura, autoridade e comprometimento com a garantia
de acesso ao conhecimento. Uma análise mais detalhada das práticas de enfrentamento
da questão pode ser vista em Os procedimentos e as providências adotadas pelas
escolas para resolver conflitos entre alunos envolvidos em atos de violência e
indisciplina, de Tamyres Vituri, Claudia Regonha Suster e Débora Cristina Fonseca. As
autoras realizam pesquisa qualitativa baseada na leitura de registros de ocorrências
produzidos por uma escola estadual paulista, em região com altos índices de violência.
Encerrando este bloco, Dierlem Cristina de Oliveira e Luciene Regina Tognetta, em
Diversos olhares sobre o bullying: concepções de professores e alunos, debruçam-se
sobre a questão identificando diferenças de olhares: enquanto alunos dizem que são
vítimas de bullying e que no ambiente escolar violência, professores dizem que o
percebem os diversos tipos de agressões, interpretando-as como apenas brincadeiras da
idade.
A questão dos jogos didáticos é abordada por Geovana Pazetto e Rosebelly
Marques. No texto Discutindo propriedades periódicas por meio de um jogo didático,
as autoras, observando a importância de atrair a atenção de alunos para a aula e cientes
de que o uso de recursos didáticos é ferramenta de apoio ao docente, criaram e
avaliaram um jogo didático sobre Propriedades Periódicas. Foi possível observar que o
jogo contribuiu para maior aprendizado dos alunos, embora tenha ficado evidente
também que a ferramenta necessita estar atrelada em sequência didática mediada pelo
professor.
Dois textos partem dos princípios legais brasileiros para entender setores
específicos do trabalho docente. Em Educação infantil e ensino fundamental:
apresentando alguns estudos defendidos entre 2005 e 2015, Caroline Raniro e Sílvia
Regina Sigolo tomam a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96)
para entender seu impacto nos últimos anos da Educação Infantil e os primeiros anos do
Ensino Fundamental. Os resultados indicam similaridades e particularidades entre
Educação Infantil e Ensino Fundamental, criando intercontextos. Maria Aparecida
Miranda e Elaine Sampaio Araújo, no texto O ensino de estatística no ensino
fundamental i: uma proposta para superar as orientações da matriz de referência da
Prova Brasil, partem da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) para
discutir as avaliações em larga escala da qualidade do ensino brasileiro. O campo
definido é a Prova Brasil de matemática (4ª série/5º ano), quando mede os
conhecimentos estatísticos e didáticos organizados por professores do ensino
fundamental I para o ensino de Estatística.
Em um esforço de organizar as discussões aqui propostas, os quatro últimos
textos revelam experiências voltadas a projetos de intervenção. Em Adolescentes e
jovens em contexto de exclusão social, Kátia Aparecida Miranda e Solange Maria de
Barros investigam as representações de adolescentes e jovens que estão sob guarda
judicial e em situação de vulnerabilidade social. Os resultados esclarecem a relevância
da escola na vida de cada um como local de humanização e emancipação, como local de
inclusão social. Rafael Kimura, João Eduardo Ramos e Luís Paulo Piassi, no texto
Projeto Lucia: clube de leitura e ciências como uma intervenção não-formal em
espaços formais, descrevem esta experiência que leva ciência para adolescentes através
da literatura. Concluem os autores que a implantação do clube de leitura tornou possível
associar entretenimento e conteúdo, além de ser flexível o suficiente para sustentar
objetivos diversificados que contemplem o ensino, a pesquisa e a extensão. O texto A
apropriação de Paulo Freire nas pesquisas em educação ambiental, de Talita Lopes e
Maria Cristina Zancul, relata um esforço de reinterpretar a Educação Ambiental através
da pedagogia dialógica freireana. Apesar da importância de Paulo Freire, a pesquisa das
autoras revela que pouco se tem explorado as contribuições freireanas em trabalhos
direcionados à Educação Ambiental. Finalizando, Rodrigo Arena, Leticia Marchesini,
Paula Sabrina Souza, Maria Terezinha Bombonato e Silvia Regina Zuliani, em
Trabalho interdisciplinar integrado à formação de licenciandos na área de ciências
da natureza, analisam a temática concluindo que a prática interdisciplinar ainda está
longe das perspectivas de ensino utilizadas pelo reduto da universidade, espaço que se
renova enquanto local refratário às mudanças de atitude em relação ao conhecimento.
Assim se compõe o universo de investigação contido nesta coletânea,
universo este que esperamos auxilie para aprofundar o conhecimento sobre os
ambientes que permeiam o trabalho docente.
José Luís Bizelli
Luci Regina Muzzeti
SUMÁRIO
Trabalho, educação e as atividades educativas emancipadoras ........................... 13
Maria Josefa B. CANELA e Maria Eliza B. ARNONI.
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.1
Contribuições da perspectiva sócio-histórica para a psicopedagogia .................. 23
Marina Andrade PINHEIRO e Patrícia de OLIVEIRA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.2
O currículo pensado-vivido: relações entre o projeto curricular do curso de
pedagogia e o discurso de professoras em formação ............................................. 33
Maria Julia MELO e Lucinalva ALMEIDA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.3
A relação teoria e prática: o que dizem os professores da educação especial ..... 43
Miryan Cristina BUZETTI e Maria Piedade Resende da COSTA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.4
Percepção de alunos egressos da primeira turma da nova grade curricular do
curso de pedagogia da Unesp/Marília: formação na perspectiva da educação
inclusiva ..................................................................................................................... 51
Rosimar B. POKER, Fernanda O. D. VALENTIM e Isadora A. GARLA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.5
Conflitos interpessoais no ambiente escolar: como evitar? .................................. 62
Leticia Karoline FERREIRA e Luciene Regina Paulino TOGNETTA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.6
Indisciplina e violência na escola: análise de concepções e discursos de
educadores ................................................................................................................. 67
Ariel Cristina Gatti VERGNA e Maria Cecília LUIZ
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.7
Concepções de respeito/desrespeito presentes nos Livros de Ocorrência Escolar
.................................................................................................................................... 76
Priscila Carla CARDOSO, Elisiane Spencer Quevedo GOETHEL e Débora Cristina
FONSECA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.8
Os procedimentos e as providências adotadas pelas escolas para resolver
conflitos entre alunos envolvidos em atos de violência e indisciplina. ................. 86
Tamyres VITURI, Claudia Regonha SUSTER e Débora Cristina FONSECA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.9
Diversos olhares sobre o bullying: concepções de professores e alunos. .............. 96
Dierlem Cristina de OLIVEIRA e Luciene Regina Paulino TOGNETTA
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.10
Discutindo Propriedades Periódicas por meio de um Jogo Didático ................. 100
Geovana Zamboni PAZETTO e Rosebelly Nunes MARQUES
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.11
Educação Infantil e Ensino Fundamental: apresentando alguns estudos
defendidos entre 2005 e 2015 ................................................................................. 110
Caroline RANIRO e Sílvia Regina Ricco LUCATO SIGOLO
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.12
O ensino de Estatística no Ensino Fundamental I: uma proposta para superar as
orientações da Matriz de Referência da Prova Brasil ......................................... 120
Maria Aparecida MIRANDA e Elaine Sampaio ARAÚJO
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.13
Adolescentes e jovens em contexto de exclusão social ......................................... 131
Kátia Aparecida da Silva Nunes MIRANDA e Solange Maria de BARROS
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.14
Projeto LUCIA: clube de leitura e ciências como uma intervenção não-formal
em espaços formais ................................................................................................. 142
Rafael Kobata KIMURA, João Eduardo RAMOS e Luís Paulo PIASSI
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.15
A apropriação de Paulo Freire nas pesquisas em educação ambiental ............. 152
Talita MAZZINI LOPES e Maria Cristina de SENZI ZANCUL
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.16
O trabalho interdisciplinar integrado à formação de licenciandos na área de
ciências da natureza ................................................................................................ 162
Rodrigo Magalhães ARENA, Leticia dos Santos MARCHESINI, Paula Sabrina
Martins de SOUZA, Maria Terezinha Siqueira BOMBONATO e Silvia Regina
Quijadas AROZULIANI
DOI: https://doi.org/10.47519/EIE.978-65-86839-01-2.17
SOBRE OS AUTORES .......................................................................................... 173
13
Trabalho, educação e as atividades educativas emancipadoras
Maria Josefa B. CANELA
Maria Eliza B. ARNONI
Introdução
Quando refletimos sobre o mundo do trabalho, se faz necessário compreender o
processo histórico que se configurou nesse modelo de produção capitalista, e as
exigências educacionais desta sociedade tecnológica, abordamos, numa análise teórica
e bibliográfica, as mudanças que ocorreram no campo do trabalho com a inserção das
empresas automotivas e as implicações postas à organização da educação escolar nesse
padrão na sociedade. E, Na tentativa de compreender o trabalho e suas implicações
atualmente, buscou-se elementos que auxiliem na síntese desse processo, por meio de
autores marxistas que partem do princípio que os seres humanos são constituídos
socialmente e historicamente, com capacidades diferenciadas dos animais, podendo
estes, a partir de sua visão de mundo, desenvolver processualmente a atividade humana
de planejar, elaborar e avaliar as ações que vão desenvolver.
Para Antunes (2010), no Brasil, a década de 50 foi o berço de uma estrutura
produtiva voltada para a produção de bens duráveis e industrializados, cuja dinâmica
do capitalismo foi a exploração dos trabalhadores, promovida pela articulação de
baixos salários e excessiva jornada de trabalho. Para o autor, esse modelo econômico
expandiu-se entre as décadas de 50 a 70, sofrendo no final da ditadura militar, na
década de 80, as primeiras alterações na organização tecnológica. Assim, enquanto em
outros países, a reestruturação produtiva do capital estava a todo vapor, nosso país
ainda não havia efetivado o projeto neoliberal, mas teve os primeiros passos para uma
reestruturação produtiva do país, as empresas adotaram novos padrões, sendo estes
tecnológicos, social e sexual do trabalho que teve como modelo o toyotismo e
fordismo.
Tumolo (1997) enfatiza que ao tratar das metamorfoses do mundo do trabalho,
diversos autores têm contribuído significadamente, porém, eles atribuem esse
fenômeno como sendo decorrente das inovações tecnológicas, no entanto, o autor
destaca que esse tema é complexo e que não se esgota em poucas discussões, é
14
necessário um aprofundamento teórico com analises relacionadas às diversas
categorias do trabalho. Como não é possível tratar aqui das categorias discutidas pelos
autores, por serem complexas e extensas, traremos resumidamente asserções sobre o
trabalho no mundo capitalista.
Tumolo (1997) critica as discussões que se restringem em torno da questão
trabalho concreto como finalidade de uso e, então, sinaliza para outras categorias,
como o abstrato
1
e o produtivo
2
. Para ele, não importa qual modelo de trabalho, seja
fordismo, taylorismo, toyotismo etc. é preciso compreender que todos estão
subordinados ao processo de produção capitalista, valorização do capital e acumulo do
capital.
De acordo com Araújo (2000), nas comunidades primitivas, antes da revolução
industrial, os homens produziam apenas um pouco mais para sua subsistência e da sua
família. Para o autor, a “automação foi a catapulta para a modernização industrial” (p.
5). Segundo ele, o processo da automação atingiu em cheio a força do trabalho, pois o
dinamismo tecnológico se mistura com as questões políticas e, em lugar da tecnologia
trazer liberdade, ela forma um lugar de escravidão. As conquistas cientificas e os
avanços tecnológicos permitiram ao empresário capitalista ganhar confiança por obter
êxito e benefícios, o trabalho mecanizado diminuiu a força braçal do trabalhador e a
indústria automotiva adequou a eficiência à velocidade e, assim, a produção passou
então a depender mais da tecnologia do que do trabalho humano.
Poderíamos dizer que esse seria o momento oportuno para o processo de
libertação do trabalhador, no sentido de trabalhar menos, esforçar-se menos
fisicamente e ter tempo para o ócio ou o lazer, se o capitalismo não roubasse o seu
tempo e nem fosse explorador e alienador. No entanto, que não precisariam se
esforçar tanto fisicamente, poderiam trabalhar em alta velocidade e de forma
ininterrupta em processos automáticos, exigindo concentração rigorosa por longos
períodos, o que tornou o trabalho ainda mais degradante, e exaustivo, gerando sequelas
no trabalhador.
Nesse sentido, Araújo (2000, p. 5) afirma que o fim é dominar as forças
naturais através da submissão primordial. Porém a máquina é apenas um meio. Como
um escravo, que pode fazer outros escravos. O que não impede a busca da liberdade
1
Lessa (2012, p. 28) define o trabalho abstrato como “redução da capacidade produtiva humana a uma
mercadoria”, no qual sua força de trabalho é paga, em resumo toda atividade humana assalariada é
trabalho abstrato.
2
Tumolo (1997) define o trabalho produtivo como aquele que produz mais-valia.
15
humana. Reinar sobre máquinas, que podem submeter o mundo, ainda é reinar.
Deste modo, pode-se afirmar que a revolução industrial, a utilização do uso das
máquinas e a diminuição da força braçal não deixou o homem livre, pelo contrário, os
humanos têm-se tornado cada vez mais escravos das tecnologias, estão presos a elas,
em condições desumanas e alienadoras. Assim explica o autor, “o potencial libertador
da técnica revela-se, contraditoriamente, o grilhão daquela libertação, a
instrumentalização do homem, o que Chaplin ridicularizou em tempos modernos”.
(ARAÚJO, 2000, p. 6).
Nesse sentido, Araújo (2000) destaca que o universo tecnológico não garante
liberdade ao homem, ele fica submisso aos aparatos técnicos que, de certa forma,
amplia a produtividade, o campo de trabalho e as necessidades humanas, levando-o a
trabalhar ainda mais, para suprir essas necessidades criadas por eles mesmo, ou seja, é
um ciclo vicioso, no qual, o trabalho educativo está incluso.
Traremos as contribuições de Ivo Tonet sobre a impossibilidade de se organizar na
sociedade capitalista um sistema geral de educação emancipadora e a possibilidade do
desenvolvimento das atividades educativas emancipadoras. E, nesse sentido,
apresentamos a proposição teórico-metodológica da atividade educativa na perspectiva
da emancipação humana, pautada na concepção de trabalho em Marx (2008), da autora
Maria Eliza Brefere Arnoni (2014).
A relação trabalho e educação na era capitalista
Tendo como universo da pesquisa que vimos realizado, o trabalho e a
Educação, que subsidia este artigo é necessário compreender que a educação não está
desvinculada do mundo do trabalho e, assim, ela não conta de tirar o sujeito da
alienação, das mazelas sofridas pela sociedade oriundas deste capitalismo devastador.
Pautadas nas leituras iniciais, podemos dizer que a educação é regida ao som das
políticas burguesas voltadas para a manutenção e o fortalecimento do capitalismo,
conduzindo a educação à competição. Pode-se depreender como a educação está a
serviço do capital, nos documentos da UNESCO “Um Tesouro a Descobrir”
(DELORS, 2010).
Duarte (2001) destaca que a sociedade burguesa atualmente, não poderia deixar
a classe operária sem escolarização, havia necessidade, nesta nova estrutura
mundializada e capitalista, que os trabalhadores tivessem um pouco de conhecimento
16
para lidar com a tecnologia e a viver bem na sociedade moderna. Era preciso um
ensino, mas, que fosse dado em medidas homeopática para que a classe trabalhadora
não soubesse tanto, a ponto de quererem fazer revoluções, mas, que soubesse
minimamente para dar conta de ser esse novo homem informado e preparado para o
mercado capitalista atual.
Porém, Duarte (2001) afirma que a escola produz, sim, a alienação e
contraditoriamente, ao mesmo tempo, a humanização. Entende-se que do mesmo modo
que o capitalismo se obrigado a oferecer educação a classe trabalhadora,
segundo Pedagogia Histórico-Critica, a emancipação humana, por intermédio da
escola. Em outra produção (DUARTE, 2012), o autor destaca que, se por um lado, o
capitalismo inaugura a educação escolar como dominante na formação dos seres
humanos, ao mesmo tempo em que essas relações sociais não permitem a plena
democratização pelo acesso ao saber histórico e socialmente produzido pelos homens,
em sociedade. E enfatiza, apoiando-se em Saviani (1991), que a plena democratização
do saber pela educação escolar se constitui-se uma necessidade que surgiu no
capitalismo, mas não pode se efetivar inteiramente nele. Deste modo, destacamos que
Duarte não deixa claro que no capitalismo seria impossível uma educação geral
emancipadora.
De acordo com Mèszàros (2006), o capitalismo cria contradições sim, porém,
ele sabe bem lidar com elas, é capaz de dominar suas contradições por meio de
mecanismos políticos, ele até cria grandes proporções de “intelectuais”, porém, falta
oportunidade significativa para todos, como emprego, por exemplo, destacando que
nenhum cidadão, em sã consciência, negaria que a educação atualmente está em crise.
Nesse sentido, Mèszàros (2008) critica contundentemente o capitalismo,
dizendo que ele impõe um tipo de selvageria aos trabalhadores dentro de um sistema
alienante e desumano, onde o tempo de trabalho do trabalhador é tirado dele e o
processo é degradante. O autor continua afirmando que além de todas as condições
péssimas que os trabalhadores são submetidos, eles ainda pagam injustamente pelas
mazelas camufladas do capitalismo que são desempregos, precarização, dentre outras,
e daí, é impossível um processo humanizador e emancipador no sistema capitalista.
Deste modo, concordamos com Mèszàros (2008) quando destaca, a educação
tem fornecido um conhecimento necessário apenas para a máquina produtiva e a
expansão do capitalismo, portanto, não é capaz de fornecer uma alternativa radical
emancipadora.
17
Para Mèszàros (2008), os ideais educacionais não somente foram minados com
o passar do tempo como também sofreram os impactos da alienação em sentido
cultural, visando a expansão do capital e a maximização do lucro. Nesse sentido, talvez
não poderíamos esperar uma educação humanizadora dentro desses moldes
capitalistas, mas poderíamos enquanto educadores proporcionar caminhos dentro dos
espaços escolares na direção de uma educação revolucionaria e emancipadora. É claro
que István Mèszàros está certo nas suas análises em relação a educação, da forma
como tem sido direcionada e reconfigurada ela atende aos ditames do capitalismo e
seus interesses. Veja que:
Quanto mais "avançada" a sociedade capitalista, mais unilateralmente
centrada na produção de riqueza reificada como um fim em si
mesma e naexploração das instituições educacionais em todos os
níveis, desde as escolas preparatórias até as universidades - também
na forma da "privatização" promovida com suposto zelo ideológico
pelo Estado - para perpetuação da sociedade de mercadorias
(MÉSZÁROS, 2008, p. 80).
Deste modo não é possível esperar que as políticas educacionais vindas dos
organismos internacionais sinalizem uma educação humanizadora e emancipadora de
fato, e sim, esperar que os sujeitos (professores e demais envolvidos na educação),
individualmente e coletivamente organizem-se e produzam efetivamente uma
educação na aula, objetivando a humanização e emancipação dos sujeitos.
A questão em termos educacionais que István Mèszàros insiste em suas obras
(“A educação para além do capital” e “A teoria de alienação em Marx”) é a alienação
do sujeito que foram sendo constituído historicamente pela força capitalista imposta
sobre os trabalhadores e que refletem e/ou faz parte do sistema educacional,
configurando assim na impossibilidade de educação humanizadora e emancipadora.
A educação escolar no contexto atual
Diante das divergências teóricas em torno da educação, se esta seria ou não
humanizadora, concordamos que a educação pode conter elementos que possibilitem o
processo humanizador, mas não que possa de fato promover a emancipação humana de
modo geral. Neste sistema capitalista, não é possível pensarmos numa política
educacional que promova a emancipação, mas acreditamos que os educadores por
meio da atividade educativa possam desenvolver ações que a perspectivam. Tonet
18
(2012, p. 38), ao se referir sobre a emancipação na educação destaca que
[...] a educação é uma mediação para a reprodução social. E que,
numa sociedade de classes, ela necessariamente, contribuirá
predominantemente para a reprodução dos interesses das classes
dominantes. Daí a impossibilidade de estruturar a educação no seu
conjunto, de modo a estar voltada para a emancipação humana. É por
isso que entendemos não ser possível “uma educação
emancipadora”. Ao nosso ver, é perda de tempo querer pensar uma
educação emancipadora (conteúdos, métodos, técnicas, currículos,
programas, formas de avaliação etc.) como um conjunto
sistematizado que possa se transformar em uma política educacional
[...].
Nesse sentido, Arnoni (2014, p. 101) enfatiza que
No modelo de organização da sociedade capitalista, a função da
educação escolar é buscar a emancipação política, uma forma de
liberdade essencialmente limitada porque está ligada,
indissoluvelmente, à sociabilidade fundada no capital e sua
manutenção. Por entendermos a necessidade de superação deste
sistema, propomos a aula como práxis educativa na perspectiva da
emancipação humana é uma forma de liberdade ilimitada, que abre a
perspectiva de autoconstrução infinita para o gênero humano.
Neste sentido, Arnoni (2014a) explica que a função da educação neste sistema
atual é buscar a emancipação política e, não, a humana, mantendo assim intacta as
raízes da desigualdade social, essa organização política educacional imposta na
educação escolar que faz com que atenda as exigências do capitalismo. A autora
enfatiza que o professor dentro dessa sociedade de classes e por imposições oficiais,
atua regido por legislações, documentos, manuais didáticos, de maneira a colaborar
com a perpetuação capitalista, impondo uma concepção de homem, que certamente
não é a que leva o sujeito a humanização e emancipação. Porém, destaca a autora que é
possível o professor atuar de maneira consciente organizando atividade educativa, na
perspectiva de formar o indivíduo integralmente, nas brechas do capital, uma vez que
ele é contraditório.
Desta forma, Arnoni (2014a) explica que a aula, como atividade educativa, é
uma força ativa no sentido de possibilitar, ao aluno, a fruição dos bens intelectuais
historicamente produzidos pela sociedade. Para isso, a intencionalidade da atividade
educativa deve centrar- se na formação integral dos alunos, opondo-se então as
exigências capitalistas.
Ainda conforme a autora, os manuais didáticos que normalmente são em forma
19
de livros, apostilas e parâmetros curriculares, dentre outros, tem sido
fundamentalmente importante para perpetuar o modelo educacional burguês, daí a
impossibilidade de se pensar numa educação geral emancipadora.
Neste contexto, Arnoni (2014b, p. 112) propõe a aula como atividade humana
educativa na perspectiva da emancipação humana, segundo ela, “A atividade educativa
é uma forma de sociabilidade oriunda do trabalho, que impulsiona o indivíduo a
desenvolver relações sociais e habilidades que estão para além dele [...]”. Arnoni
(2014a) destaca que a aula como atividade humana educativa na perspectiva da
emancipação, representa a concretização do real, a transformação regida pelo
professor, numa perspectiva da formação omnilateral. A autora sinaliza que para a
atividade educativa alcançar seus objetivos é preciso centrar-se no conhecimento
produzido historicamente, visto que, o conceito como produção humana, histórica e
social se torna essencialmente importante na formação intelectual e social do aluno, de
maneira que ele possa perceber as contradições existentes na sociedade e criar um
novo espaço de luta na direção de transformações.
Conforme Almeida, Arnoni e Oliveira (2007, p. 127) “pensar a aula, numa
perspectiva dialética, implica concebê-la como práxis [...] educativa”, e que deva ser
pensada intencionalmente e anteriormente, planejada antes da ação prática, ou seja, a
aula é composta de ações que devem preceder e suceder o momento da sala. Para a
autora, não é qualquer aula que caminhará na direção de uma emancipação humana,
deste modo, para contrapor a concepção de aula pragmática ela desenvolveu uma
proposição teórico-metodológica
3
para organizar e desenvolver o conceito, na
perspectiva da mediação
4
dialética
5
e, por isso, intitulada de Metodologia da Mediação
Dialética (MMD).
Para Arnoni (2014a, p. 12)
A METODOLOGIA DA MEDIAÇÃO DIALÉTICA M.M.D.
expressa omovimento em espiral, ascendente e progressivo da
atividade humana educativa, na prática educativa, concebendo
direção e sentido ao movimento em espiral gerado por suas Etapas
Resgatando, Problematizando, Sistematizando e Produzindo. Nesta
3
Para a autora a metodologia constitui-se numa forma de enfrentar a realidade na tentativa de
compreendê-la na totalidade, ou ainda no seu próprio movimento dialético.
4
Para Almeida, Arnoni e Oliveira (2007) a mediação é considerada como uma categoria central da
atividade educativa, sendo, portanto, uma ponte entre os dois pólos (imediato e mediato).
5
Para os autores a dialética é uma lógica, fundamento importante para compreensão do mundo, e ela se
sintetiza em três leis – passagem da quantidade à qualidade e vice-versa, lei da interpenetração e lei da
negação da negação.
20
proposição, cada Etapa prepara a outra e, para que a outra Etapa
aconteça, a anterior tem de ser negada [tensão dialética/contradição]
porém, sem ser superada [momento predominante].
Para Arnoni (2014b) a M.M.D. foi elaborada com intuito de desenvolver a
categoria básica da aula, a organização metodológica do conceito de ensino, por
intermédio desta proposição teórico-metodológica fundamentada na aplicação das
categorias dialéticas, sendo estas: o movimento, totalidade, contradição, superação e
momento predominante, o que é essencialmente importante para o desenvolvimento do
conceito com os alunos na prática educativa.
Considerações finais
Em suma, compreende-se que desde a revolução industrial a sociedade vem se
moldando num formato diferenciado das outras civilizações anteriores, tanto em
relação ao trabalho, como nas outras formas de organização social que ele determinou,
como a educação escolar. Os homens modificam o meio e, consequentemente, a si
mesmo, e, assim, a educação vem se moldando por determinação da produção material
que caracteriza a sociedade.
Portanto, ela seguirá o ritmo do desenvolvimento capitalista e, pode-se notar,
que os documentos internacionais elaboram ideologicamente caminhos pedagógicos
objetivando o fortalecimento da reprodução do capital e não a superação dele,
obviamente.
Diante de todas as dificuldades apresentadas pelos autores e da impossibilidade
de uma educação plena e humanizadora neste sistema capitalista, devemos caminhar
na direção de uma educação humanizadora e emancipadora, pois se não optarmos
conscientemente por esta direção, cairemos nas armadilhas do capitalismo que reforça
o conformismo, produzindo e reproduzindo a alienação, degradação, exploração do
trabalhador e desumanização. Nesse sentido, fica evidente que a atividade educativa,
por meio da metodologia da mediação dialética, traz a possibilidade de caminharmos
na contramão da aula burguesa.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, J. L. V. de; ARNONI, M. E. B. OLIVEIRA, E. M. de. Mediação
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21
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no Brasil. In: ANTUNES, R.; SILVA, M. A. M. O Avesso do trabalho. 2. ed. São
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classes na educação escolar. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I/Karl Marx. Trad.
Reginaldo Sant Anna. 26. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. Trad. Isa Tavares. 2. ed. São
Paulo: Boitempo, 2008.
MÉSZÁROS, I. A teoria da Alienação em Marx. Trad. Isa Tavares. 2. ed. São
Paulo: Boitempo, 2006.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 2. ed. São Paulo:
Cortez e Autores Associados, 1991.
TONET, I. Educação contra o Capital. 2. ed. rev. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.
TUMOLO, P. S. Metamorfoses no mundo do trabalho: revisão de algumas linhas de
análise. Revista Educação e Sociedade (on line), Campinas, ano XVIII, v. 18, n. 59,
ago. 1997. Disponível em:
22
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73301997000200006. Acesso em: 01 jun. 2015
23
Contribuições da perspectiva sócio-histórica para a psicopedagogia
Marina Andrade PINHEIRO
Patrícia de OLIVEIRA
Introdução
Durante o século XIX, na Europa, iniciou-se uma preocupação direta com os
problemas de aprendizagem. Nessa época, a escola, sustentando a ideologia liberal de
que todos possuíam as mesmas oportunidades, inclusive para adquirir conhecimentos,
confirmava que os diferentes resultados e desempenhos aconteciam devido às próprias
diferenças dos indivíduos (BOSSA, 2011).
Janine Mery, uma pioneira psicopedagoga francesa, ao realizar um estudo sobre
autores que se preocupavam com a dificuldade na aprendizagem, constatou que os
primeiros autores a tratarem esses problemas “se preocupavam mais pelas deficiências
sensoriais e mentais que as crianças apresentavam do que pela desadaptação infantil.”
(MERY, 1985 apud BOSSA, 2011, p. 58). Foi apenas no século XX que a ideia de
“não-aprendizagem” relacionada apenas com as deficiências começou a se modificar.
Os primeiros centros psicopedagógicos, destinados àa crianças consideradas mais
lentas na questão do aprendizado, surgiram em 1946 na França, e uniam
conhecimentos da Psicologia, Psicanálise e Pedagogia. Outros centros com esse
mesmo objetivo foram criados posteriormente, mas o viés continuou sendo a união do
médico com o pedagógico e, por isso, atualmente, a psicopedagogia permanece sendo
uma área que articula conhecimentos da psicologia do desenvolvimento, teorias da
aprendizagem, teorias da educação, teoria psicanalítica, psicologia psicodinâmica,
psicologia social e organizacional, sociologia, neurociências e da epistemologia
(BOSSA, 2011)
No entanto, ainda no século XX, Lev Seminovitch Vygotsky, objetivou criar
uma abordagem que possibilitasse a descrição e a explicação das funções psicológicas
superiores em termos aceitáveis para as ciências naturais e sob a luz do materialismo
histórico e dialético. Enfatizando o papel das interações e da linguagem no
desenvolvimento da criança, a psicologia sócio-histórica criada por Vygotsky (2008b)
afirma que todo homem se constitui como ser humano pelas relações que estabelece
24
com os outros.
Apesar da relevância dos estudos deste autor, uma busca bibliográfica na área
da psicopedagogia revela sua pouca presença na literatura da área. Logo, este artigo
busca estabelecer algumas contribuições da Perspectiva Sócio-Histórica no trabalho do
psicopedagogo atual. Para isso apresenta, de forma breve, o surgimento da
psicopedagogia como a conhecemos atualmente e sua função. Perpassa pontos
relevantes da teoria de Vygotsky para a educação. Por fim, busca demonstrar a
importância dessa teoria para o objeto de estudo que é próprio da psicopedagogia: as
dificuldades de aprendizagem.
A psicopedagogia e sua função atual
No cenário brasileiro, as primeiras oportunidades de estágio e curso em
psicopedagogia foram oferecidas na cidade de Porto Alegre (RS), na década de 70, pelo
foniatra e neurologista argentino Dr. Quirós. Em São Paulo, o primeiro curso de
Psicopedagogia surgiu também em 1979, no Instituto Sedes Sapientiae, mas diferente
do curso oferecido pela PUC-RS, voltava-se para uma atuação mais clínica e
inicialmente apoiava-se na Epistemologia Genética de Piaget e em uma abordagem
gestáltico-fenomenológica, com um caráter de reeducação (BOSSA, 2011).
A necessidade de um profissional com uma visão multifatorial da questão, que
auxilie crianças e adolescentes a compreenderem e superarem suas dificuldades de
aprendizagem, faz- se ainda necessária em nossa sociedade atual. Segundo Paín (1985,
p. 13), considera-se problemas de aprendizagem “aqueles que se superpõem ao baixo
nível intelectual, não permitindo ao sujeito aproveitar suas possibilidades.”
Um psicopedagogo, em atuação na clínica, precisa buscar um sentido para o
não aprendizado. Esse sentido pode ter sua origem em traumas psicológicos, fatores
sociais, metodologia, fatores biológicos, modalidade de aprendizagem da família,
entre tantos outros que interferem na capacidade de um sujeito em aprender. Porém,
tão importante quanto identificar o motivo das dificuldades de aprendizagem, é
compreender o que o sujeito aprende e como o faz. Em outras palavras, o atendimento
psicopedagógico clínico busca “compreender de forma global e integrada os processos
cognitivos, emocionais, sociais, culturais, orgânicos e pedagógicos que interferem na
aprendizagem” (BOSSA, 2011, p. 104), ajudando a criança ou adolescente a resgatar o
prazer em aprender e promovendo a integração de todos indivíduos que fazem parte do
25
universo de aprendizagem do aluno.
O psicopedagogo também pode partir para o atendimento institucional, que pode
ocorrer em empresas, hospitais, creches e organizações assistenciais. Sua atuação vai
depender da natureza da instituição. Contudo, a instituição mais comum de atuação
desse profissional são as escolares. Para Weiss (1991 apud BOSSA, 2011, p. 143), este
é um “trabalho em que se busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim
como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e
educadores.” Sobretudo, o psicopedagogo na escola deve prevenir os problemas de não
aprendizagem, muitas vezes instrumentalizando professores, coordenadores e
diretores, fazendo intervenções com as famílias ou com os próprios alunos. Assim, a
psicopedagogia, como afirma Porto (2011), não pode ver uma dificuldade de
aprendizagem como algo sem conserto. Deve-se sempre procurar entender o que levou a
essa dificuldade ou até ao fracasso escolar, evitando que isso se torne um fracasso da
vida.
A perspectiva sócio-histórica de Vygotsky
Os estudos de Vygotsky (2008b), realizados no início do século XX,
modificaram algumas concepções que existiam até então sobre a relação entre
aprendizado e desenvolvimento. O pesquisador definiu aquilo que as crianças
conseguem fazer sozinhas como nível de desenvolvimento real, e nível de
desenvolvimento potencial como aquilo que as crianças conseguem fazer sob a
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Em
seguida, apresentou uma nova abordagem: a zona de desenvolvimento proximal, que é
a distância existente entre o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial, caracterizando as funções que ainda não amadureceram,
mas que se encontram em processo de maturação, ou ainda, em estado embrionário
(VYGOTSKY, 2008c).
Com essa noção de desenvolvimento proximal, concluiu que um bom
aprendizado é aquele que precede o desenvolvimento, voltado para as funções em
amadurecimento (VYGOTSKY, 2008c).
Para este autor, no processo de desenvolvimento intelectual da criança, a
linguagem possui um papel fundamental, pois “antes de controlar o próprio
comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso
26
produz novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do próprio
comportamento” (VYGOTSKY, 2008b, p. 12).
Isso significa que, além da linguagem mudar o campo psicológico da criança
com sua função planejadora que antecede a ação, “signos e palavras constituem para as
crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de contato social com outras pessoas”
(VYGOTSKY, 2008b, p. 18).
A constituição da percepção humana, da atenção e da memória, segundo
Vygotsky, baseia-se nas características biológicas da espécie humana. No entanto, são
funções psicológicas superiores construídas ao longo de sua história social, pois a
linguagem e a mediação com símbolos e instrumentos é que tornam possível a seleção e
rotulação. A atenção, através da mediação simbólica que aprende a selecionar o que é
relevante, também vai se submetendo a controles voluntários, o que permite focar em
uma das diversas informações do ambiente. A memória, por sua vez, pode ser
distinguida em dois tipos: a natural, influência direta dos estímulos externos sobre os
indivíduos, semelhante a de outros animais; E a mediada, que é voluntária e, com o
auxílio de signos, busca o registro para recuperação e uso posterior (OLIVEIRA,
1997).
Realçando novamente a importância da interação social e da linguagem no
processo de criação dos homens, sendo a linguagem um instrumento mediador que
torna possível acessar as experiências alheias e delas compartilhar, Vygotsky (2009)
também abordou a imaginação como um meio de ampliar a experiência humana, pois
torna-nos capazes de relacionar e formar imagens de coisas que nunca vivemos. O
impulso reprodutor é estreitamente vinculado à memória, caracterizando-se por repetir
normas de condutas criadas. Porém, os homens combinam experiências anteriores e
criam possibilidades de ação, projetando inclusive o futuro. Logo, essa atividade
criadora do cérebro humano, baseada na combinação, é o que Vygotsky (2009) chama
de imaginação: “O cérebro [...] combina e reelabora, de forma criadora, elementos da
experiência anterior, erigindo novas situações e novo comportamento.” (IBID, p. 14).
Quanto ao ensino da linguagem escrita, ele afirmava: “Enfatiza-se de tal forma
a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita
como tal.” (VYGOTSKY, 2008b, p. 125). Para o autor, a linguagem escrita, diferente
da linguagem falada, dificilmente pode ser desenvolvida pela criança por si só. A
linguagem falada é um simbolismo direto que, inicialmente, intermediará a linguagem
escrita e o seu signo.
27
Para Vygotsky (2008b), a história do desenvolvimento dos signos na criança
começa com o aprendizado dos gestos, pois estes são signos visuais. Também destaca
o simbolismo na brincadeira como essencial para o processo de desenvolvimento da
escrita. A utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar,
com eles, um gesto representativo, faz a brincadeira adquirir uma função simbólica.
Quando as crianças mais velhas, nas brincadeiras, passam a usar o objeto não somente
como representação, mas também para substituir as coisas, o objeto adquire uma
função de signo que se torna independente do gesto. Por isso, este autor reconheceu o
faz de conta como um grande contribuidor para o simbolismo de segunda ordem, como
é a escrita, afinal (VYGOTSKY,2008a).
Concomitantemente, mas apresentando uma linha de desenvolvimento
diferente, a criança vai aprendendo que através do desenho pode representar algo. No
início, os rabiscos das crianças constituem somente gestos, contudo, após a linguagem
falada ter progredido, a criança passa a desenhar contando uma história. O desenho,
assim, passa a ser uma linguagem gráfica que tem por base a linguagem verbal.
Por fim, para que a criança possa evoluir de um simbolismo de primeira ordem
(os quais denotam diretamente objetos ou ações), para um simbolismo de segunda
ordem (que compreende a criação de sinais escritos como representação dos símbolos
falados), “a criança precisa fazer uma descoberta básica - a que se pode desenhar, além
de coisas, também a fala.” (VYGOTSKY, 2008b, p. 140). E, com o tempo, a
linguagem falada desaparecerá como elo intermediário da linguagem escrita, a qual
passará a ser um simbolismo de primeira ordem.
Segundo Vygotsky (2008b), as crianças são capazes de descobrir a função
simbólica da escrita em idade pré-escolar, mas esta deve ser ensinada na escola com
um significado, de forma com que as crianças sintam a necessidade de ler e escrever,
ou seja, mostrando que a leitura e a escrita possuem um papel social.
A perspectiva sócio-histórica na psicopedagogia
Nos trabalhos epistemológicos da psicopedagogia brasileira, Vygotsky é ainda
pouco citado. A Psicanálise (herdada da psicopedagogia da França e da Argentina) e a
Epistemologia Genética de Piaget (base da psicopedagogia nascida em São Paulo) são
as duas teorias mais citadas, entre outras da área psicológica e médica. Contudo, um
artigo publicado em 2011 pela Revista Psicopedagogia, da Associação Brasileira de
28
Psicopedagogia, fornece algumas contribuições para esse texto que busca, no entanto,
tecer outras relações também possíveis entre o trabalho psicopedagógico e a
perspectiva sócio-histórica de Vygotsky.
O artigo publicado pela Revista Psicopedagogia traz contribuições de Vygotsky
e de Feuerstein, um dos autores bastante citados na Psicopedagogia. Apesar de ser
discípulo de Piaget, Feurestein aproxima-se da abordagem vygotskyana, pois trabalha
com a aprendizagem e mediação e a importância dos processos interativos para o
desenvolvimento. Todavia, uma diferença essencial entre as abordagens de Feuerstein e
Vygostsky é que este enfatiza os signos como atos mediadores, principalmente a
linguagem, enquanto para Feuerstein o enfoque está na mediação humana. (SALAMI;
SARMENTO, 2011).
Assim, Vygotsky reconhece que a linguagem, como organizadora do discurso
interior, auxilia a criança a planejar suas ações, o que é essencial em um processo de
aprendizagem. Porém, quando a criança possui dificuldade de planejar através de um
discurso voltado para o pensamento, precisa primeiro fazê-lo de forma social, por meio
de situações propostas pelo psicopedagogo que podem auxiliar a internalização gradual
do discurso planejador (OLIVEIRA, 1997).
As palavras dão sentido ao que somos e ao que nos acontece (LAROSSA,
2002). As crianças e jovens que passam por algum trauma ou problema, o qual não
raramente acaba interferindo na aprendizagem, podem encontrar na linguagem uma
forma de expressar seus sentimentos, pois “o sentido da palavra liga seu significado
objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e pessoais de seus
usuários” (OLIVEIRA, 1997, p. 50), e isso pode ser explorado pelo psicopedagogo
como um caminho na busca da superação de uma dificuldade de aprendizagem.
Acrescenta-se ainda que a linguagem é fundamental para o desenvolvimento da
memória, atenção e percepção humanas. Crianças que possuem dificuldade nessas
funções psicológicas superiores podem utilizar-se de instrumentos externos até que as
formas de controle dessas funções sejam internalizadas, cabendo ao psicopedagogo
auxiliá-las nesse processo. Signos evocativos funcionam melhor em crianças entre
quatro e seis anos, ou seja, signos que possuem elos prontos, pois as crianças dessa
faixa etária ainda possuem mais dificuldade em estabelecer conexões indiretas,
enquanto as mais velhas são capazes de fazer essas associações (VYGOTSKY,
2008b).
A linguagem é claramente capaz de mudar o campo psicológico da criança, mas
29
também se constitui como um meio de contato social, o qual permite as interações
sociais. Estas são essenciais para o processo de ensino-aprendizagem e, sobretudo,
admitem que o psicopedagogo aja sobre a zona de desenvolvimento proximal,
auxiliando a criança naquilo que se encontra em maturação ou em processo
embrionário. Para Vygotsky, o aprendizado vem antes do desenvolvimento; portanto,
tão importante quanto conhecer o retroativo e o estágio de pensamento em que a
criança se encontra, avaliar e trabalhar com a zona de desenvolvimento proximal torna-
se fundamental ao psicopedagogo (BEYER, 1996 apud SALAMI; SARMENTO,
2011).
Vygotsky também abordou em um de seus estudos o conceito de primitivismo
cultural, diferenciando-o da debilidade mental.
O primitivismo da criança, isto é, o atraso em seu desenvolvimento
cultural, deve-se fundamentalmente ao fato de que, por alguma causa
externa ou interna, não conseguiu dominar os meios culturais de
comportamento, especialmente a linguagem (VYGOTSKY, 1998
apud SALAMI; SARMENTO, 2011, p. 80).
Para a atuação de um psicopedagogo, esse conceito é importante, pois, muitas
vezes, a não aprendizagem não se trata de um problema biológico, mas sim da
privação de conhecimentos que são adquiridos de forma sociocultural, uma dimensão
primordial para a constituição das funções superiores nos seres humanos. Esses danos
não são irreversíveis e podem ser desenvolvidos por meio de experiências de
aprendizagem mediada.
A teoria sócio-histórica diz ainda que, apesar do impulso reprodutor ser de
grande importância para a criança, por assegurar a adaptação do homem, é o impulso
criador que permite ao ser humano combinar o velho de maneiras distintas em busca
do novo. No entanto, ressalta-se que sem conhecer o velho não há como surgir novas
combinações. Por isso, o psicopedagogo pode identificar se o problema de
aprendizagem da criança pode estar também ligado à ausência de um impulso
reprodutor ou criador.
Todo saber científico, construído e acumulado ao longo de anos pela
humanidade, e que a escola busca transmitir de forma sistemática, possui uma pré-
história. Para Vygotsky (2005) isso significa que uma aprendizagem nunca parte do
zero e, portanto, ao aprender, a criança está relacionando aquilo que estuda com fatos
presenciados em sua vida, transformando esse objeto de aprendizagem em algo
30
significante para ela. O psicopedagogo precisa ter em mente que a criança não aprende
por um modelo simples e linear de transmissão, do adulto para a criança. A criança
participa ativamente da interação, reconstruindo mentalmente o funcionamento
interpsicológico. (MARTINS, 1997). Assim, alguns aspectos principais a serem
trabalhados pelo psicopedagogo, são:
[...] desafiar as pessoas na busca e construção de significados;
oportunizar situações de aprendizagem desafiadoras e motivadoras
que despertem o interesse; debater a importância e a finalidade das
tarefas propostas, assim como propiciar um ambiente, onde o
principal foco seja a cooperação e a interação (SALAMI;
SARMENTO, 2011, p. 79).
A linguagem escrita, por sua vez, além de ter um papel social na história, é um
processo de simbolização que, segundo Vygotsky, deve ser adequadamente preparado.
Quando uma criança apresenta dificuldades na linguagem escrita e, constatado que não
se trata de um sintoma, é essencial que o psicopedagogo trabalhe todo o processo de
simbolização, desde os gestos e as brincadeiras, passando também pelo desenho.
Contudo, é importante lembrar que o desenho se constitui uma ferramenta
relevante no trabalho do psicopedagogo pois, a partir dos estudos de Vygotsky, é nos
desenhos que as crianças aprendem a representar histórias, sendo, portanto, uma forma
mais natural da criança narrar acontecimentos e expressar-se.
Assim, o fazer psicopedagógico deve continuar utilizando as brincadeiras
lúdicas e desenhos como instrumentos para conhecer melhor a criança com dificuldade
de aprendizagem: seus medos, o convívio familiar e escolar, suas capacidades
psicomotoras durante essas atividades, suas projeções, como lida com regras, seus
conhecimentos prévios e potenciais, entre outros dados que vão lhe mostrando quem é
esse sujeito, o que está bloqueando sua aprendizagem e qual a mediação necessária
para ajudá-lo a superar essa dificuldade.
Considerações finais
Fundamentada em diferentes referenciais teóricos, tanto da área médica,
psicológica, pedagógica, sociológica, entre outras, a psicopedagogia possui uma
natureza inter e transdisciplinar, utilizando instrumentos próprios que auxiliam na
compreensão sobre quem é o sujeito que aprende, o que ele aprende, qual sua
31
dificuldade de aprendizagem, o que pode estar bloqueando esse processo e como esse
bloqueio pode ser superado ou mesmo evitado (BOSSA, 2011).
Neste artigo, pode-se concluir que a importância da linguagem, ressaltada por
Vygotsky em diversos aspectos, além de mudar o campo psicológico da criança,
também se constitui como um meio de contato social. As interações sociais admitem
que o psicopedagogo aja sobre a zona de desenvolvimento proximal, auxiliando a
criança naquilo que se encontra em maturação ou em processo embrionário. Logo,
além de avaliar aquilo que a criança consegue fazer sozinha, o psicopedagogo deve
compreender o que ela consegue realizar com auxílio.
O psicopedagogo também deve estar ciente que, diante de dificuldades na
linguagem escrita, problema cada vez mais comum nas escolas, faz-se essencial
trabalhar como todo o processo de simbolização gestos, brincadeiras e desenhos -
para que a criança reestabeleça o percurso que leva ao simbolismo de segunda ordem.
Além disso, os desenhos e brincadeiras são uma forma natural das crianças
representarem histórias e narrarem acontecimentos que podem estar relacionados à sua
dificuldade de aprendizagem.
Melhoras significativas na memória, atenção e percepção podem ser notadas
quando se utilizam instrumentos externos, que devem ser organizados, a princípio, pelo
psicopedagogo para auxiliar as crianças com dificuldades nesses aspectos. Além disso,
proporcionar vivências diferenciadas para crianças com privação de conhecimentos
socioculturais são ações importantes de um psicopedagogo que estimule o desejo de
aprender e criar, afinal, sem conhecer o velho, ou seja, o saber produzido sócio e
historicamente, não há como surgir novas combinações.
Por fim, sem o intuito de criar um fazer psicopedagógico baseado na
perspectiva cio-histórica, mas sim de buscar contribuições desta perspectiva para a
constituição de um campo teórico que seja próprio da psicopedagogia, esse artigo
buscou ressaltar alguns pontos relevantes dos estudos de Vygotsky. No entanto, as
obras produzidas por esse autor são amplas e outras contribuições para a
psicopedagogia poderão ser apontadas em estudos futuros.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
32
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mediada. Revista Perspectivas Online: humanas & sociais aplicadas, Campos dos
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VYGOTSKY, L. S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da
criança. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, n. 08, p. 23-36, jun. 2008a.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2008b.
VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2008c.
VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e Desenvolvimento Intelectual na Idade Escolar. In:
LEONTIEV, A. et al. Psicologia e Pedagogia: bases psicológicas da aprendizagem e do
desenvolvimento. São Paulo: Centauro, 2005. p. 25-42.
33
O currículo pensado-vivido: relações entre o projeto curricular do curso de
pedagogia e o discurso de professoras em formação
Maria Julia MELO
Lucinalva ALMEIDA
Introdução
Este trabalho se apresenta como desdobramento de nossas pesquisas de
mestrado, onde problematizamos questões referentes à formação de professores
considerando articulação entre o que é pensado para esta formação e o que é vivido nos
referidos cursos. Para tanto, nossa discussão foi mediada pelas contribuições de
Sacristán (1998), Roldão (2007), dentre outros.
Deste modo, no presente artigo compreendemos o currículo como o movimento
que articula o que fora pensado nos documentos oficiais para o curso de pedagogia, com
o que é vivenciado no cotidiano das Instituições de Ensino Superior e nas escolas de
educação básica. Partimos, então, do entendimento, juntamente com o ciclo de políticas
de Ball, que o contexto de produção repercute no contexto da prática, sendo o contrário
também possível (MAINARDES, 2006). Assim, a legislação influencia a forma como
os currículos dos cursos de formação de professores se corporificam e esses currículos
se materializam nos discursos produzidos pelos professores que vivenciam os cursos de
formação. Contudo, estes professores também ressignificam o currículo, que se
transforma num processo de reformulação, possibilitando mudanças legais.
Nessa direção, a prática docente, que diz respeito ao exercício da função
específica do professor, é resultado das influências dos documentos oficiais, da
formação inicial, mas também do processo de ressignificação dessas influências
realizado pelos professores, que diante das exigências da atuação docente tratam, no
cotidiano de trabalho, dos problemas de ensino e aprendizagem. Diante disto,
construímos como objetivo deste artigo compreender a relação entre currículo da
formação de professores e prática docente a partir do componente curricular estágio
supervisionado.
A análise do discurso como perspectiva teórico-metodológica nos forneceu
elementos que possibilitaram analisar como acontece a relação entre os discursos
34
pensado e vivido, postos nos textos que podem “ser escrito ou oral também não muda a
definição do texto. Como a materialidade conta certamente um texto escrito e um oral
significam de modo específico particular a suas propriedades materiais. Mas ambos são
textos” (ORLANDI, 1999, p. 69). Assim, o texto funciona como unidade de análise para
a análise do discurso, revelando uma unidade de sentido em uma situação dada.
Dessa forma, na busca da relação entre o currículo da formação de professores e
a prática docente a partir do estágio supervisionado, realizamos a pesquisa documental
do projeto curricular do curso de Pedagogia, de uma IES pública localizada no agreste
pernambucano. Também realizamos o movimento discursivo entre o projeto e os
discursos produzidos por quatro professoras desta mesma instituição. Professoras estas
que ocupavam duas posições discursivas: a de serem professoras com experiência na
docência, mas ainda estarem em processo de formação, posições estas que condicionam
os discursos que produziram. Buscamos, portanto, evidenciar a materialidade das
relações entre o contexto do texto e da prática.
O Currículo do Curso de Pedagogia: diálogo entre o Pensado e o Vivido.
Ao compreender o currículo como movimento que articula o que é pensado nos
documentos oficiais com o que é vivido pelos estudantes e professores nas
escolas/universidades, percebemos as transformações em torno dos estudos curriculares,
onde este objeto, conforme afirma Santiago (2006, p. 74), “pode ser tomado como uma
(1) disciplina curricular; pode ser também abordado como (2) campo de investigação
científica e ainda, como (3) prática pedagógica”.
Dessa maneira, ao buscar compreender o currículo do curso de Pedagogia,
considerando o discurso dos documentos e dos estudantes/professores, o fizemos por
entender que este currículo da formação se constrói através do envolvimento destes
sujeitos com a perspectiva curricular adotada pela universidade através do projeto
pedagógico curricular, mas também estas são produtoras de currículo, visto que através
do discurso analisam o currículo de sua própria formação, mas também vivenciam o
currículo em seus cotidianos nas escolas de educação básica.
O currículo pensado é aqui compreendido como os documentos escritos, assim
como as ementas das disciplinas, projeto pedagógico do curso, diretrizes do curso de
Pedagogia, pareceres, resoluções, dentre outros. O currículo vivido se materializa nas
35
vivências entre os sujeitos nos cotidianos das escolas/universidades, através das relações
que estes sujeitos estabelecem entre si e também com a construção do conhecimento.
Ao discutirmos o currículo, nestas duas dimensões, ressaltamos que não as
consideramos em posições opostas, visto que por ser uma construção social o currículo
enquanto documento traz as marcas históricas dos sujeitos que se envolveram nesta
construção. E neste sentido é que o currículo pensado não é apenas documento
burocrático, mas é expressão do cotidiano vivenciado pelos grupos, mesmo que estas
vivências não estejam sistematizadas oficialmente na escola.
No que tange ao currículo do curso de Pedagogia, acreditamos que ele pode
trazer contribuições para a formação de professores ao considerar em suas ações a
pesquisa em torno dos aspectos que envolvem o cotidiano da escola, articulando o
pensado nos documentos oficiais para a formação deste professor, porém sem ignorar o
vivido por estes sujeitos em seus espaços de atuação profissional. Desse modo,
consideramos que o vivido se refere também à prática docente do professor, ou seja, o
exercício profissional é percebido enquanto possibilidade de materialização da
formação de professores, associada à capacidade criadora e criativa desses professores
na ressignificação de suas práticas a partir das situações vivenciadas no cotidiano de
trabalho.
A prática docente enquanto materialização do currículo da formação de
professores.
Compreendendo que a prática docente se faz também como materialização do
currículo pensado, bem como este currículo sofre influências e se ressignifica a partir
dos elementos trazidos do fazer dos professores, se faz necessário explicitar a qual
sentido de prática docente nos vinculamos, ou seja, demonstrar o que pretendemos dizer
quando nos referimos a esta prática.
Sem embargo, a prática docente diz respeito ao fazer do professor, ou seja, ao
trabalho que é inerente à atividade da docência. Nesse sentido, é possível perguntar: o
que efetivamente faz parte desse fazer docente? Qual a sua especificidade?
Respondendo a isso, entende-se que a função do professor é ensinar (ROLDÃO, 2007),
e é nessa característica que se distingue de outras profissões, uma função que não existe
isenta de conflitos, não é consensual, mas que tem seu reconhecimento e sua afirmação
histórica a partir da luta do grupo profissional de professores.
36
Já que ensinar é fazer aprender algo a alguém, o ensino se materializa enquanto
atividade relacional que se realiza na vinculação dialética com a aprendizagem. Dessa
forma, não como considerar o ensino isolado das condições de aprendizagem, pois
um se realiza a partir do outro. Esta se configura então como uma produção
discursiva que constrói um sentido de ensino que não se assume apenas como
transmissão de saber, mas como diálogo indissociável com a aprendizagem (FREIRE,
1996).
Nesta mudança de sentido do ensino, este passa a ser entendido também
enquanto apropriação gradual, significando dizer com isso que a função do professor é
aprendida no decorrer da vida profissional a partir da síntese dos conhecimentos
veiculados nos cursos de formação e das experiências com a docência. Dessa forma, se
ensinar apresenta uma dupla transitividade, não se reduz à transmissão de conhecimento
e se aprende no decorrer dos anos de docência, esta atividade não tem caráter fixo,
podendo se transformar dependendo das situações enfrentadas pelo professor no
exercício profissional.
Pensando sobre a relação entre o currículo e a prática docente a partir do estágio
supervisionado: a questão do contexto do texto e da prática
Nesta análise consideramos a imbricação entre o pensado e o vivido, uma vez
que o discurso do currículo vivido traz em si as marcas discursivas do currículo
pensado, e este último não se mostra isento das influências do cotidiano, mas são
discursos que se encontram numa relação intertextual, considerando as condições de
produção do discurso, visto que fazem parte de uma memória discursiva, a qual Orlandi
(2007) chama de Interdiscurso. Sendo assim, é diante deste encontro entre o pensado e
o vivido inscritos numa memória, que nos remete à dimensão histórica do discurso, que
os sentidos vão sendo possíveis de serem interpretados.
Iniciamos, por conseguinte, nossa análise trazendo os sentidos de estágio
presentes no projeto curricular da IES, entendendo este componente curricular como
lócus privilegiado da articulação entre currículo e prática docente. A partir desta análise
foi possível perceber a recorrência de alguns enunciados dentre os quais citamos o
diálogo, relação teoria e prática, práxis, reflexão, relação espaço de trabalho e espaço de
formação.
37
No que se refere ao enunciado diálogo, observamos que ele se encontra
associado a um sentido de formação que busca a integração, ou seja, o diálogo é
utilizado no projeto propondo uma formação integradora que proporciona a conversa
entre conhecimentos das diversas áreas de saber, intencionando uma aprendizagem
articuladora do exercício profissional.
Sob esse caráter integrador, o enunciado diálogo aparece vinculado no PPC ao
da relação teoria e prática, concebendo a formação de professores como lugar que
oportuniza a construção da práxis, a qual deverá conduzir toda a prática docente do
professor.
O princípio que norteia nossa prática na formação de docentes é a
relação dialógica entre teoria e prática. Elaborar conhecimentos
teóricos necessários para a prática docente significa desenvolver,
pessoal e coletivamente, o esforço investigativo intencional e
sistemático, da apreensão da realidade e de sua transformação (PPC
IES, 2010, p. 10).
Se é princípio norteador, então a relação teoria e prática tem no projeto do curso
lugar durante todo o processo formativo. Com isso, vemos que sob o estágio não é
colocada toda a responsabilidade por promover essa associação, isto é, pois, um não
dito que significa.
Mas entender que no estágio não é posta toda a responsabilidade da articulação
entre teoria e prática denota compreender que o projeto o coloca na posição de
“componente estruturador da formação profissional do docente” (SANTIAGO;
BATISTA NETO, 2006, p. 29). Assim, o projeto não destina ao estágio uma seção
especial, uma vez que este perpassa todo o processo formativo como componente
curricular estruturador da formação.
Referente ao enunciado da relação entre espaço de formação e de atuação
profissional, identificamos este associado ao enunciado da reflexão. Assim, quando o
PPC trata do perfil do profissional educador, ele afirma que o curso oferecerá
“aproximação reflexiva e propositiva entre a instituição formadora e os espaços de
atuação profissional escolar e não-escolar [...]” (PPC IES, 2010, p. 17-18). Isso significa
dizer que não basta ao estagiário ir à escola-campo para que isto se configure como
relação entre dois espaços de formação, é preciso que essa aproximação seja pensada
para que cada espaço possa contribuir com suas especificidades no processo formativo
do estagiário.
38
O enunciado da reflexão articulado com o da relação teoria e prática produz um
discurso no PPC da docência como aprendizagem a partir do fazer, mas um fazer
refletido. Destarte, o PPC aponta que ao ensinar o professor aprende a sua profissão,
aprende a analisar situações cotidianas sob a luz da teoria e ressignifica seu fazer,
transformando sua ação em ação refletida.
Acreditamos, então, que o sentido que abarca todos os enunciados recorrentes do
projeto seja o de uma formação integrada, uma formação que não “pode se contentar
com a formação tecnicista dos técnicos, nem a cientificista dos cientistas [...]”
(FREIRE, 1987, p. 90), que não seja nem isso e nem aquilo, mas que consiga num
movimento dialético abranger teoria e prática na possibilidade de construção da práxis
docente; Universidade e escola; E no diálogo entre a experiência do professor e o
conhecimento produzido historicamente concorrer para a elaboração de conhecimento
novo.
O estágio como possibilidade de mudança/transformação na prática docente
Tendo em mente que o estágio para o professor com experiência necessita do
entrecruzamento entre o cotidiano de trabalho e a fundamentação teórica aprendida na
academia, compreendemos o estágio como reflexão da prática docente, que contempla
as experiências e o conhecimento tácito do professor, sem desconsiderar o
conhecimento historicamente produzido.
Dessa forma, as professoras constroem o sentido de estágio como possibilidade
de mudança/transformação da prática docente, sendo este o domínio comum do
discurso, mas reconhecem diferentes mudanças que ocorreram a partir da experiência
com os estágios em educação infantil e no ensino fundamental (singularidade
discursiva), quais sejam: embasamento teórico, revisão da própria prática a partir da
observação do outro, respeito ao aluno como um ser pensante e planejamento das aulas.
Assim, apesar de apresentarem certas reservas quanto à relevância do estágio
para sua prática docente no mesmo nível de ensino em que atuam, sinalizam que as
mudanças foram decorrentes a partir da vivência de todos os estágios.
[...] tem sim mudanças, eu acredito por conta dos textos, dos autores
que a gente estuda, né. Porque mesmo eu tendo alguns anos de
experiência, mas não é com uma base teórica que a gente adquire na
universidade, né, com, a partir dos estágios. Acho que a mudança
principal foi essa (Professora 1).
39
A professora parece reconhecer que somente o conhecimento tácito não é
suficiente para o fazer do professor, é preciso além disso que este conhecimento seja
posto em reflexão e juntamente com a teoria ofereça ao sujeito diferentes perspectivas
de análise, pois “a teoria além de seu poder formativo, dota os sujeitos de pontos de
vista variados sobre a ação contextualizada” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 49).
As mudanças também são proporcionadas a partir da observação da prática de
outro professor, o que é vivido através do estágio.
[...] eu acredito que eu vi mudança, principalmente como eu já atuo na
área da educação infantil muitas vezes eu via com relação, coisas que
eu fazia como se eu tivesse me vendo e ao mesmo ponto eu via que
realmente coisas que eita eu não via que precisava ser melhorado.
Então, a partir dali [do estágio] a gente começa a ver coisas que a
gente não começa a enxergar, a gente só começa a enxergar a partir do
outro não a partir de si mesmo (Professora 2).
Nesse dizer fica evidente que o estágio proporcionou uma revisão da prática
docente da professora através da observação da prática de outro professor. Ela passa por
um processo de desacomodação na medida em que enxerga na prática do outro docente
a possibilidade de melhorar sua própria prática. Reflete sobre o fazer do outro e começa
a refletir sobre o seu fazer, o que provoca uma tensão entre o novo e o antigo, nos
moldes pensados por Ghedin (2012, p. 170): “Diante da tensão permanente entre
mudança e acomodação é que se faz necessária a instauração do processo reflexivo-
crítico-criativo, pois, através dele, a tensão é mantida viva e na sua vivacidade
possibilita a construção de novos horizontes de ação”.
Essa reflexão da prática também permite às professoras pensarem sobre a
relação que estabelecem com seus alunos. Assim, a maneira como concebem as crianças
muda de acordo com o conhecimento teórico adquirido na formação inicial.
Eu mudei muito desde que eu entrei aqui, que comecei a estudar né.
Por exemplo, eu tenho um aluno agora na educação infantil que
gosta de brincar com boneca, se fosse antigamente eu ia dar bronca
toda vez “solta essa boneca, larga essa boneca, solta ela no chão”.
Então eu vou aceitando, eu deixo ele brincar, ele não escolheu
brincar com isso? Isso não quer dizer que ele já vai ser gay ou então se
for é escolha dele. Então eu já comecei a respeitar mais o aluno, a não
ficar gritando que eu gritava demais, demais (Professora 3).
A professora 3 enxerga, por exemplo, que antes da formação atuava de maneira
autoritária e se fazia obedecer através da subordinação dos corpos, mentes e desejos das
40
crianças. Estas deveriam apenas seguir a autoridade definida através de uma relação
hierárquica rígida entre professora e alunos, o que nos dizeres de Freire (1987) opera na
deformação dos indivíduos aprendentes. A mudança da professora também incide na
compreensão de que o habitus que se caracteriza como a cultura, o costume e o
conservadorismo (SACRISTÁN, 2012) pode, através de uma formação que aja no
comportamento cultural dos professores, produzir novas práticas.
Dessa forma, as professoras sinalizam que o estágio pode sim operar na
ressignificação das práticas cotidianas, este que entendido como atividade teórico-
prática implica no “desenvolvimento pessoal, com a preparação para a realização
profissional de uma prática educativa contextualizada reflexiva, crítica e
transformadora” (SOUZA, 2006, p. 3).
O professor experiente que reflete sobre sua prática depois da vivência do
estágio pode inclusive mudar, além da forma como percebe seus alunos, o planejamento
de suas aulas.
O que eu percebi que eu mudei depois dos estágios foi a relação com o
planejamento, porque quando a gente faz o planejamento é um norte e
antes eu não levava isso tão a sério não, confesso a você. (Professora
4).
Obviamente que uma das dificuldades de ser professor “é defrontar-se
incessantemente com a necessidade de decidir imediatamente no dia a dia da sala de
aula. E depois de decidir na urgência, [ainda ter] que assumir as consequências da
decisão, de seus atos” (CHARLOT, 2012, p. 105). Mas isso não significa que o
professor pode abrir mão de planejar o processo de ensino e aprendizagem, de ter
objetivos claros e definidos a respeito do que deseja que seus alunos atinjam em termos
de conhecimentos cognitivos, como também atitudinais e procedimentais.
Pudemos perceber ainda que apesar do projeto o evidenciar diferentes formas
de vivência do estágio visando alcançar os professores experientes, na produção de
seus discursos as professoras conseguiram identificar relações entre o currículo e a
prática docente a partir do componente curricular estágio supervisionado, relações que
se traduziram em mudanças no seu exercício profissional a partir da observação da
prática de outros professores. Dessa forma, a vivência do estágio permitiu às professoras
a autoavaliação, o que se corporificou numa reflexão e ressignificação do seu fazer.
41
Considerações finais
Tendo como objetivo compreender a relação entre currículo da formação de
professores e prática docente a partir do estágio supervisionado, percebemos, com os
dados, que esta relação pôde se materializar para professoras experientes na docência
com a vivência do estágio. Assim, o PPC ao trazer o estágio enquanto atividade teórica
e prática e enquanto eixo articulador influenciou os discursos produzidos pelas
professoras, os quais tinham no seu cerne o sentido de estágio como possibilidade de
reflexão sobre a prática docente e de mudança dessa prática.
Desta forma, acreditamos que a articulação estabelecida pelas professoras entre
o pensado no curso de Pedagogia e o vivido por elas enquanto professoras experientes é
possível, visto que dispõem de elementos teóricos para realizar esta relação entre os
componentes curriculares com o que é específico de sua profissão.
Partimos, então, do sentido de currículo resultado do contexto local e global, o
que ultrapassa seu sentido enquanto documento prescrito. Isso significa dizer que ele é
documento vivo que se corporifica a partir das discussões de formulação, mas também
diante das influências das práticas dos professores em processo formativo. Contudo,
este currículo igualmente reflete nessas práticas, constituindo-se enquanto movimento
circular segundo o qual o contexto de produção repercute no contexto da prática, sendo
o contrário também possível (MAINARDES, 2006).
Assim, as propostas dos currículos dos cursos de formação de professores
podem se materializar na maneira como os docentes em formação constroem seu fazer.
No entanto, os professores ressignificam o currículo, que acaba por se transformar com
os processos de reformulação. Deste modo, as práticas e os discursos não se encontram
isolados, mas estabelecem uma relação de sentido com o currículo da formação de
professores, que transita entre pensado e vivido.
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PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica
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42
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PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.
ROLDÃO, M. do C. Função docente: natureza e construção do conhecimento
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SANTIAGO, E. Perfil do educador/educadora para a atualidade. In: SANTIAGO, E.;
BATISTA NETO, J. (Orgs.). Formação de professores e prática pedagógica. Recife:
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SOUZA, J. F. de. Prática pedagógica e formação de professores. Ensaio para
concorrer ao cargo de professor. Recife: UFPE, 2006.
43
A relação teoria e prática: o que dizem os professores da educação especial
Miryan Cristina BUZETTI
Maria Piedade Resende da COSTA
Introdução
É primordial identificar os saberes docentes, as habilidades profissionais que
especifica a ação docente. O professor deve desenvolver um saber prático baseado na
sua experiência, dominando assim sua disciplina, matéria, conhecimento da ciência da
educação (TARDIF, 2002). O autor coloca ainda que o professor é alguém que sabe
algo e ensina a alguém, atuando com diversos saberes que alicerçam a sua prática. Os
saberes docentes e a prática pedagógica estão intrinsecamente relacionados,
estabelecendo uma ação dinâmica de construção e reconstrução ao longo do processo de
ensino se pautando em diferentes categorias como saberes disciplinares, curriculares,
profissionais e experiências.
De acordo com Tardif (2002), os saberes docentes são plurais, pois trazem o
conhecimento do saber-fazer e do saber originado de fontes variadas que envolvem as
competências, habilidades e atitudes dos professores na sua prática profissional. Cunha
(2002) relata que os bons professores apresentam inúmeras habilidades que são fontes
do conhecimento sistematizado.
O conhecimento do conteúdo ensinado diz respeito ao conhecimento do conteúdo
formal e teórico advindos de investigações das áreas específicas, quais são e como se
organizam. Significa que além do conhecimento de fatos e conceitos é necessário
compreender, à luz do método investigativo e dos cânones da ciência assumidos pela
área específica, os processos em que são produzidos, representados e validados
(SHULMAN, 1986, p. 203-204).
Entre os saberes que configuram a docência, Pimenta (1999) destaca a experiência,
definida como o saber vivenciado enquanto aluno durante a escolarização e os saberes
que são adquiridos no cotidiano da atividade docente; Os saberes pedagógicos que são
produzidos na ação em contato com os saberes sobre a educação encontram
instrumentos para construir suas práticas; E por fim os saberes do conhecimento,
oriundos do significado dos conhecimentos disciplinares e curriculares. Pimenta (1999)
44
destaca ainda que os saberes necessários ao ensino são reelaborados e construídos pelos
professores “em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas
nos contextos escolares” (PIMENTA, 1999, p. 29), existindo ai uma troca de
experiências entre os pares.
Sobre os saberes adquiridos pela experiência, Tardif (2002) diz que eles constituem
os fundamentos de sua competência, permitindo ao docente desenvolver os hábitos que
contribuem para solucionar os questionamentos da prática cotidiana, buscando em sua
própria vivência como aluno elementos para agir diante de situações variadas e
complexas do cotidiano.
Para Schön (1993), a dimensão prática da atividade docente é extremamente
relevante para o conhecimento profissional. Para esse autor, um aspecto que distingue o
conhecimento profissional de outros tipos de conhecimento refere-se ao modo como os
sujeitos reagem a situações imprevistas na prática. Dessa maneira, a prática profissional
é marcada por situações de instabilidades e de incertezas nem sempre resolvidas, uma
vez que seu repertório de saberes não as respostas demandadas no dia-a-dia de seu
exercício profissional. Tais situações pressupõem a mobilização de saberes e de
competências que vão além daqueles conhecimentos técnicos ou teóricos aprendidos
nos processos formativos.
Conforme Morin (2003) a teoria “adquire vida” quando ela consegue ser
percebida na realidade do cotidiano, movendo a pessoa em busca de novos
conhecimentos, movimentando assim a sua prática. Compreender que estamos inseridos
em um contexto social e que as atividades desenvolvidas implicam e são implicadas
pelo que os outros fazem é uma das perspectivas necessárias para entender a relação que
acontece entre teoria e prática. Somente quando entendemos que a prática será mais
coerente e eficaz, apresentando mais qualidade, se for embasada na teoria e,
consequentemente iremos pensar a prática a partir da teoria. A teoria não está
desvinculada da prática, nem a prática da teoria (SAVIANI, 2003). Para Saviani, teoria
e prática são aspectos dialeticamente distintos e fundamentais da experiência humana,
definindo-se um em relação ao outro. A prática é a razão de ser da teoria, o que significa
que a teoria só se constituiu em função da prática que realiza.
Catani (1997) diz que existem mal-entendidos na relação teoria e prática, cria-se
então uma grande expectativa no que concerne a teoria, como se esta pudesse favorecer
um apoio metodológico, que muitas vezes não tem como ser correspondida na mesma
medida, também a questão das crenças sobre a teoria em relação a resolução de
45
problemas do cotidiano escolar. Crenças e teorias implícitas à ação docente, bem como
as outras formas do pensamento do docente, interagem no contexto determinado, dando
forma às ações desenvolvidas por ele em sala de aula. Nesse sentido, o conhecimento
docente surge como produto das condições históricas, sociais, culturais, pessoais dos
envolvidos no processo educativo.
Schon (1993) o dualismo entre pensamento e ação, teoria e prática, e enfatiza a
prática aplicada aos conhecimentos adquiridos nas aulas teóricas, o autor coloca que
esse dualismo deve estar presente, pois favorece a reflexão do professor.
Acreditar que a reflexão é indispensável para o trabalho docente apresenta uma
concepção de que a prática pedagógica deve se constantemente questionada pelo
professor, possibilitando a descoberta para novos caminhos para aprimorar o trabalho
desenvolvido pelo mesmo (PERRENOUD, 2002). O autor apresenta duas ideias: a
reflexão na ação, identificando como a reflexão durante a ação pedagógica e a ideia de
reflexão sobre a ação tomando como base a própria ação, revendo as atividades e
refletindo sobre como foram trabalhadas e desenvolvidas.
Entendemos que é necessário compreender o movimento dialético que fortalece a
relação teoria e prática. Sánchez Vasquez (1968, p. 210) explica “[...] enquanto a
atividade prática pressupõe uma ação efetiva sobre o mundo, que tem por resultado uma
transformação real deste, a atividade teórica apenas transforma nossa consciência dos
fatos, nossas ideias sobreas coisas, mas não as próprias coisas”.
Schon (1993) coloca que o desenvolvimento de uma prática reflexiva precisa estar
integrada ao contexto institucional, sendo necessário criar espaços dentro da escola no
qual a reflexão seja possível e que após refletir sobre os fatos a tomada de atitudes mais
adequadas seja possível. Ensinar constitui uma forma de reflexão na ação, isto é, reflete-
se sobre os acontecimentos e sobre as formas espontâneas de pensar e de agir de
alguém, surgidas no contexto da ação, que orientam a ação posterior.
É através do processo de reflexão-ação-reflexão que surge a práxis docente, pois o
professor deixa de ser um mero objeto de investigação e se torna o próprio sujeito da
investigação, não se limitando apenas a generalizações dos conteúdos abordados pelos
alunos, mas tornando-se o agente de mudanças. Na práxis docente, o professor percebe
a relação entre a teoria e a prática; Konder (1992) apresenta que a práxis e a teoria estão
interligadas, sendo que a teoria é necessária e fundamental, que permite distinguir a
práxis das atividades meramente repetitivas, mecânicas e abstratas, não basta também
46
desenvolver uma atividade teórica sem atuar praticamente, pensar sobre os fatos para
poder transformá-los.
A formação inicial dos professores apresenta de certa forma uma dicotomia entre
teoria e prática, enquanto a formação continuada tem primado pela proposição de cursos
de complementação e/ou atualização dos conteúdos de ensino. Assim, os processos de
formação apenas ilustram o professor, não lhes possibilitando articular e traduzir os
novos saberes em novas práticas (LIBÂNEO, 2000). Os cursos de formação inicial
devem dar condições para que os futuros professores desenvolvam habilidades, saberes,
linguagens, conhecimentos para poder exercer a profissão. Dessa forma, não basta
dominar a matéria que ensina, mas compreender como os conhecimentos se constitui,
conseguindo superar assim as dificuldades encontradas em sala de aula, assumindo o
ensino como mediação pedagógica visando a formação de cidadãos conscientes
(LIBÂNEO, 2000).
É importante que o professor adquira nos cursos de formação inicial uma base
teórica sólida sobre as diferentes áreas de atuação da educação escolar, dentre elas os
conhecimentos sobre as características da criança com necessidades educacionais
especiais e seu processo de ensino-aprendizagem. Um dos grandes desafios
apresentados aos cursos de formação de professores é a elaboração de um currículo que
desenvolva nos licenciandos habilidades e conhecimentos para atuarem em uma escola
inclusiva, que seja acessível a todos (FREITAS, 2005). É necessário então, que os
cursos produzam conhecimentos que permitam a compreensão de situações complexas
de ensino, atuando de forma satisfatória no processo de ensino para todos os alunos.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a fala de
professores que atuam na educação especial sobre a contribuição dos cursos de
formação inicial na relação entre teoria e prática.
Método
Este estudo é de caráter qualitativo, na modalidade exploratória. O instrumento
utilizado foi entrevista semiestruturada, e os dados foram analisados de acordo com a
análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). O projeto foi apresentado e aprovado
pelo Comitê de Ética da UFSCar. Após a aprovação, houve um primeiro contato da
pesquisadora com os responsáveis por cada instituição para apresentar o projeto e
47
solicitar a autorização dos responsáveis pelas instituições para entrevistar os
professores.
A pesquisa contou com 11 participantes. Para participar do estudo foram
estabelecidos os seguintes critérios: ser professora na Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE) e ter mais de três anos de experiência como professora na
Educação Especial.
Instrumento
Foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada. A entrevista semiestruturada
possibilita explorar mais o tema, pois a possibilidade do entrevistador explorar as
respostas dos participantes, permitindo um diálogo mais aprofundado. Por ser mais
flexível possibilita ao pesquisador conduzir a entrevista por caminhos mais frutíferos
(VILELAS, 2009).
Coleta de dados
As entrevistas foram realizadas em quatro APAEs localizadas no interior do estado
de São Paulo. A escolha das instituições foi aleatória, não havendo critério para seleção.
A entrevista foi realizada individualmente com as professoras, tendo o áudio gravado
para futura transcrição, facilitando assim a conversa entre a pesquisadora e o professor
entrevistado.
Análise e tratamento dos dados
Os dados das entrevistas foram organizados e analisados de acordo com a técnica
de análise de conteúdo temático categorial proposto por Bardin (1977). As etapas foram
as seguintes: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados, inferência e
interpretação.
A análise do conteúdo tem por finalidade, a partir de um conjunto de técnicas,
explicar e sistematizar o conteúdo da mensagem e o significado desse conteúdo por
meio de deduções lógicas e justificadas.
Para melhor organizar as respostas das professoras e manter o sigilo da identidade
dos participantes os professores foram denominados como P1, P2, P3...P11.
48
Resultados e discussão
Pimenta (1999) nos apresenta que existem três tipos de saberes da docência: a) a
experiência, que seria aquele aprendido pelo professor desde quando aluno, com os
professores significativos, etc., assim como o que é produzido na prática num processo
de reflexão e troca com os colegas; b) do conhecimento, que abrange a revisão da
função da escola na transmissão dos conhecimentos e as suas especialidades num
contexto contemporâneo e c) dos saberes pedagógicos, aquele que abrange a questão do
conhecimento juntamente com o saber da experiência e dos conteúdos específicos e que
será construído a partir das necessidades pedagógicas reais. Baseando-se nesses saberes
observamos que os professores entrevistados levam em conta os três tipos de saberes,
como observado na fala da professora P5, ao ser questionada sobre a contribuição da
formação inicial para a prática:
Acho que contribuiu muito a parte teórica, a gente acaba tendo um embasamento
muito bom na parte teórica para poder ir para a prática”.
A professora P9 explicita que:
ajuda na parte teórica, dá uma base para se nortear (...)”.
A professora P1 comenta sobre a contribuição da formação inicial:
“Ajuda muito, lógico que a teoria às vezes é bem diferente da prática.”
A professora P4 diz que:
“Ajuda ter uma base na teoria (...) acho que quem fica só na teoria as da faculdade
sem o embasamento da prática”.
Morin (2003) diz que a teoria adquire vida quando o professor consegue
perceber ela no cotidiano. Somente quando o professor entende que a prática é mais
coerente quando embasada na teoria é que ele irá pensar a prática a partir da teoria.
Catani (1997) diz que existem mal-entendidos na relação teoria e prática, cria-se
então uma grande expectativa no que concerne a teoria, como se esta pudesse favorecer
um apoio metodológico, essa expectativa podemos observar, por exemplo, na fala da
professora P6 quando ela coloca que:
“estuda muito sobre Piaget, Vygotsky, mas quando coloca em prática é bem
diferente [...].”
Algumas professoras comentaram sobre a grade dos cursos de Pedagogia,
apontando pontos positivos e negativos das disciplinas estudadas, uma das colocações
que se destacaram em relação a isso foi da professora P2, quando ela diz que:
49
“[...] na faculdade a gente não é preparada para trabalhar em uma entidade
filantrópica, é diferente trabalhar em uma prefeitura, em uma empresa privada, é uma
outra realidade, ai a gente vai se adaptando”.
Nesse sentido, Nóvoa (2009) apresenta que o conhecimento docente surge como
produto das condições históricas, sociais, culturais, pessoais dos envolvidos no processo
educativo.
Considerações finais
Constata-se a partir das entrevistas com os professores a relevância da teoria e da
prática durante sua formação, pois uma complementa a outra. A teoria é essencial para
compreender a realidade que está inserida, mas essa compreensão se dará mediante a
prática em sala de aula. Nesse contexto o professor busca aplicar a teoria na prática,
recorrendo a ela como auxílio para resolver os problemas enfrentados na relação ensino
e aprendizagem.
A formação docente precisa ser consistente, crítica e reflexiva, capaz de fornecer os
aportes teóricos e práticos para o desenvolvimento das capacidades intelectuais do
professor. O professor ao ter domínio do conhecimento dos aportes teóricos relativos às
concepções de aprendizagem fica clara sua decisão de escolher as melhores formas de
trabalhar. A fala das professoras vai em direção a dados apontados por pesquisadores
sobre o tema quando apontam que muitos conteúdos não são aprofundados na
graduação ou não recebem o devido aprofundamento do tema, tornando necessária
assim a busca por uma formação continuada.
A fragmentação entre as dimensões da teoria e da prática nos processos de
formação emerge, assim, como uma decorrência da própria fragmentação do trabalho do
professor no contexto da sociedade atual e do conhecimento que é produzido no âmbito
das universidades, o qual muitas vezes desconsidera a realidade das salas de aula nas
quais o professor desenvolve seu trabalho. Dessa maneira, é necessário repensar as
relações entre teoria e prática na formação do professor que atua na educação especial.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edição 70, 1977.
50
CATANI, D. et al. História, Memória e Autobiografia da Pesquisa Educacional e na
Formação. In: CATANI, D. et al. (Orgs.). Docência, memória e gênero: estudos sobre
formação. São Paulo: Escrituras Editora, 1997.
CUNHA, M. I. da. Impactos das políticas de avaliação externa na configuração da
docência. In: ROSA, D. E. G., SOUZA, V. C. (Orgs.). Políticas organizativas e
curriculares, educação inclusiva e formação de professores. Rio de Janeiro: DP&a,
2002. p. 39-56
FREITAS, S. N. (Org). Educação inclusiva e necessidades educacionais especiais.
Santa Maria: Ed. UFSM, 2005.
KONDER, L. O futuro da filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1992.
LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais
e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2000.
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Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
PERRENOUD, P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e
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PIMENTA, S. G. Formação de professores: Identidade e saberes da docência. In:
PIMENTA, S. G. (Org.) Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez,
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SÁNCHEZ VÁSQUEZ, A. Filosofia da práxis. Trad. Luiz Fernando Cardoso. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1968.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed. Campinas:
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SCHON, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A.
(org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993.
SHULMAN, L. (Editado por Suzanne M. Wilson). Those who understand: knowledge
growth in teaching. Educational Researcher, Washington, D.C., v. 15, n. 2, p. 4-14,
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002
VILELAS, J. O processo de construção do conhecimento. Lisboa: Edições Sílabo.
2009.
51
Percepção de alunos egressos da primeira turma da nova grade curricular do
curso de pedagogia da Unesp/Marília: formação na perspectiva da educação
inclusiva
Rosimar B. POKER
Fernanda O. D. VALENTIM
Isadora A. GARLA
Introdução
A partir de 1990, a política educacional brasileira, influenciada por documentos
internacionais que defendem os Direitos Humanos fundamentais, assume e passa a
implementar a inclusão escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), de 1996, aponta que a escola deve garantir a todos os alunos o seu pleno
desenvolvimento promovendo o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho,
preferencialmente nas salas regulares de ensino. No contexto educacional inclusivo, o
professor e o gestor são os protagonistas de uma escola que pretende atender à
diversidade, são eles que elaboram o projeto político pedagógico, organizam o
funcionamento da escola bem como assumem um modelo de prática pedagógica. No
entanto, é sabido que grande parte dos professores e gestores sentem-se despreparados
para enfrentar os novos desafios propostos pela inclusão. Tal fato pode estar
diretamente relacionado com o tipo de formação inicial a eles oferecida. É comum
identificar situações em que tais profissionais demonstram insegurança ou mesmo falta
de conhecimento a respeito de aspectos específicos relacionados com o ensino de alunos
que apresentam condições diferenciadas de aprendizagem como os alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e alunos com altas habilidades,
entre outras.
A questão da inclusão escolar vem sendo debatida desde 1990 no meio
acadêmico tendo o respaldo da legislação vigente que, ao longo dos últimos anos, foi
sedimentando a proposta da escola inclusiva. Depois da LDB de 1996, outros
importantes documentos foram promulgados nesta direção como as Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica de 2001, a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 e, ainda, a nova Lei 13.146
de 2015, que Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Apesar
desse movimento de inclusão educacional no Brasil estar amparado nas normativas
52
legais, é notório o despreparo dos professores e dos gestores dos diferentes níveis de
ensino para garantir a acessibilidade física, atitudinal e curricular desses alunos nas
escolas. Pesquisas de Naujorks (2002), Vitaliano (2010); Rodrigues (2008); Ferreira
(2006); Santos (2007) demonstraram isso.
Segundo Poker e Milanez (2015), a formação inicial do professor, tendo como
foco a inclusão para todos, deve ter uma base sólida em seus princípios filosóficos,
políticos, éticos, de forma a preparar o profissional para desenvolver e transformar o
ambiente escolar para oferecer as melhores condições de aprendizagem e de
participação de todos os alunos, inclusive dos que apresentam condições físicas,
intelectuais, sensoriais, étnicas, econômicas, comportamentais muito diferenciadas.
Entretanto, uma falta de instrumentalização para que o professor possa fundamentar
e estruturar sua prática, no intuito de atender às necessidades educacionais especiais dos
alunos. Os cursos de Pedagogia e, também, os diversos cursos de licenciatura, não
promovem uma formação que capacita o futuro professor para lidar e atender as
diferentes situações que a pedagogia inclusiva exige. Muitos acabam se formando,
ainda, com a idéia de um ensino universal e único, fundamentado no disciplinamento e
na competitividade. Sobre tais cursos, Poker (2003) afirma:
[...] não têm a preocupação de preparar os alunos para atuarem com
alunos com necessidades educacionais especiais. Em muitos casos, os
professores recém-formados saem da faculdade com ideias
equivocadas e simplistas a respeito do paradigma da inclusão social e
educacional, reduzindo o conceito de inclusão, ao fato de aceitar
alunos deficientes em suas classes (POKER, 2003, p. 44).
Para conseguir efetivamente implementar a pedagogia inclusiva, o professor
deve saber agir com sabedoria, perspicácia e eficiência nas diversas situações a serem
enfrentadas na sala de aula. Perrenoud (1999) indica que o professor deve ter como
competência: criar ou utilizar outros meios de ensino; adotar um planejamento flexível;
improvisar, implementar e explicitar um novo contrato didático. Além desses requisitos,
o trabalho em equipe e o estudo de caso devem ser colocados como prioridades, fazendo
com que o professor, com os demais colegas, troque experiências e saberes, atualize
continuamente novas competências. Nesse contexto, é imprescindível que os cursos de
pedagogia estejam bem fundamentados tanto em seus aspectos teóricos como práticos.
Nas disciplinas devem constar conteúdos sobre educação especial e inclusiva, bem
como estágio que proporcione a prática com alunos com Necessidades Educacionais
Especiais (NEE).
53
Apesar do Ministério da Educação (Brasil, 2008) divulgar amplamente dados
significativos que evidenciam o aumento crescente das matrículas dos alunos público
alvo da educação especial nas salas regulares de ensino, não há estudos que demonstram
que estes alunos estão tendo uma educação de qualidade. Parece que o que foi garantido
até o momento foi apenas o direito a matrícula e o acesso ás escolas e salas regulares de
ensino. A estrutura, a organização da escola, bem como a atitude dos professores e
gestores continua vinculada ao modelo tradicional de escola que se apóia numa
perspectiva homogeneizadora, disciplinar e meritocrática de ensino. Lunardi (2005)
demonstrou este fato em estudo que constatou que os professores, diante de alunos com
NEE, utilizam práticas pedagógicas excludentes e baseadas na comiseração. Duek
(2009); Pires (2006) em seus estudos constataram a carência das escolas que não detém
as condições adequadas para oportunizar a aprendizagem de todos.
Formação de professores e o ensino para alunos com NEE
Considerando as exigências engendradas pelo ensino que pretende atingir e
favorecer o processo de escolarização de toda a diversidade de alunos, é urgente o
redirecionamento do modelo de formação de professores. A formação inicial deve
amenizar o descompasso existente entre os princípios teóricos propostos da pedagogia
inclusiva e sua materialização nas escolas e nas salas de aula. A atuação docente não
pode se pautar mais, prioritariamente, na transmissão de conhecimento, ela passa a ser
mais diversificada, criativa e complexa, tendo que abranger diferentes níveis de alunos
com condições também diversificadas de aprendizagem. Cabe então aos cursos de
formação de professores uma proposta pedagógica direcionada à diversidade “a
universidade é um lugar onde os valores e práticas de educação inclusiva precisam ser
vivenciadas” (CASTANHO; FREITAS, 2005, p. 85).
A formação do professor constitui-se no elemento chave capaz de viabilizar a
implementação de uma escola que se pauta na equidade, no trabalho colaborativo, na
solidariedade, na interdisciplinaridade, na criatividade, no uso de recursos, estratégias e
metodologias diversificadas. A parceria com as universidades também é imprescindível
para o sucesso dessa política pois, constituem os centros de formação inicial dos
professores. Sobre esta questão, acrescentam Portelinha e Baseggio (2005):
[...] a formação de professores de todos os níveis necessita de
coerência com a política educacional maior que preconiza a
54
integração/inclusão de alunos com necessidades especiais no ensino
regular (p. 67).
Diante da complexidade desse problema, o presente estudo teve por objetivo avaliar e
analisar, junto aos egressos da primeira turma da grade nova do Curso de Pedagogia da
Unesp/Marília, a qualidade da formação recebida e, também, quais são suas percepções sobre
tal formação em relação às suas atitudes na sala de aula frente aos alunos com NEE. É
importante lembrar que o projeto pedagógico do referido Curso de Pedagogia pauta-se na
perspectiva educacional inclusiva.
Metodologia
A pesquisa constitui-se em um estudo de caso, que analisou um curso de
Pedagogia específico, de uma determinada realidade. Porém, sua análise poderá permitir
a generalização de idéias e reflexões a respeito da formação de professores para atuar na
perspectiva inclusiva.
A pesquisa foi realizada com todos os 105 alunos egressos da primeira turma do
Curso de Pedagogia da Unesp/Marília, submetidos à nova grade curricular instituída em
2007, que tinham terminado a graduação. A nova proposta do Curso passou a ter
cinco disciplinas obrigatórias que tratavam de conteúdos diretamente relacionados com
a educação especial e/ou educação inclusiva.
Dos 105 e-mails enviados, 10 apresentaram problemas, 95 acusaram
recebimento e 24 professores responderam ao questionário. Todos respondentes eram
do sexo feminino, encontravam-se na faixa etária entre os 20 e 30 anos de idade e
residiam em cidades do interior paulista. 22 sujeitos afirmaram ter experiência docente
em aula regular na rede pública de ensino e 20 apontaram que tinham atuado com
alunos com NEE.
A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética, da Faculdade de Filosofia e
Ciências UNESP/Marília sob o CAAE 42779115.7.0000.5406. A coleta se deu por
meio da aplicação de um questionário com perguntas abertas e fechadas que trataram da
percepção dos professores sobre o Curso de Pedagogia e sua relação com a sua atuação
profissional.
Resultados e análise
55
Importância das disciplinas que tratam da educação especial e/ou educação
inclusiva
Metade dos professores considerou importante a presença das cinco disciplinas
que trataram da educação especial e/ou inclusiva no curso e, 38%, disseram que em
parte tais disciplinas foram importantes para subsidiar sua ação pedagógica. Duek e
Bezerra (2010) encontraram resultados parecidos em um estudo realizado com alunos
do período do curso de Pedagogia de uma Universidade Estadual do país, depois
deles terem cursado uma disciplina que tratava sobre inclusão, 77,9% dos graduandos
apontaram que não se sentiam preparados para atuar com alunos com NEE.
Ao se manifestarem sobre o nível de importância de cada disciplina oferecida na
nova grade, os professores manifestaram a seguinte percepção:
Gráfico 1 – Nível de importância
Do total de 24 respondentes, 17 consideraram a disciplina de Fundamentos da
Fonte: autores
Educação Inclusiva e de Libras (LínguaBrasiliera de Sinais) muito importante ou
importante. Verifica-se que os professores reconhecem op valor dos aspectos teóricos
para fundamentar uma prática pedagógica inclusiva e, também, que é necessário ter
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
LIBRAS
Fundamentos da Ed. Inclusiva
Desenho Universal, acessibilidade e
adaptações
Diversidade, diferença e deficiência
Currículo e as NEEs
NÍVEL DE IMPORTÂNCIA DAS DISCIPLINAS PARA ATUAR NA PERSPECTIVA
INCLUSIVA, NA SALA REGULAR
muito importante
importante
pouco importante
nada importante
não respondeu
56
contato com uma nova linguagem, como a Libras, para poder interagir com o aluno com
surdez.
Sobre a disciplina Desenho Universal, Acessibilidade e, Adaptações e de
Diversidade, Diferença e Deficiência, os resultados demonstraram que a maioria dos
professores também considera tais disicplinas importantes ou muito importante. A
explicação para tal fato pode se pautar na ideia de que os professores identificaram que
os aspectos conceituais subsidiam a organização da sociedade e da escola pautada no
modelo inclusivo.
Diferentemente de todas as outras disciplinas, Currículos e as NEEs foi
considerada pela maioria dos respondentes (17) como uma disciplina muito importante
e, ainda, por cinco sujeitos como importante. Tal fato demonstra que os professores
identificaram que o conhecimento sobre o projeto político pedagógico inclusivo e sobre
as adequações curriculares são imprescindíveis para uma prática pedagógica que
pretende atender à diversidade. Parece que uma consciência da necessidade de
adequar a escola ao aluno, respeitando suas condições e valorizando suas competências.
Conhecimento sobre atitudes frente ao aluno com NEE
Interessante notar que apesar da grande maioria dos professores identificar a
importância das disciplinas teóricas e práticas que foram inseridas no Curso de
Pedagogia, 71% deles responderam que apenas em parte, o curso os prepara para atuar
com alunos com NEE, o que demonsta certa insegurança em relação às atitudes que
devem tomar frente aos alunos com NEE.
Competências desenvolvidas no curso de Pedagogia para atender os alunos com
NEE
A maior incidência de respostas por parte dos professores refere-se ao
conhecimento sobre adequação e flexibilização curricular; sobre a utilização de
materiais e atividades diversificadas; sobre reconhecimento e identificação do aluno
com NEE e; sobre ambientes colaborativos de aprendizagem. Conforme se observa no
quadro abaixo, os dados demonstram que o curso analisado trata de questões
relacionadas com aspectos curriculares focando também aspectos ligados a ética que
permeia a inclusão.
57
Gráfico 2 – Competências desenvolvida
Fonte: autores
Dificuldades encontradas não vinculadas à formação do professor:
Dos 24 professores, apenas dois apontaram que não encontram dificuldades em
sua atuação na sala de aula. Conforme quadro abaixo a maioria das respostas aponta
para fatores diversos que não se relacionam com a formação, mas comprometem
diretamente a atuação do professor como fatores estruturais e sociais. Verifica-se assim,
além da formação, o sistema educacional também tem que mudar sua lógica, que ainda
se pauta na exclusão.
58
Gráfico 3 – Dificuldades encontradas
Quanto ao impacto da formão do professor para o desempenho escolar do aluno:
Fonte: autores
Relacionada com a questão anterior, 33% dos professores reconhecem a que
formação é o aspecto mais importante para o rendimento do aluno, entretanto, 63%
responderam que a formação interfere parcialmente pois, identificaram que outros
fatores,tão importantes quanto a formação. Constata-se assim que os professores estão
conscientes do seu papel na construção de um modelo educacional inclusivo, mas, por
outro lado, percebem que há outros aspectos que precisam ser considerados.
Vale lembrar que as novas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia de
2006, não apontam e nem indicam explicitamente competências diretamente
relacionadas com a atuação do professor junto ao aluno com NEE. No Artigo 4º,
Parágrafo único aponta que as atividades docentes também compreendem participação
na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino englobando, dentre outros
itens a “consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-
ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões,
necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras”
59
Conclusão
O estudo permitiu constatar que a nova grade curricular do Curso de Pedagogia
da UNESP/Marília tem, de alguma forma, atendido às exigências presentes na
implementação do modelo educacional inclusivo. Apesar da maioria dos professores
considerarem que se sentem “em parte” preparados para atuar com os alunos com NEE,
avaliaram de forma extremamente positiva as novas disciplinas inseridas no curso.
Vale destacar que nenhum curso será capaz de oferecer todos os conhecimentos
específicos existentes, visto que a diversidade é infinita, ou seja, num modelo
educacional inclusivo, o profissional da educação será continuamente desafiado a
enfrentar novas situações, conhecer novos casos. Nesse sentido, a insegurança
demonstrada pelos professores, principalmente no início de sua carreira docente, como é
o caso dos sujeitos da pesquisa, deve ser algo esperado.
Nesta direção, é preciso ressaltar que a formação inicial deve ter como objetivo
oferecer ao professor a oportunidade de compreender o significado da escola inclusiva
e, qual é o seu papel nesse processo com base em outra concepção de escola, de ensino,
de aprendizagem, de currículo e mesmo de aluno. Todos os outros conhecimentos
advindos de situações inusitadas e específicas propostas pela inclusão, serão enfrentadas
no cotidiano escolar, de forma criativa, coletiva e crítica, com o envolvimento de todos
os agentes escolares. Numa parceria colaborativa professores do AEE, professores da
sala regular, gestores, funcionários e pais deverão planejar e criar estratégias inovadoras
em direção a inclusão. Além disso, conforme se constatou na pesquisa, de se
considerar outros fatores, à parte da formação, que são primordiais para a
implementação da inclusão e o podem ser esquecidos. Parece que o professor
percebe que inclusão é um trabalho coletivo que se faz a partir de determinadas
condições viabilizadas ou não pelos sistemas educacionais.
Enfim, tomando como base o estudo considera-se importante a reflexão a
respeito dos Cursos de Pedagogia de forma a vincular os conteúdos desenvolvidos e
experiências proporcionadas com o contexto educacional inclusivo. Só assim será
possível aproximar cada vez mais a teoria com a prática, ou melhor, a universidade com
a realidade educacional vigente. Afinal, o sentido do Curso de Pedagogia está
justamente aí, em poder viabilizar uma formação capaz de atender aos anseios da atual
sociedade que caminha em direção a inclusão.
60
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. 2009.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de
2006. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Diário Oficial da
União, Brasília, 16 maio 2006. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 20 jul. 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional
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62
Conflitos interpessoais no ambiente escolar: como evitar?
Leticia Karoline FERREIRA
Luciene Regina Paulino TOGNETTA
Introdução
Diante do contexto que estamos vivenciando em nossas escolas brasileiras, onde
educadores deparam-se frequentemente com problemas nas relações interpessoais
manifestados sob a forma de indisciplina, violência, agressividade, falta de respeito por
parte dos alunos e muitas vezes de professores, a nossa intenção é investigar qual a
percepção dos alunos, professores e gestores sobre como os conflitos cotidianos são
tratados na escola. Temos como intuito refletir sobre a necessidade de um ambiente
escolar saudável e seguro para todos os nossos alunos e formas de superação para serem
resolvidos esses conflitos.
Ao se tratar de conflitos entre os alunos vemos um grau de menos importância
para os professores quanto às questões morais que muitas vezes, é entendida por
professores como alheia a sala de aula e de responsabilidade da família ou de outros
agentes educacionais.
É comum que professores deem menor importância às regras morais quando
dizem que “não têm tempo” para resolver conflitos interpessoais e mesmo reiterar as
regras que devem existir nessas relações. Certamente, é preciso, de acordo com La
Taille (2006) criar oportunidades para que o aluno possa conhecer as regras, os
princípios e os valores que sustentam a convivência na escola.
No mesmo sentido, Piaget (1932) já afirmava que quando as crianças participam
da elaboração das regras existe uma chance maior dos alunos as legitimarem. Mas,
infelizmente não é o que acontece. No cotidiano escolar, o professor delimita seu foco
para a regra denominada convencional e essa sim passa a ser a mais importante no
ambiente escolar: “não usar boné dentro da sala de aula passa a ser tão importante
quanto não bater em alguém para resolver um conflito” (TOGNETTA, 2013, p. 54).
Com isso percebemos que “as regras nas escolas são pouco pensadas e, na maioria das
vezes, formuladas de forma autoritária, e não decididas democraticamente”
(TOGNETTA, 2013, p. 61).
63
Diante deste cenário, nos propomos a investigar a percepção de professores e
alunos sobre as formas de resolução de conflitos presente neste ambiente. Essa pesquisa
é um recorte de uma pesquisa maior financiada pela Fundação Lemann e o banco BBA
no qual tomaremos como base um dos questionários que foram aplicados em escolas no
interior de São Paulo. O questionário de diagnóstico do clima escolar contém 8
dimensões que são tomadas para avaliar tal aspecto.
Nosso intuito é analisar as percepções de gestores, professores e alunos perante
as amostras coletadas, de como são tratados os conflitos ocorridos na escola, como é a
intervenção do professor no momento em que ocorre o conflito, as sanções que são
aplicadas aos alunos e se realmente ocorrem essa sanções e por fim meios de superação
para que não aconteça novamente.
Descrição do trabalho desenvolvido
A presente investigação caracteriza-se como uma pesquisa de campo, de caráter
exploratório. A amostra se constituída por dois grupos de sujeitos: professores e
alunos do 7º. 8. e 9º. Ano do Ensino Fundamental II, advindos de escolas públicas da
região metropolitana de Campinas. Para conhecer a percepção de estudantes e
professores sobre os conflitos vividos na escola, será utilizado um questionário com
perguntas fechadas, tipo escala likert. Esse questionário foi criado por uma equipe de
trabalho do GEPEM – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral para avaliar o
clima escolar nas escolas brasileiras dentro de um projeto financiado pelo banco BBA e
a Fundação Lemann Educacional intitulado “Em busca de caminhos que promovam a
convivência respeitosa em sala de aula todos os dias”.
Essa pesquisa maior da qual a presente investigação é apenas um recorte tem
por objetivos construir e validar instrumentos, adaptados à realidade das escolas
brasileiras, para avaliar o clima escolar para alunos a partir do ano, 8º. e 9º. Ano,
seus professores e gestores. A pesquisa maior em que esse projeto está inserido teve os
seguintes procedimentos: coletou-se dados com diretores, vice-diretores,
coordenadores, orientadores, professores e alunos de Ensino Fundamental II (6º ao
ano) e Ensino Médio de escolas públicas. Os dados foram coletados presencialmente
pelos pesquisadores nas escolas que estavam de acordo em participar do estudo. A
visita para a coleta de dados foi realizada em datas e horários previamente agendados
com a equipe de gestão da escola de maneira a ocorrer quando mais conveniente à
64
escola e aos participantes. Foi solicitada autorização escrita dos pais dos jovens
menores de 18 anos.
Para atender aos objetivos de nossa investigação (um recorte da pesquisa sobre
clima escolar), utilizamos apenas as perguntas relacionadas à dimensão 6: regras,
sanções e segurança na escola, que se refere a como os professores e alunos percebem
as regras, sanções e a segurança no ambiente escolar.
Nesse sentido segue abaixo um pequeno recorte da parte do instrumento que foi
utilizada:
Quadro 1 – Alunos e professores
PARA OS ALUNOS
PARA OS PROFESSORES
61. São realizadas assembleias
ou encontros com os alunos
para discutir as regras e os
problemas da escola.
155. São realizadas assembleias ou
encontros com os alunos para discutir
as regras e os problemas da escola.
83. Os estudantes participam da
elaboração e das mudanças de
regras.
198. Os estudantes participam da
elaboração e mudança de regras da
escola.
85. As regras são justas e valem
para todos (alunos, professores,
funcionários, diretor).
201. As regras são justas e valem para
todos (alunos, professores,
funcionários, direção/
coordenação/orientação).
87. Os conflitos são resolvidos
de forma justa para os
envolvidos.
209. Os conflitos são resolvidos de
forma justa para os envolvidos.
Fonte: autores
Os dados passarão por tratamento estatístico visando constatar se diferença
significativa entre como os professores e alunos percebem o clima da escola.
65
Resultados obtidos
Até o momento esta investigação encontra-se em andamento. Os dados foram
coletados e estão sendo analisados quantitativamente e qualitativamente, comparando-se
os três componentes - gestores, professores e alunos e quais são as suas percepções
sobre:
1- A existência de conflitos na escola;
2- As formas como são resolvidos os conflitos;
3- Como são organizadas as regras na escola e;
4- Como as sanções que são aplicadas.
Os dados coletados passarão por uma análise de conteúdo e serão comparados
para saber se diferenças na opinião de cada um, como o gestor enxerga o que
aconteceu na hora do conflito, como o professor e o aluno veem tais problemas e assim
sucessivamente. A partir disso será possível constatar se ou não diferentes visões
sobre o clima escolar, e caso positivo as diferentes percepções sobre o clima escolar.
Considerações finais
A seguinte pesquisa ainda encontra-se em andamento, diante disso pretendemos
analisar o clima nas escolas apresentadas com base nas amostras que foram coletadas
pelo grupo GEPEM, com isso iremos tabular os dados e analisá-los. Em seguida
fundamentá-los em pressupostos construtivistas da Psicologia e Educação Moral que
discutem a necessidade de um ambiente cooperativo em sala de aula para que a
autonomia tão pretendida entre todos, de fato, se consolide e perante as análises ver se
há diferentes visões do clima escolar na quais foram coletadas por gestores, professores,
e alunos e com isso, perceber se na hora do conflito uma mediação da escola ou não,
e quais são essas mediações, as sanções que a escola aplica no momento do conflito e
por fim para o aluno, o que ele considera como sanções.
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67
Indisciplina e violência na escola: análise de concepções e discursos de educadores
Ariel Cristina Gatti VERGNA
Maria Cecília LUIZ
Introdução
A escola vem sendo impactadas por atos de indisciplina e/ou violência,
envolvendo de alguma forma todos que fazem parte dela. A questão da indisciplina,
principalmente quando compreendida como violência escolar, tem constituído um dos
grandes debates na educação pública brasileira. É visto que educadores encontram
dificuldades em diferenciar os estudantes violentos dos indisciplinados, e isto tem
propiciado poucas reflexões sobre tais ocorrências e seus envolvidos. Por vezes, quando
estes educadores tomam decisões frente a casos de indisciplina e/ou violência escolar se
utilizam de conhecimentos com pouca reflexão sobre os fatos, e estes acabam se
tornando em saberes, concepções, valores e posturas determinantes durante suas
experiências na prática e são determinantes na formulação de regras e na consolidação
de ações realizadas pela e na escola. Quando essas ações culminam em atitudes
discriminatórias, tornando-se naturalizadas e perversas, exercem função de reprodução e
retroalimentação, de maneira visível ou invisível, desses atos indisciplinares e/ou
violentos, tendo consequências cruciais no convívio da escola e na vida dos estudantes.
Cada vez mais, temos visto pesquisas sobre o assunto no meio acadêmico, com o
propósito de formular hipóteses sobre problemas que envolvem a indisciplina e
violência, e como estes termos têm sido usados de forma equivocada para designar
ações de crianças e jovens dentro dos espaços escolares. Em pesquisas desenvolvidas
por Martins (2005), por exemplo, o termo indisciplina pode abarcar três situações
distintas. A princípio, pode designar uma perturbação do funcionamento regular de uma
aula, causado por um ruído ou pela execução de qualquer atividade que não pertence ao
assunto explorado pelo docente. Em uma segunda perspectiva, a indisciplina refere-se
aos conflitos que existem nas relações formais e informais entre alunos, podendo se
manifestar de forma mais agressiva, qualificando estas ações como atos delinquentes,
em âmbito legal. Por fim, a terceira situação, institui a questão de indisciplina muito
parecida com a situação anterior, porém, diferenciando-se por tratar das relações entre
68
educadores e alunos, sobretudo quando estes últimos não reconhecem a autoridade de
professores ou funcionários, e se manifestam de forma contestadora.
Para Guimarães (2006), a escola como instituição é permeada por dois
movimentos antagônicos: de um lado é cobrada a sua responsabilidade em cumprir as
leis e normas estabelecidas pelos órgãos centrais (atender ao Sistema de Ensino que está
vinculada), por outro, uma dinâmica causada pelos diferentes sujeitos e suas ideias,
os quais singularizam cada espaço escolar, impossibilitando olhar esta questão sobre
indisciplina e violência de forma homogênea nos espaços escolares.
Fonseca (2014) tem desenvolvido estudos acerca do assunto, com perspectiva de
que a escola tem várias funções, e entre elas, disciplinar crianças e jovens para o
convívio social. Diversos mecanismos foram criados nestes espaços escolares com
intenção de fortalecer ações mobilizadoras, sendo os Livros de Ocorrência um dos
objetos de estudo e metodologia utilizados pela pesquisadora. Seu objetivo é ressaltar a
relevância do conteúdo registrado nestes materiais, buscando compreender o sentido
destas comunicações.
Adorno (1993; 1995), Oliveira (1995) e Zaluar (1994), teóricos importantes na
área da educação e ciências humanas, trazem como conceito para a violência o não
reconhecimento, a anulação ou cisão do outro. Para Sennett (2001), não existe o “não
reconhecimento da autoridade”, visto que o próprio ato de rejeição de qualquer
autoridade é construído de forma interligada com quem se está rejeitando. Brant (1994)
e Caldeira (1991) definem violência como a negação da dignidade humana; e Tavares
dos Santos et al. (1998) pontua violência como excesso de poder. estudos realizados
por Waiselfisz (2007), Zaluar (2004), Debarbieux (2001; 2002) e Dubet (2003; 2004),
nos trazem que jovens identificados como violentos na escola recebem tratamentos
diferenciados, dependendo de quem são, de sua história pessoal, familiar e origem
social. Enfim, nas diversas questões teóricas sobre a violência, o que existe em comum
entre estes autores é que, geralmente, esta tem origem na ausência de diálogo, e como
consequência, a falta de negociações, argumentações e acordos.
Em tempo, cabe aqui ainda pontuar que nas instituições escolares, de acordo
com Zaluar (2001), também a violência simbólica, que para Bourdieu (1989), é
reforçada pelo hábitus. Esta violência simbólica, muitas vezes, é exercida pelos
educadores que se apropriam de discursos, pensamentos, condutas e anseios
padronizados pela prática escolar e social, como uma herança social.
69
A Análise do Discurso como instrumento metodológico de interpretação
Estamos utilizando para esta pesquisa a linguagem e a Análise do Discurso
como instrumentos metodológicos, com o objetivo de compreender o que os educadores
entendem por indisciplina e violência e como estes conceitos fazem parte de seus
procedimentos nos espaços escolares. Ora, a linguagem, de acordo com autores como
Saussure (1916), pode ser considerada sob dois aspectos: como um sistema de signos,
os quais permitem diferentes significações que estão imersas a contextos distintos; Ou
como regras formais, nas quais se estuda as diferentes variações históricas que
ocorreram e transformaram as línguas, bem como as tendências futuras de cada uma
delas. É, portanto, uma faculdade que organizada pela língua em sistemas fônicos,
gestos, mímicas e diferentes expressões corporais, materializa o pensamento e o querer-
dizer (BAKHTIN, 1979). Para esta pesquisa, trataremos da linguagem apenas em seu
aspecto significativo e não gramatical.
A Análise do Discurso não trata da língua e de sua gramática especificamente,
apesar do fato destes elementos serem fundamentais na análise do pesquisador, mas
como seu próprio nome traz, ela se debruça fundamentalmente sobre o discurso, isto é,
o percurso e movimento da linguagem nas relações humanas. É por meio de seu estudo
que é possível compreender o ser humano e sua capacidade constante de atribuir
significados aos contextos que o tangencia, bem como significar-se em cada um deles.
Trata-se de um instrumento de mediação, portanto, entre o Homem e sua realidade
natural e social, permitindo que a língua não se comporte como um elemento abstrato,
mas como uma maneira de produzir diferentes sentidos para diversos sujeitos.
Segundo Orlandi (1999), o discurso comporta-se desta forma, como um objeto
sócio-histórico, e a Análise do Discurso, como mecanismo que reflete sobre as várias
maneiras como a linguagem está materializada na ideologia e como esta se manifesta na
língua. Entende-se aqui que um dos traços fundamentais da ideologia consiste em tomar
as ideias como independentes de uma determinada situação histórica e social, de modo a
fazer com que essas sejam aplicáveis àquela realidade em questão, não descartando
também que essa realidade é crucial na compreensão das ideias elaboradas (CHAUÍ,
1980). Assim, trabalhamos toda a análise desta pesquisa na seguinte relação: língua-
discurso-ideologia, entendendo que não há um discurso sem um sujeito e esse não existe
sem seus valores, conhecimentos e ideologias.
70
Bakhtin e o discurso dialógico
Os conceitos advindos das análises feitas por Bakhtin ao longo de sua vida são
amplamente utilizados por pesquisadores que adentram a linha francesa da Análise do
Discurso na tentativa de compreender as relações sociais. Para este teórico, o diálogo é
o principal instrumento da manutenção das relações humanas.
De acordo com a perspectiva do Círculo de Bakhtin, isto é, o conjunto de textos
resultantes de encontros de um grupo de intelectuais do início do século XX, a
linguagem é constituída como o lugar do signo ideológico por excelência, não podendo
ser dissociada do contexto social e temporal (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1929).
Dessa forma, suas propostas instituem que a partir do diálogo, os enunciados se
comportem como um produto da relação social. O diálogo, portanto, é uma relação de
sentido que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal (BAKHTIN, 1979).
Segundo Bakhtin (1979), nos processos dialógicos, a linguagem se manifesta
essencialmente por enunciados concretos, isto é, falados. Os enunciados configuram-se
num tipo de gênero discursivo e realizam o papel de “correia de transmissão”, ou seja,
diferentes veículos nos quais se percebe a história da sociedade e a história da língua
que sensibilizaram o interlocutor e moldaram seus ideais. Desta forma, ao preocupar-se
em analisar os aspectos dialógicos, Bakhtin analisa não apenas os processos interativos
entre ouvinte e falante e a comunicação que se entre eles, mas como estes sujeitos se
constituíram e as ideologias que estão por trás das suas falas.
Assim sendo, compreende-se que os gêneros discursivos são manifestações
diretas de uma determinada cultura, havendo neles dispositivos de organização, troca,
transmissão e criação de mensagens. Portanto, ele não deve ser pensado, segundo
Bakhtin, fora de um contexto espacial e temporal, no entanto, nele estão abrigadas todas
as formas de representação tempo-espaço que ocorreram em eventos anteriores, pois
como afirma o autor, a cultura compõe cada sujeito e ela é uma unidade aberta, e não
um sistema fechado em suas possibilidades.
Resume-se que Bakhtin teve, portanto, como objeto de estudo a manifestação
real da linguagem a partir de interlocutores situados num contexto espaço-temporal. O
autor se interessa no discurso que o ambiente possibilita e, também, o modo sobre como
este é produzido e afeta outros discursos em contextos mais fechados, sendo o
enunciado considerado o principal elemento de um diálogo, no qual se constitui os
fatores sociais e históricos do indivíduo. As contribuições bakhtinianas são evidentes
71
em pesquisas de diversas áreas, que buscam depreender dela um arcabouço teórico ao
refletir sobre a língua, linguagem, cultura e sociedade. Desta forma, optou-se por um
referencial bakhtiniano tendo como lócus a enunciação nesta pesquisa, isto é, na
atividade concreta da linguagem, pois afirma-se que a subjetividade revela-se durante a
construção de enunciados em processos de diálogos reais. Nestes processos, o sujeito
produz seus enunciados motivado por um querer-dizer, carregado de seu próprio papel
como observador e aquilo que ele traz consigo em sua formação pessoal. Desta forma,
as mais variadas esferas, ou gêneros do discurso imersos às atividades humanas,
revelam, portanto, a subjetividade de seus interlocutores e os diferentes conceitos que
farão parte dos enunciados.
O discurso dos educadores aliado aos procedimentos adotados nos espaços
escolares
Assumindo, portanto, que cada sujeito reproduzirá nas suas ações aquilo que
entende como correto e verdadeiro, buscou-se estudar os contextos de produção de
enunciados de educadores, que se deram em dois momentos distintos numa escola
pública do interior de São Paulo. O primeiro correspondeu a dois instrumentos
metodológicos escritos: Livro Preto e Pastas de Ocorrência. O segundo evento
aconteceu com a realização de seis grupos focais de dois segmentos diferentes: equipe
gestora e docentes, que se disponibilizaram a participar, sendo que cada segmento
participou de três grupos focais.
As análises de todo este material ainda estão sendo finalizadas, porém foi
possível constatar até este momento que de início, os enunciados dos educadores em
geral (equipe gestora e docentes que participaram da pesquisa) revelam a grande
dificuldade de manter a “ordem” no ambiente escolar. A falta de compreensão da
violência como ação que se manifesta nas relações de convivência entre pessoas tanto
de dentro como de fora da escola, e a ausência da compreensão de que ela está
relacionada a fatores estruturais, político-econômicos, socioculturais, entre outros,
parece resultar na tendência de superestimar o problema da violência escolar, isto é, em
suas falas os jovens não têm atitudes tão violentas como se divulgado nas mídias do
país. Ou são casos esporádicos, ou estão sendo velados pelos educadores.
Principalmente com relação à equipe gestora, ficou evidente que a indisciplina
acontece por estar ligada a questões de dificuldades de aprendizagens dos jovens em
72
geral. Isso somado à questão curricular, aos conteúdos defasados e enciclopédicos que
se ensina e aprende na escola, resulta na desmotivação e aumenta o desinteresse desses
estudantes.
Para os professores o desrespeito do aluno com outro aluno acaba gerando a
violência nos espaços escolares. O que fica evidente é que na maioria dos casos tanto de
indisciplina como de violência os procedimentos tomados pelos educadores são
advertência verbal e/ou suspensão do jovem estudante. O que muda de uma deliberação
para outra está relacionado à quantidade de dias que o aluno é suspenso, conforme a
gravidade do fato. No discurso, a “correção” de atitudes violentas fica por conta do
jovem e da sua família, que também é culpabilizada pelos educadores por serem
ausentes. Ainda estamos em processo de análise deste estudo, mas entende-se que existe
uma violência simbólica de educadores para com os jovens. Esta violência simbólica,
muitas vezes, é exercida pelos educadores por meio de discursos, pensamentos,
condutas e anseios padronizados pela prática escolar e social, que nem sempre tem sido
evidentes e reflexivas, diminuindo a garantia de uma educação de qualidade para esses
jovens.
Algumas conclusões
Ao nos debruçarmos sobre esta temática, pretendemos colaborar com as
instituições escolares no esforço de entender suas formas de pensar os estudantes e as
questões relacionadas à indisciplina e violência. A intenção deste trabalho não é criticar
as escolas, mas sim provocar os educadores a refletirem sobre suas funções e
possibilitar caminhos que promovam mais ações e práticas de cunho positivo e de
caráter social, com vistas a respeitar e auxiliar crianças e jovens estudantes.
Sabe-se que cada instituição escolar possui sua própria cultura organizacional e
uma dinâmica interna, sendo que esses aspectos as diferenciam ainda que todas estejam
sob normas padronizadas. ainda a relação de cada unidade escolar com a sua
comunidade e, portanto, todas estas regras serão interpretadas a partir da subjetividade
de seus educadores e gestores, bem como a aplicação ocorrerá a partir dos segmentos
que compõem o espaço escolar. Talvez seja por isso que incentivamos a escola a ser
mais democrática, isto é, abrir-se para ouvir alunos e seus familiares, a fim de buscar
uma solução para estas dificuldades.
73
Assim, conforme pontuam Vergna e Lima (2015), se as situações de indisciplina
e violência na escola passassem por uma reavaliação dos educadores, seria possível
gradativamente desconstruir discursos tais como os explicitados por Debarbieux (2007),
em busca de olhares específicos, que atendam às subjetividades dos envolvidos,
entendendo que essas subjetividades são construídas nas experiências em sociedade, em
espaços institucionalizados, tais como os escolares. Para estes autores (2015), muitos
educadores se dizem democráticos, mas na realidade decidem os assuntos escolares até
mesmo sem se consultarem. Acabam por levar suas decisões para o coletivo apenas para
manter a aparência de um espaço democrático, e não com a intenção de haver
discussões sobre o que é melhor para a escola, ou para o estudante.
Todos estes dados nos permitem inferir que o contexto escolar é composto por
um mosaico de diferentes sujeitos e, no entanto, está se tornando um ambiente
desmotivador tanto para os educadores, quanto para os educandos, permitindo que
ocorrências de indisciplina e violência se tornem cada vez mais acentuadas.
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76
Concepções de respeito/desrespeito presentes nos Livros de Ocorrência Escolar
Priscila Carla CARDOSO
Elisiane Spencer Quevedo GOETHEL
Débora Cristina FONSECA
Introdução
A questão do respeito/desrespeito tem sido um tema recorrente nas falas e nos
registros dos educadores quando se trata de estudos que investigam a violência no
âmbito escolar. Embora muito presente nos discursos, há dificuldade em se definir o que
é respeito. Parece haver uma falta de clareza quando se trata do assunto em questão,
bem como uma diversidade de concepções sobre o assunto.
Souza (2004), aponta que a cultura e o contexto histórico onde está inserido o
sujeito tem influência sobre o seu sentido e significado acerca do que é respeito. Assim,
uma atitude respeitosa ou desrespeitosa para um sujeito, pode não ser para outro, que
os sentidos e significados por eles vivenciados sobre determina situação são diferentes.
Quando nos deparamos com as anotações feitas nos Livros de Ocorrência
Escolar, as palavras respeito e desrespeito são diversas vezes utilizadas e normalmente
associadas a comportamentos ditos como inadequados, violentos ou de indisciplina.
Assim, procurando entender melhor o significado destas palavras
constantemente utilizadas pelos educadores, esse artigo tem como objetivo discutir os
dados dos Livros de Ocorrência Escolar (LOE), com foco na categoria
respeito/desrespeito. Para tanto, nos utilizaremos aqui de parte dos dados obtidos na
pesquisa subsidiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico CNPQ, intitulada “Trajetória de Alunos Protagonistas de Violência” e
realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Participação Democrática e
Direitos Humanos GEPEPDH, que é composto por pesquisadores da Unesp-Capus
Rio Claro e pela UFSCar.
77
Descrição do trabalho desenvolvido
Nos apoiamos nos dados levantados em uma das escolas participantes da
primeira etapa da pesquisa. Esta primeira etapa procurou mapear e levantar todas as
ocorrências anotadas. A escola em questão está localizada em um bairro de periferia
com uma população predominantemente de baixa renda. É uma escola que em 2012 e
2013, períodos de anos base para a coleta dos dados da presente pesquisa, contava com
361 e 383 alunos matriculados, respectivamente. Oferta aulas para o ensino fundamental
e médio. No ano de 2012 teve 13 classes em funcionamento, sendo 11 de ensino
fundamental e 02 de ensino médio, no ano de 2013 foram 14 classes, sendo 10 de
ensino fundamental e 04 de ensino médio. As aulas são ministradas apenas no período
diurno, uma vez que a escola não funciona durante a noite. Uma das possíveis
justificativas para que não haja aulas no período noturno, segundo funcionários da
escola, é devido à periculosidade que o bairro apresenta.
Havia um livro de ocorrência para cada classe, sendo a primeira página
composta por uma lista com os nomes de todos os alunos matriculados naquela classe.
Em seguida eram reservadas duas folhas do caderno para cada aluno. No início dessa
folha havia um cabeçalho de identificação contendo: nome do aluno, nome dos
responsáveis e telefone para contato. Quando o número de ocorrências excedia ao
número de folhas reservadas, as anotações continuavam ao final do caderno. Cada série
tinha uma cor de caderno, por exemplo: as séries eram azuis, série eram amarelos,
assim por diante. Além das cores que diferenciavam as séries, também havia na capa
uma identificação com a série e o nome da escola. Essa organização por classe e por
alunos foi um dos aspectos que facilitou na coleta dos dados. A escola contava com a
maioria dos cadernos guardados em seus arquivos, apenas três cadernos não foram
encontrados.
Concentraremos-nos na análise dos 23 Livros de Ocorrência Escolar, do
Ano do ensino fundamental ao Ano do ensino médio, dos anos de 2012 e 2013.
Nestes LOE procuramos mapear e identificar todos os registros que continham as
palavras respeito e desrespeito. Ao total foram registradas 52 ocorrências. Feito esse
primeiro levantamento, os dados foram agrupados em 11 categorias: palavrão,
autoridade, insulto, gritar, agressão física, deboche, gesto obsceno, apelido, normas da
escola, sem especificação (somente a utilização da palavra respeito e ou desrespeito,
sem a atribuição a alguma ação). Dessas categorias, foram eleitas, para objeto de análise
78
desse artigo, as 04 que tiveram maior número de registros, a saber: sem especificação,
palavrão, autoridade e normas da escola.
Resultados, análise e discussão
Mesmo com um número significativo de ocorrências que se utiliza das palavras
respeito/desrespeito, em sua grande maioria, os registros não deixam claro o que elas
compreendem. A seguir serão apresentados alguns trechos que demonstram tal situação:
O aluno foi advertido e conscientizado da importância do respeito ao
professor (registro 1).
Foi mal educado com a professora, não tem respeito (registro 2).
Aluno desrespeitou a professora e jogou apostila no colega (registro
3).
Notamos que os termos respeito/desrespeito são utilizados sem nenhuma
explanação do ocorrido, impossibilitando a compreensão do contexto do conflito
estabelecido. Isso leva a entender que, muitas vezes, o registro é feito apenas para
constar no livro de ocorrência, uma vez que não preocupação dos professores em
deixar clara a informação prestada, que pode ser devido à forma como tal instrumento
tem sido utilizado no ambiente escolar. Para Ratto (2007) os livros de ocorrência
parecem estar comprometidos com uma lógica voltada para a obediência, à docilidade e
a conformação, sem que haja qualquer intuito pedagógico de resolução de conflitos.
Ainda, no caso desses registros, não havendo clareza do fato ocorrido,
diferentes possibilidades de interpretação podem ocorrer, principalmente se
considerarmos que em determinado momento, esses registros podem se constituir como
prova, ou como um instrumento de defesa do professor diante de questionamentos dos
alunos, seus familiares ou mesmo da justiça. Sobre isso é importante ressaltar que
alguns estudos como de Chrispino e Chrispino (2008), tem demonstrado a recente
têndencia a judicialização das relações escolares e a consequente responsabilização civil
dos educadores.
Com relação ao segundo aspecto foi possível constatar, a partir da leitura das
ocorrências, a diversidade de concepções entre os discursos dos professores sobre o que
se considera respeito/desrespeito. Sobre isso é importante dizer que para a psicologia
histórico-cultural, pressuposto teórico-metodológico no qual se baseia esse artigo, ainda
que existam os valores tidos como universais, sendo o respeito parte deles, o significado
79
social pode variar dependendo do contexto que o sujeito está inserido. Mais do que isso,
cada indivíduo separadamente, pode vivenciar e atribuir um sentido pessoal a esse valor
moral. Isso significa dizer que os sentidos e significados do que é considerado
respeito/desrespeito terá forte influência dos modos de vidas e das relações sociais que
cada indivíduo estabelece.
Porém, vale ressaltar que embora os sentidos tenham um caráter singular são
construídos por meio das apropriações de experiências sociais, assim, a relação dialética
entre singular-coletivo nunca deve ser desconsiderada, pois apesar dos sentidos serem
da ordem do privado são configurados a partir do contexto social e podem ser
modificados dependendo das experiências do sujeito. É por esse caráter mutável e
dinâmico que a escola possui dificuldade em lidar com questões relacionadas ao
desrespeito, sendo que os conflitos escolares, muitas vezes, se dão por diferenças de
sentidos e significados do que é considerado respeito pelas diferentes culturas e
gerações (SOUZA, 2004).
Dessa forma foram elaboradas três categorias de análise, levando em
consideração as principais e mais recorrentes temáticas encontradas nos registros da
escola pesquisada, quais sejam: Respeito e Cultura; Respeito e Autoridade; Respeito e
Regras.
Respeito e cultura
Para perspectiva histórico-cultural, os valores, as crenças e as ideologias são
construídos socialmente, por meio da relação dialética que o individuo estabelece com o
meio em que vive, sendo assim, terão influência da cultura e do momento histórico,
pois, segundo Vigotski (1997) cada cultura e período histórico estabelecem atos como
morais ou não, ou seja, o que é moral nesse momento histórico pode não ser em outro,
daí a importância do social na construção dos valores. Isso ficou demonstrado na
pesquisa ao realizar o levantamento dos dados, pois, a segunda maior frequência de
relatos relacionados ao tema respeito/desrespeito tinha como eixo principal a questão da
pronúncia de palavrão e/ou palavras de baixo-calão:
Chamei sua atenção para que ela parasse e ela me ofendeu me falando
um palavrão. Não tem nenhum respeito pela professora (registro 4).
O aluno foi inconveniente, faltando com o respeito com a sala e com a
professora, utilizando palavrões (registro 5).
80
Não tem respeito com a professora, ofendendo-a com palavrões
(registro 6).
Ficou demonstrado que os professores entendem a pronuncia de palavrões e/ou
palavras de baixo-calão como um desrespeito. Isso pode ser devido à construção de
seus valores dentro de um determinado momento e contexto social. Porém,
possivelmente, para tais alunos a construção desses mesmos valores se deu de forma
diferente, ou seja, no seu contexto social provavelmente não foi estabelecido que a
pronúncia de determinadas palavras fossem consideradas falta de respeito para com o
próximo.
Entretanto, é importante ressaltar que embora suponha que ocorra essa
diferença de construção de valores devido à cultura e gerações, não foi possível
comprovar devido à falta de registro da versão do aluno sobre o ocorrido, o que aponta
para o caráter inquisitorial que os livros de ocorrência têm assumido nos ambientes
escolares, assemelhando aos processos judiciais, uma vez que apenas as versões dos
professores, gestores e funcionários são consideradas, salvo algumas exceções em que é
relatada a versão do aluno, porém escrita por um professor.
Pesquisas como de Barbosa (2012) também apontaram para essa relação
unilateral ao constatar que embora haja um desrespeito mútuo entre professores e alunos
ainda prevalece, nas ocorrências registradas pela escola, apenas o desrespeito do aluno
com relação ao professor. Para a autora a atribuição ao aluno do desrespeito a priori
acaba por naturalizar como intrínseco ao sujeito algo que é construído nas e pelas
relações sociais e que dependerá do contexto e do momento histórico vivido.
Respeito e Autoridade
Toda relação de respeito implicam em presença de autoridade, que nada tem a
ver com autoritarismo, caracterizado por abuso de poder, imposição e violência. Para
Barbosa (2012) a autoridade é comumente confundida como algo que resulte em
obediência, até mesmo por via da violência. Essa relação entre autoridade e obediência
foi a que mais apareceu nos registros dos professores quando se tratava de um conflito
relacionado à autoridade:
Estava jogando giz pela classe. Não respeitou a ordem para parar
(registro 7).
81
O aluno foi colocado para fora da sala, depois de várias advertências
verbais para ficar quieto e fazer a lição. ficou resmungando e não
me respeitou (registro 8).
O aluno tem atitudes grosseiras de falta de respeito e descumprimento
de ordem em relação ao mapeamento. Faz de tudo para irritar a
professora e não faz as atividades conforme solicitado (registro 9).
É perceptível nos discursos apresentados a compreensão da autoridade como
estritamente ligada ao ato de obedecer. Nesse caso, o que entende ser “autoridade”
produz relações desiguais de humilhação e inferioridade de uma das partes envolvidas
na situação, no caso o aluno que, por sua vez, responde reativamente a essa ordem
autoritária. Contrária a isso, Arendt (2011, p. 129), defende: “se autoridade deve ser
definida de alguma forma, deve -lo, então, tanto em contraposição à coerção pela
força como à persuasão através dos argumentos”.
Arendt (2011) entende a autoridade não como algo dado a priori, mas sim
como algo construído nas relações sociais, a partir da legitimação da figura de
autoridade pelo grupo, que a reconhece como tal. Esse processo, por sua vez, acontece
por meio da admiração, sendo, portanto, o afeto um aspecto preponderante nessa relação
dialética entre respeito e autoridade.
É nesse sentido que Souza (2004) argumenta que se aqueles que atuam no
ambiente escolar não o respeitados, deve ser porque os alunos não os consideram
como autoridade. Isso pode ser verificado nos trechos a seguir:
O aluno fica saindo o tempo todo do lugar, mexe com todos da sala,
provocando o tempo todo e quando solicitado que se sente, responde
ao professor com todo desrespeito (registro 10).
Aluno não faz atividades, fica o tempo todo conversando. Estava
respondendo de forma mal educada para a professora e desafiando sua
autoridade, não tem respeito (registro 11).
É evidente a invalidação da autoridade por meio de ações como não acatar a
ordem dada pelo professor, responder de forma considerada grosseira, entre outros. Os
registros revelam que embora os professores, os funcionários e os gestores ocupem a
posição de autoridade, esta não é legitimada por um grupo considerável de alunos. Para
Arendt (2011) o reconhecimento legitimado é o pressuposto para que o professor exerça
a autoridade no contexto escolar.
Outro aspecto que também deve ser considerado quando se analisa a questão
do Respeito e Autoridade são as diferenças de sentidos e significados do que se
82
considera respeito/desrespeito. É perceptível, pelos discursos dos professores, que o
não acatar ordem é considerado uma atitude desrespeitosa. Tanto é assim que as
descrições de tais ações são frequentemente procedidas pelas palavras: “falta de
respeito”, “desrespeito”, “não tem respeito”. Porém este pode não ser o sentido e
significado dado pelos alunos, sendo assim, tais atitudes não os remeterão a algo ruim
ou negativo.
É nesse sentido que a escola assume um papel de fundamental importância na
construção coletiva de relações respeitosas. Entretanto, para isso é necessário que seja
considerado os sentidos e significados das relações que perpassam o cotidiano escolar
para que se possa refletir e ressignificar coletivamente atitudes que são consideradas
desrespeitosas. Isso significa dizer que as ressignificações deverão acontecer
dialeticamente na relação professor-aluno, sendo assim, não o que o aluno considera
respeito/desrespeito deverá sofrer modificações nessa perspectiva, mas também as
concepções trazidas pelos professores.
Respeito e Regras
O homem, ao produzir sua existência revela a historicidade, a ideologia, as
relações sociais e a mesmo o modo de produção vigente. Por isso o como
entender o sujeito sem entender o contexto social em que vive, uma vez que a relação
indivíduo-sociedade é de mediação, na qual um constitui o outro dialeticamente
(OZELLA; AGUIAR, 2008). Portanto, o respeito deve ser entendido como um valor
moral que é experienciado e apropriado nas relações sociais.
Assim, o respeito a regras estabelecidas pela escola deve ser algo construído
coletivamente a fim de que haja sentido para o grupo de alunos que a ela pertence.
Entretanto, na escola em questão, o conjunto de regras era entregue por escrito para os
responsáveis no ato da matrícula, ou seja, aos alunos eram impostas todas as normas
que a equipe gestora, juntamente com o corpo docente entendia serem importantes e
necessárias, sem ter a garantia do conhecimento pelos alunos. Parece haver por parte da
escola o pressuposto de que todos são conhecedores de tais regras e a elas devem se
subordinar. Tal procedimento impositivo reflete, nos trechos a seguir, as consequências
da não participação dos alunos no processo de construção das regras da escola:
Novamente não respeitou as regras e normas da escola. Por várias
vezes pedi para que entrasse na classe e fizesse a lição. A aluna não
83
respeitou a professora e saiu correndo pelo corredor juntamente com o
aluno “X”. Na verdade ela queria ficar no pátio com o pessoal que está
grafitando a escola. Ultimamente essa aluna resiste muito em seguir as
regras da escola, desrespeita a todos e é muito irônica (registro 12).
Não retornou a sala no horário após o intervalo. Os alunos haviam
sido avisados quanto às punições pelo desrespeito as regras (registro
13).
A resistência dos alunos em não respeitar as regras estabelecidas pode ser
devido ao sentimento de não pertencimento ao processo que resultaram nesses acordos
que lhe foram impostos. Ratto (2007) faz uma análise sobre essa questão numa
perspectiva foucaultiana. Segundo autora as normas da escola estão muito mais atrelada
à normalização medidas voltadas para a formatação homogeneizante, destinada a
sujeição de modelos pré-estabelecidos do que à normatização, que refere-se a um
certo ordenamento que possibilita a participação ativa do sujeito e consequentemente a
vida coletiva. Sobre essa perpectiva, podemos dizer que escola pesquisada, segue a
lógica da normalização, uma vez que sujeitam os alunos ao um conjunto de regras das
quais, muita vezes, não se sentem pertencentes.
Muitas vezes, práticas que visam a discussão e a construção coletiva de
aspectos que dizem respeito à organização do ambiente escolar não são bem vistas pelo
corpo docente, sendo que alguns deles entendem como uma ameaça a sua autoridade, o
que acaba por gerar sérios prejuízos na relação professor-aluno, que é de fundamental
importância para o estabelecimento de relações respeitosas com a legitimação do
professor como uma autoridade dentro da escola. É por esse motivo que Soares (2012)
defende que o exercício da autoridade do professor deve-se pautar diálogo que, por sua
vez, mobiliza o saber e o pensar e não no silenciar do aluno.
Considerações finais
Embora um número significativo de registros nos livros de ocorrência da
escola pesquisada não tenha deixado explicito o que professore(a)s, funcionário(a)s e
gestores consideram respeito/desrespeito, aqueles nos quais foi possível identificar as
três temáticas aqui categorizadas evidenciaram um aspecto em comum: a dificuldade da
escola em construir juntamente com os alunos relações respeitosas. A falta de diálogo
para melhor compreensão do contexto social que o aluno vive faz com que os
84
professores considerem situações de conflitos corriqueiros um ato de desrespeito a
priori.
Além disso, ficou constatado que duas das categorias de maiores frequências, a
saber: Respeito e Autoridade e Respeito e Regras estão relacionados à questão da
obediência de uma determinada ordem, ainda que tenham como foco aspectos distintos.
Isso significa dizer que o núcleo principal de significação do termo respeito está
associado à manutenção e controle da ordem no ambiente escolar. Sendo assim, o
respeito não é visto como um sentimento que tem como base valores morais que
promovam o desenvolvimento e a emancipação dos sujeitos e sim como um valor que
resulte de submissão e na manutenção da ordem no âmbito escolar.
É necessário que aqueles que atuam no ambiente escolar compreendam como
se a construção do respeito, bem como seu importante papel nesse processo, sem
deixar de levar em consideração questões como cultura, autoridade e comprometimento
com a garantia de acesso ao conhecimento. Portanto, a escola tem o grande desafio de
promover, por meio de processos educativos, questionamentos e reflexões críticas sobre
a realidade, com o intuito de ressignificar e configurar novos sentidos para valores
morais como respeito de forma a proporcionar o desenvolvimento humano nas suas
máximas potencialidades e estabelecer relações saudáveis, que não por meio da
violência, quer seja, física ou simbólica.
Barbosa (2012) destacou alguns aspectos que entendeu ser fundamental para o
estabelecimento de relações respeitosas no ambiente escolar, os quais corroboramos,
entre eles: investimento na escuta e na fala, de modo que as manifestações de pontos de
vistas, singularidades e saberes sejam garantidas por todos (professores, funcionários e
alunos); concepção do sujeito como ser autônomo; instituição de autoridade (e não
autoritarismo); comprometimento com a educação a fim de garantir o acesso ao
conhecimento em suas formas mais desenvolvidas.
Porém é sabido que as políticas educacionais, muitas vezes, dificulta a
possibilidade de espaços para reflexão crítica das práticas educacionais, a fim de
construir juntamente, com os docentes, possibilidades de transformação do cotidiano
escolar. Por esse motivo, é necessário e importante que se faça uma análise crítica da
realidade educacional, mas também que se tenha claro os limites postos por um sistema
que visa à manutenção da ordem social e não a construção de uma educação que
promova uma sociedade mais justa e com valores morais de promoção e
desenvolvimento humano.
85
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Perspectiva, 2011. p. 127-188.
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165-169.
86
Os procedimentos e as providências adotadas pelas escolas para resolver conflitos
entre alunos envolvidos em atos de violência e indisciplina.
Tamyres VITURI
Claudia Regonha SUSTER
Débora Cristina FONSECA
Introdução
O livro de ocorrência escolar (LOE) é uma ferramenta que tem sido utilizada
pelas escolas algumas décadas com o intuito de assegurar o registro do cotidiano
escolar, com ênfase nas situações associadas à violência e indisciplina. Os primeiros
registros denotam da década de 20, que sob as variadas denominações, tais como livro
preto, livro de Sanções e Termo de Censura, etc., cumpriam uma função muito clara:
assegurar a ordem através do cumprimento das normas escolares por parte dos alunos,
professores e funcionários (FONSECA; SALLES; SILVA, 2014; MORO, 2002).
Fonseca, Salles e Silva (2014) destacam que grande parte das escolas públicas
brasileiras fazem uso de tal instrumento, sendo característico de cada instituição escolar
a forma de implementá-lo. Algumas unidades preveem a utilização dos LOE como
procedimento no regimento escolar (associado a execução de normas disciplinares).
Na unidade escolar lócus da pesquisa, uma análise pormenorizada dos LOE
identificou que cinco categorias foram registradas com maior frequência, sendo estas:
em 2013, Tarefa; Conversa; Ações Positivas; Desrespeito ao Professor e Ações
Inadequadas/Convivência social e em 2014, as que tiveram maior número de registros
nos LOE foram: Procedimentos/Providências, Ações Inadequadas/Convivência social;
Circulação; Uso de Equipamentos e Tarefas. Vale destacar que em 2014 os
Procedimentos/Providências ganharam destaque e serão discutidos posteriormente.
Os LOEs e suas interfaces com a violência, com a indisciplina e com a produção do
fracasso escolar.
Segundo Sposito (2001), na década de 80 e 90 a violência nas escolas
apresentava-se através de depredações ao patrimônio público, pichações, desrespeito,
agressões físicas e verbais, ameaça aos professores, atos considerados violentos e
87
recorrentes até o presente. Nessa conjuntura, a violência foi caracterizada como uma
questão de segurança, esmorecendo propostas de teor educativo.
Em consonância a isso, Charlot (2002) esclarece que em meados do século XIX
as questões relativas à violência no contexto escolar se apresentavam com alguma
visibilidade, antecedendo as noções de professores e da opinião pública nas quais teria
surgido apenas na década de 1980 e ampliado suas proporções nos anos de 1990.
O autor destaca também a necessidade de dividir conceitualmente as noções
sobre violência, sugerindo três perspectivas: “a violência na escola, a violência à escola
e a violência da escola” (p. 434). A primeira faz alusão ao local onde ocorre o ato
violento, podendo este acontecer em outros espaços; A segunda refere-se a um ato
violento dirigido aos alunos ou a quem ela (escola) representa; A terceira e última
retrata a violência institucional e simbólica que pode ser observada no tratamento
recebido por alguns jovens pela instituição de ensino e seus agentes.
Zaluar e Leal (2001) constataram em suas pesquisas que o corpo docente e
administrativo da escola ocupam posições distantes dos alunos e em função disso,
atribuem ao adolescente a culpa pelo fracasso escolar, não tendo condições de ampliar
suas concepções de forma a abarcar a multiplicidades de fatores que podem produzir
tais fenômenos.
O discurso sobre tal fracasso fomenta-se através de falas e posições confluídas
de médicos, pedagogos e nutricionistas e as causas, quase sempre associadas a
problemas de saúde, são atribuídas à família e ao próprio aluno, eliminando a
responsabilidade da escola no processo educativo das crianças (MOYSES;
COLLARES, 1997; PATTO, 1992).
Nessa perspectiva, pode-se considerar que a escola se desqualifica novamente no
exercício de transmitir ao aluno condições para que ele possa desenvolver algum grau
de identificação com a instituição escolar, fator esse que pode ser apreendido como uma
forma de violência da escola perante os alunos (CHARLOT, 2002).
Ainda sobre o insucesso escolar, segundo Smolka (1996), quando o aluno tenta,
à sua maneira, se adequar às normas da sala de aula e de aprendizagem e fracassa, é
nesse contexto que a indisciplina tende a surgir, aparecendo através da falta de atenção,
cochichos, desenhos, na perspectiva de encontrar algo que se sinta capaz de realizar.
Nesse contexto, professores utilizam-se de diagnósticos psicológicos para tentar
identificar o “problema” e a causa do comportamento/problema na criança.
88
Quando rotuladas como incapazes, algumas escolas tendem a
desresponsabilizar-se do compromisso pedagógico que deveriam assumir junto ao
aluno, não reordenando práticas que permitam superar aquilo que tem escapado do
processo de ensino/aprendizagem do mesmo.
Segundo Oliveira (1997), com base na teoria Vygotskyniana e no conceito de
mediação, as relações que possuem o elemento mediador tendem a ser mais intensas
para o desenvolvimento da criança, e por esse viés, o professor assume papel
fundamental, na medida em que ele é responsável por sistematizar o conhecimento
espontâneo. Nesse sentido, as situações de indisciplina poderiam ser atravessadas por
práticas educativas, possibilitando a construção de um novo sentido para o
comportamento, para as relações do aluno com seus pares e demais agentes do contexto
escolar e para a superação de estigmas socialmente construídos.
A localização geográfica da escola e suas adjacências com o crime organizado
também são destacados como fatores que podem trazer algum nível de interferência na
forma de se relacionar dos alunos dentro das instituições de ensino. Entretanto, como
observado em outros estudos, Sposito (apud PAULA SILVA; SALLES, 2010) afirma
que nem sempre os índices de violência em meio escolar coincidem com os índices
mais gerais da violência que atinge os jovens, de tal forma que a violência em meio
escolar não está diretamente associada à criminalidade que acomete algumas áreas
urbanas. A autora destaca também que se faz necessária a articulação de estudos sobre
violência escolar e a violência social para se compreender a diversidade de fenômenos
que atravessam tais situações.
Descrição do trabalho desenvolvido
Conforme apresentado anteriormente, a educação e suas interfaces com a
violência intra e extra muro das escolas têm sido objeto de diversos estudos em
pesquisas produzidas no território nacional.
Com o objetivo de compreender como se dão essas relações, o presente estudo
propõe-se a identificar e analisar os procedimentos e as providências adotadas por atores
do sistema escolar para resolver conflitos entre alunos envolvidos em atos de violência e
indisciplina. Os dados apresentados a seguir foram coletados a partir de uma
investigação dos registros oriundos dos Livros de Ocorrência Escolar (LOE) e
possibilitaram a compreensão daquilo que as instituições escolares pesquisadas têm
89
entendido por indisciplina e violência e as práticas adotadas para intervir nestas
situações.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada através da análise documental
(BOGDAN; BIKLEN, 1994) por meio da leitura dos registros de ocorrências
produzidos por uma escola estadual do interior do estado de São Paulo, escolhida por
estar localizada em uma região do município com altos índices de violência. Esta
unidade escolar recebe alunos do Ensino Fundamental (do 5º ao 9º ano) e Ensino Médio
(1º, e ano) e está localizada em uma região conhecida por apresentar altos índices
de violência. No local, estudam aproximadamente 1100 crianças e adolescentes.
A análise do material coletado foi construída a luz das contribuições da
perspectiva sócio-histórica, que propõe encontrar no particular, a instância da totalidade
social para dessa forma, compreender o contexto: “articulando dialeticamente os
aspectos externos com os internos, considerando a relação do sujeito com a sociedade à
qual pertence” (FREITAS, 2002, p. 22).
Os dados apresentados a seguir integram uma pesquisa-mãe que investiga a
trajetória escolar de alunos protagonistas de violência, ainda em fase de execução,
desenvolvida pelo GEPEPDH Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação,
Participação Democrática e Direitos Humanos, fruto de uma parceria entre a
Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP Campus Rio Claro
e a Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR.
Resultados obtidos
Como destacado anteriormente, as ocorrências mais registradas nos LOE
durante os anos de 2013 e primeiro semestre de 2014 foram: Tarefa;
Conversa/Gritos/Ruídos; Ações Positivas; Desrespeito ao Professor; Ações
Inadequadas/Convivência social; Procedimentos/Providências; Circulação e Uso de
Equipamentos. Algumas delas Ações Inadequadas/convivência social e Tarefas
foram recorrentes nos dois anos.
Em geral, os registros relacionados à categoria tarefa envolvem em sua maioria
ocorrências como “lição lenta”, “não trouxe visto assinado”, ou quando o aluno não
realizou a atividade proposta pelo professor, explicitando a relação entre os registros e
as questões pedagógicas.
90
A categoria Conversa/Gritos/Ruídos é, em sua maioria, registros de conversas
entre os alunos, considerados pelo professor como conversas paralelas e não adequadas
para a sala de aula.
Ações Positivas é uma categoria curiosa, pois em outros estudos sobre os LOE
ela não se fez presente. Tratava-se de registros de felicitações ao aluno, parabenizando-o
por alguma tarefa realizada, o que nos leva a refletir que talvez um grupo específico de
professores era o responsável por tais registros, uma vez que na análise dos LOE no ano
seguinte essa categoria não apareceu.
A categoria Desrespeito ao Professor remete a registros como: “respondeu ao
professor”, conhecidos por situações de enfrentamento a algum posicionamento do
docente. Alguns posteriormente evoluíram para xingamentos e agressões verbais.
A categoria Ações Inadequadas/Convivência social são ações dos alunos
consideradas prejudiciais para o bom andamento da sala de aula, expressas por
brincadeiras inapropriadas e a comportamentos do aluno avaliados negativamente.
A categoria Circulação são registros, em maioria, relacionados ao atraso dos
alunos para se dirigirem às salas de aula ou a própria circulação que acontece nos
corredores da escola durante as trocas de aulas.
O Uso de Equipamentos refere-se ao uso do aparelho celular utilizado pelos
alunos dentro das salas de aula (maior incidência entre alunos do 9º ano).
Pode-se destacar que, além das categorias acima mencionadas que expressarem
claramente o caráter disciplinatório dos LOE, o gráfico evidencia que esta ferramenta é
utilizada como recurso para registrar as providências adotadas pela escola diante de
situações de conflito, sendo as mais comumente utilizadas: advertência ao aluno,
convocação dos pais, encaminhamento para o Conselho Tutelar e suspensão. A
reincidência de registros, bem como a gravidade da ocorrência, tende a altear a punição,
sendo o procedimento mais utilizado para casos considerados “graves” a expulsão do
aluno da unidade escolar.
Vale salientar também que as categorias acima mencionadas trazem poucos
indicativos de situações de violência, mostrando-se muito mais próximas da
indisciplina.
Abaixo apresentaremos os gráficos com todas as categorias encontradas nos
LOE durante 2013 e 2014, bem como o percentual referente a cada registro, e em
seguida faremos uma análise dos procedimentos/providências destacados como medidas
91
adotadas pelos atores da instituição para resolver tais conflitos entre os alunos
envolvidos em atos de violência e indisciplina.
Gráfico 1- Categorias encontradas nos LOE no ano de 2013
Fonte: Autoria própria.
92
Gráfico 2 – Categorias encontradas no LOE no ano de 2014
Fonte: Autoria própria.
Os procedimentos/providências aqui são caracterizados como as ações tomadas
pela escola acerca das atitudes dos alunos, consideradas inapropriadas dentro da escola.
Como observamos nos registros coletados, suspensões e advertências são algumas das
medidas mais aplicadas, na tentativa de punir os alunos. Normalmente ocorrências em
que os alunos eram advertidos se davam pelo fato de não serem reincidentes de outras
ocorrências e por não serem elas consideradas graves. Porém, se o aluno já tivesse certo
número de ocorrências anotadas, a próxima resultaria em uma suspensão. Ou em alguns
casos específicos, como de agressão física, por exemplo, a suspensão era aplicada
imediatamente e os pais eram convocados a comparecer à escola.
Tais procedimentos de advertir e suspender os alunos foram os mais encontrados
nos LOE e identificamos, de modo geral, que são esses os procedimentos aplicados em
todos os registros, na tentativa de corrigir os comportamentos dos alunos.
Ao formular os princípios da Psicologia Histórico-Cultural, Vygotsky afirma
que o homem é resultado do processo de desenvolvimento filo e ontogenético e é por
meio dos processos de internalização da cultura que baliza a qualidade do seu
desenvolvimento (MARTINS; RABATINI, 2011; PINO, 2000; OLIVEIRA, 1997).
93
Tentando superar as dicotomias entre individual/social que marcavam a ciência
psicológica até aquele momento, Vygotsky assume que é por meio das relações sociais
que ocorre a constituição do pensamento, da ação e da consciência humana.
Por esse princípio, uma articulação e interdependência entre a dimensão
social e individual (PADILHA, s/d). Nesse sentido, o essencialmente humano é a
internalização das atividades socialmente desenvolvidas ou, dito de outra forma, a
incorporação da cultura.
Nesse sentido, que se considerar a importância das relações sociais
intraescolares para embasar os processos formativos de crianças e adolescentes
submetidos ao modelo de educação formal. Pode-se pensar que a escola é o espaço
potencial para assegurar modelos de conduta pautados no respeito, especialmente
valorizando o papel do professor como importante agente mediador do conhecimento
em uma perspectiva mais ampliada, não limitando sua práxis à transmissão de
conteúdos exclusivamente pedagógicos.
Considerando que a formação da consciência é mediada pela ação do outro e que
a conduta do homem sempre é produto de um amplo sistema social de laços sociais, a
participação do corpo discente na construção das regras institucionais, visando
assegurar o respeito nas relações entre todos os envolvidos apresentar-se enquanto
recurso pedagógico capaz de oferecer à criança e ao adolescente novas possibilidades
relacionais que não aquelas marcadas pela violência, intolerância e preconceito
(PADILHA, s/d; MARTINS, 2004).
A evasão, a indisciplina e o fracasso escolar, fenômenos dos quais crianças e
adolescente são submetidos cotidianamente também é resultado do dogmatismo
presente no espírito de muitas instituições de ensino. Esse dogmatismo, por sua vez, é
uma atitude: “autoritária, porque não admite dúvida, contestação e crítica. Submissa,
porque se curva às opiniões estabelecidas” (CHAUÍ, 2000, p. 109).
Considerações finais
Através da análise do material coletado, foi possível observar que as
providências e procedimentos para conter situações de indisciplina e atos violentos
ocorridos no contexto escolar deve assegurar-se primeiro enquanto condição educativa e
não apenas punitiva, coerente com o princípio de uma educação que se revela como
94
possibilidade emancipatória para os indivíduos e validando a condição peculiar de
desenvolvimento na qual se encontra esses adolescentes.
De forma geral, o estudo permitiu identificar e analisar os recursos utilizados
pela escola para manter a organização e a disciplina, indicando a necessidade de
aprofundamento sobre práticas educativas que possibilitem outras formas relacionais
diante de tais fenômenos.
Considerando os elementos aqui analisados e a constatação de que as
providências não têm para a escola ou para os alunos qualquer objetivo pedagógico,
consideramos importante que as instituições escolares e seus gestores reflitam sobre sua
utilização, potencializando ações educativas a partir dos registros no LOE.
REFERÊNCIAS
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(In)disciplina: os “Livros de Ocorrências” escolar em análise. In: ENDIPE -
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Campinas. Anais [...]. Campinas: UNICAMP, 2012.
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CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa
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FONSECA, D. C.; SALLES, L. M. F.; SILVA, J. M. A. de P. Contradições do processo
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Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, São
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FREITAS, M. T. de A. A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa
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MARTINS, L. M.; RABATINI, V.G. A concepção de Cultura em Vigotski:
contribuições para a educação escolar. Psicologia Política, p. 345-358, 2011.
MARTINS, L. M. Da formação humana em Marx à crítica da pedagogia das
competências. In: DUARTE, N. (Org). Crítica ao fetichismo da individualidade.
Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2004.
MORO, N. de O. O “LIVRO PRETO” nas escolas da região dos Campos Gerais. In:
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95
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MOYSES, M. A. A.; COLLARES, C. A. L. Inteligência Abstraída, Crianças
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OLIVEIRA, M. K. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-
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PADILHA, A. M. L. A linguagem e a formação da consciência: uma perspectiva
histórico-cultural. Salto para o Futuro, v. 1, n. 1, p. 39-42, s/d. Disponível em:
http://www.unimep.br/~ampadilh/a-linguagem-e-aformacao.pdf. Acesso em: 07 jul.
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PATTO, M. H. S. Para uma crítica da razão psicométrica. Psicol. USP, v. 8, n. 1, p. 47-
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PAULA E SILVA, J. M. A. de; SALLES, L. M. F. A violência na escola: abordagens
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SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como
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ZALUAR, A.; LEAL, M. C. Violência extra e intramuros. Rev. bras. Ci. Soc., São
Paulo, v. 16, n. 45, fev. 2001.
96
Diversos olhares sobre o bullying: concepções de professores e alunos
Dierlem Cristina de OLIVEIRA
Luciene Regina Paulino TOGNETTA
Introdução
Muitos dos problemas de intimidação e violências existentes entre pares nas
escolas são vistos apenas como “briguinhas” ou desentendimentos de crianças e
adolescentes. O que muitos não sabem é que esses acontecimentos são um tipo de
violência que vem ganhando espaço cada vez maior nas escolas. Esse tipo de violência
denomina-se Bullying, uma palavra inglesa cuja tradução ao da letra para o
português, pode ser entendia do inglês Bull que significa touro, ou seja, uma forma de
intimidação e o ing denotando o gerúndio, para o qual pode se imaginar uma ação com
continuidade, ou seja, intimidando e maltratando. Portanto, o bullying é um estado de
intimidação e para que se tenha certeza deste fenômeno, cinco características que o
compõem: em primeiro lugar temos a repetição, como uma forma de torturar a vítima, o
agressor faz com que as agressões, sejam elas verbais ou físicas, se tornem frequentes;
em segundo lugar, a intenção, em que agressor sempre tem a intenção de ferir sua
vítima; em terceiro, o alvo frágil: o agressor sempre procura uma pessoa que foge dos
padrões midiáticos impostos (padrão de beleza), ou seja, usam óculos, são gordinhos,
baixinhos, magrinhos ou altos demais, por exemplo; em quarto lugar o bullying é
cometido por pares, a saber, uma forma de violência praticada por alunos-alunos,
professores-professores, mas nunca professores-alunos ou alunos-professores. A quinta
e última característica é o público, pois não um valentão sem sua plateia, isso
acontece já que os expectadores da violência mesmo não concordando com ela calam-se
muitas vezes por medo de que as agressões se voltem para eles. Deste modo, Avilés
(2006) define Bullying como:
[...] intimidação e o maltrato entre escolares de forma repetida e
mantida no tempo, sempre longe dos olhares dos adultos/as, com a
intenção de humilhar e submeter abusivamente uma vítima indefesa
por parte de um abusador ou grupo de valentões através de agressões
físicas, verbais e/ou sociais como resultados de vitimização
psicológica e rejeição grupal. (p. 82).
97
Pesquisas realizadas em escolas públicas e privadas (TOGNETTA; VINHA,
2007; 2009; 2011; VINHA, 2003), mostram que a maioria das instituições possuem
concepções tradicionais sobre os conflitos interpessoais, isto é, esses são vistos como
negativos e danosos ao bom andamento da aula e das relações entre as pessoas. Os
educadores se sentem aflitos, angustiados ou irritados quando se deparam com situações
como furtos, danos ao patrimônio e agressões.
Outro grave problema resultante da qualidade deste clima escolar
supracitado, pode ser constatado na relação entre pares (FANTE, 2005; TOGNETTA et
al., 2010; TARDELLI, 2003; LICCIARDI, 2010; LUCCATO, 2012; VINHA, 2003;
TOGNETTA; VINHA, 2007, 2011).
Atualmente rias investigações que se dedicam a estudar o fenômeno
bullying, porém as pesquisas no Brasil são recentes e às vezes insuficientes para atender
a demanda de compreender os mecanismos psicológicos presentes no ato de intimidação
que nos possibilitem pensar em formas mais eficazes de contenção e prevenção dessa
forma de violência.
Descrição do trabalho desenvolvido
A atual investigação caracteriza-se como uma pesquisa de caráter exploratório e
de campo, a saber,
[...] o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta
de dados é feita nas condições naturais em que os fenêmenos ocorrem,
sendo assim diretamente observados, sem intervenções e manuseio por
parte do pesquisador. Abrange desde os levantamentos (surveys), que
são mais descritivos, até estudos mais analiticos (SEVERINO, 2007, p.
123).
A amostra foi constituída por dois grupos de sujeitos: professores e alunos do 7º,
e ano do Ensino Fundamental II, advindos de escolas públicas do Estado de São
Paulo e escolhidas por conveniência. Para conhecer a percepção de estudantes e
professores sobre as situações de intimidação entre pares, foi utilizado um questionário
com perguntas fechadas, tipo escala likert
6
. Esse questionário foi criado por uma equipe
de trabalho do GEPEM Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral para
avaliar o clima escolar nas escolas brasileiras dentro de um projeto financiado pelo
6
Escala Likert é uma escala psicométrica das mais conhecidas e utilizada em pesquisa quantitativa, já que
pretende registrar o nível de concordância ou discordância com uma declaração dada.
98
banco BBA e a Fundação Lemann Educacional intitulado “Em Busca de Caminhos que
Promovam a Convivência Respeitosa em Sala de Aula Todos os Dias”. Essa pesquisa
maior da qual a presente investigação faz parte, é apenas um recorte que tem por
objetivos construir e validar instrumentos, adaptados à realidade das escolas brasileiras,
para avaliar o clima escolar de alunos a partir do 7º, e ano, seus professores e
gestores. Além disso, objetiva elaborar e desenvolver, em duas escolas da região
metropolitana de Campinas, um projeto de formação dos educadores visando a redução
da violência e a melhoria da convivência escolar. A pesquisa maior em que esse projeto
está inserida teve como procedimento a coleta de dados com diretores, vice-diretores,
coordenadores, orientadores, professores e alunos de Ensino Fundamental II (7º ao
ano) e Ensino Médio de escolas públicas.
Os dados foram coletados presencialmente pelos pesquisadores nas escolas que
aceitaram participar do estudo e realizado em datas e horários previamente agendados
com a equipe de gestão da escola de maneira que ocorresse quando fosse mais
conveniente à escola e aos participantes. Foi solicitado a autorização escrita dos pais dos
jovens menores de 18 anos. Para atender aos objetivos da investigação (um recorte da
pesquisa sobre clima escolar), utilizar-se-á apenas as perguntas relacionadas à dimensão
sete do clima escolar que se refere a como os professores e alunos percebem as
situações de intimidação entre pares ocorridas na escola.
Resultados obtidos
Por ser uma pesquisa em andamento, os dados coletados serão analisados
quantitativamente e qualitativamente. Por fim, os dados coletados passarão por análise e
serão tabulados para saber se diferenças na opinião dos sujeitos entrevistados
professores e alunos.
Considerações finais
Deste modo como considerações preliminares pode-se presumir que há uma
tendência em que o Bullying é deixado de lado por educadores que acabam confundindo
o problema com uma “brincadeira” inocente de crianças. Nesse âmbito, professores e
gestores devem se atentar aos pequenos detalhes deste grande mal que envolve crianças
e adolescentes no ambiente escolar. Finalmente, após a análise dos dados buscar-se-á
99
definir as diversas opiniões sobre essa violência escolar que aflige professores,
adolescentes e crianças.
REFERÊNCIAS
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Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
2008.
GARCIA, J.; TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Indisciplina, conflitos e bullying
na escola. v. 2. Campinas, SP: Mercado de letras, 2013.
MARTINÉZ, J. M. A. Bullying: guia para educadores. Trad. J. Guillermo Milán
Ramos. Revisão Técnica de Luciene Regina Paulino Tognetta. 1. ed. Campinas, SP:
Mercado de letras, 2013.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Cortez, 2007.
TOGNETTA, L. R. P. Um olhar sobre o bullying escolar e sua superação: contribuições
da Psicologia Moral. In: TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Conflitos na instituição
educativa: perigo ou oportunidade. Campinas: Editora Mercado de Letras, 2011.
ISBN: 978-85-7591-181-5
TOGNETTA, L. R. P. Vencer o bullying escolar: o desafio de quem se responsabiliza
por educar moralmente. In: TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. (Orgs.). É possível
superar a violência na escola? Construindo caminhos pela formação moral.
Coleção Práxis Educação. São Paulo: Editora do Brasil/FE Unicamp, s/d. ISBN 978-85-
10-05120-0.
TOGNETTA, L. R. P.; VINHA, T. P. Reconhecimento de situações de bullying por
gestores brasileiros e as intervenções proporcionadas. In: LINARES, J. J. G.;
FUENTES, M. C. P.; JURADO, M. M. M.; CODINA, R. P. Investigación en el ámbito
escolar: un acercamiento multidimensional a las variables psicológicas y educacionais.
Almeria, Espanha: Editorial GEU, s/d. p. 227-232. ISBN 978-849915954-6.
100
Discutindo Propriedades Periódicas por meio de um Jogo Didático
Geovana Zamboni PAZETTO
Rosebelly Nunes MARQUES
Introdução
Muitos estudantes têm aversão à disciplina Química considerando-a de difícil
entendimento. Entre outros, os principais motivos para essa concepção são, a grande
quantidade de cálculos, conteúdos muito abstratos e ainda assuntos que exigem
basicamente a memorização.
Na tentativa de motivar os alunos e acompanhar as mudanças que acontecem na
educação e na vida dos alunos, novos Recursos Didáticos surgem para auxiliar
professores a dinamizar suas aulas e chamar a atenção dos alunos para a aprendizagem
significativa.
Segundo Souza (2007), recurso didático é todo material utilizado para auxiliar
no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem do conteúdo proposto. Os
recursos são ferramentas facilitadoras do processo ensino e de aprendizagem desde que
sejam utilizados no momento correto e da forma correta, caso contrário não fará sentido
a sua utilização. Cabe ao professor, escolher qual o recurso mais adequado para o
conteúdo que será trabalho, para o tempo disponível e também para os seus alunos.
Na busca por um recurso didático diferente para as aulas de Química, optou-se
por elaborar um jogo didático que para Huizinga (2007), é uma atividade ou ocupação
voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço,
segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias dotado de um
fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria, e de uma
consciência de ser diferente da vida cotidiana.
Segundo Kishimoto (2006), o jogo educativo tem duas funções. A primeira é a
função lúdica, propiciando diversão e prazer quando escolhido voluntariamente. A
segunda é a função educativa, ensinando qualquer coisa que complete o indivíduo em
seu saber e sua compreensão de mundo. Um jogo pode ser considerado educativo
quando mantém um equilíbrio entre duas funções: a lúdica e a educativa. E ainda
acrescenta o mesmo autor, que a função lúdica está relacionada ao caráter de diversão e
101
prazer que um jogo propicia. A função educativa se refere à apreensão de
conhecimentos, habilidades e saberes, associados ao prazer de desenvolver o
entretenimento.
Por meio do jogo, os alunos empregam o conhecimento assimilado de forma
lúdica, mesmo sem perceberem.
Conforme Oliveira, (2001), o ato de ensinar e aprender ganha novo suporte com
o uso de diferentes tipos de softwares educacionais, de pesquisas na internet e de outras
formas de trabalho com o computador. Acrescenta que o computador pode ser uma
ferramenta muito importante na mediação do processo da construção do conhecimento,
capaz de favorecer a reflexão do aluno, viabilizando a sua interação ativa com
determinado conteúdo de uma ou mais disciplinas e não só, um recurso auxiliar ao
aluno na aquisição de informações na internet, em enciclopédias eletrônicas e nas
produções e apresentações mais elaboradas de trabalhos escolares.
Descrição/Metodologia
O jogo foi criado em ambiente computacional, através do Programa Visual
Basic, caracterizando-se como um software recebeu o nome de PROPEDIN. Tendo a
possibilidade de se utilizar um computador e projetar em projetor multimídia.
Este é constituído de um quadro com 100 botões onde cada um deles apresenta
uma pergunta, ou ainda pode-se ter botões como “perde 1 ponto”, “ganha 1 ponto” e
“passa a vez”. Para a escolha do botão a ser aberto o aluno deve escolher uma
coordenada de A a J e de 1 a 10, como se fosse um jogo de Batalha Naval. Depois de
clicar no botão, a pergunta é exibida e então para saber a resposta basta clicar em outro
botão na mesma tela que se denomina “Ver resposta”, assim esta aparecerá. Além, disso
é possível visualizar a tabela periódica no próprio jogo para assim facilitar na hora do
aluno responder as questões, bastando que se opte por isto, clicando no botão
“Consultar Tabela”.
O PROPEDIN conta com 70 questões, que abrangem os assuntos: Raio atômico,
Energia de ionização, Afinidade eletrônica, Eletronegatividade e questões sobre a
Tabela Periódica de modo geral.
A pesquisa foi realizada na E.E. Prof. Marcelo de Mesquita localizada na cidade
de Ipeúna/SP com duas turmas de alunos do 1º ano do Ensino Médio.
102
As turmas foram identificadas como Turma 1 e Turma 2.Ambas as Turmas
foram divididas em grupos para participarem do jogo. Antes de iniciar é importante que
o professor comunique todas as regras. Pois o conhecimento das regras do jogo poderá
evitar possíveis problemas durante a aplicação do mesmo.
O conteúdo do jogo havia sido trabalhado em sala de aula. Dessa forma os
alunos responderam a um questionário pré-jogo que teve como objetivo diagnosticar o
que haviam aprendido sobre Propriedades Periódicas e Tabela Periódica. O
Questionário pré-jogo, composto de quatro questões, as duas primeiras questões foram
feitas para saber o que o aluno sabia sobre a Tabela Periódica, já as outras duas questões
foram feitas no intuito de saber o que o aluno havia absorvido sobre o conteúdo de
Propriedades Periódicas.
Na sequência eles participaram do jogo, e com a atividade realizada, foi aplicado
outro questionário, para identificar possíveis mudanças nas concepções dos alunos antes
e após a participação na atividade. O questionário pós-jogo, no qual os dados foram
analisados na intenção de identificar de que forma a atividade ajudou os alunos na
interpretação e entendimento do conteúdo, foi composto por quatro questões, sendo
duas delas sobre Propriedades Periódicas (iguais a do questionário pré-jogo) e duas
sobre a atividade jogo - em si, sendo que apenas três das questões pós-jogo serão
exploradas neste artigo.
A análise não deve restringir-se ao que está explícito no material, mas deve-se
buscar a fundo mensagens implícitas, salientam Lukde e Andre (2012). Após a leitura
das respostas, estas foram agrupadas em diferentes categorias. Após esta categorização,
tabelas foram criadas para facilitar a identificação dos resultados dos dados coletados.
Resultados e discussões
A Tabela 1 apresenta os resultados das categorias elaboradas a partir das
respostas dos alunos. A primeira questão: “Como a Tabela Periódica está organizada?”
procurou identificar como os alunos entendem a organização da Tabela Periódica.
103
TABELA 1 - Respostas dos alunos para a questão 1 do questionário pré-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
Estrutural/Orientação (macro)
56,7
26,0
Classificação por grupo
20,0
40,7
Classificação Individual (micro)
23,3
33,3
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
De acordo com as respostas dadas pelos alunos a esta primeira questão, pode-se
verificar que a maioria dos alunos da turma 1 identificam a organização da Tabela de
forma geral, que categorizamos como estrutural ou orientação macro. Nesta categoria,
os alunos identificam a organização da Tabela Periódica em grupos e períodos. Outra
categoria de resposta identificada relaciona-se a uma classificação individual (micro).
Ou seja, estes identificaram a organização em número atômico, nome do elemento e
símbolo. Por fim, em menor porcentagem, temos a classificação categorizada como por
grupo, na qual os alunos relatam a organização de acordo com a classificação em
metais, não metais e gases nobres.
na turma 2, os valores se inverteram, de forma que a classificação com maior
destaque na turma foi a por grupo, em seguida a individual e por último a estrutura.
A questão 2: “Como você utiliza a Tabela Periódica?”, procurou identificar a
importância e a forma mais comum de utilização da Tabela Periódica pelos alunos
(Tabela 2).
TABELA 2 - Respostas dadas pelos alunos a questão 2 do questionário pré-jogo
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
37,0
42,4
55,6
53,8
7,4
3,8
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
104
Nesta questão, ambas as turmas destacaram os mesmos pontos como relevantes
para a utilização da Tabela Periódica. Pode-se observar que quando se trata da utilização
da Tabela Periódica os alunos têm a noção de que não a utilizam simplesmente pela
questão macro, ou seja, verificam grupos e períodos, mas veem as informações mais a
fundo, com destaque para a classificação individual do elemento. O aluno compreende
que utiliza a Tabela Periódica para identificar elementos, número atômico, massa
atômica, enfim, quando a utiliza, é para resgatar informações sobre os elementos. É
importante enfatizar que em ambas as salas existem alunos que ainda não sabem o
porquê da utilização da Tabela Periódica.
A questão 3: O que você entende por Propriedades Periódicas? buscou-se
identificar se o aluno conseguia associar informações sobre possíveis conteúdos que o
levassem ao entendimento sobre Propriedades Periódicas. (Tabela 3)
TABELA 3 - Respostas dadas pelos alunos a questão 3 do questionário pré-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
Informações gerais sobre Tabela Periódica
15,0
79,0
Aspectos conceituais sobre Propriedades Periódicas
70,0
10,5
Em Branco
15,0
10,5
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
A maioria dos alunos da turma 1 identificou aspectos relevantes sobre as
Propriedades Periódicas e poucos confundiram o que são Propriedades Periódicas com
informações contidas na Tabela Periódica, como por exemplo, o nome dos elementos. O
contrário ocorreu com a turma 2, onde poucos alunos responderam a pergunta com
informações gerais sobre a Tabela Periódica e não especificamente sobre as
Propriedades Periódicas da Tabela. Em ambas as turmas há alunos que não responderam
à questão.
Ainda é possível associar que a turma que tem uma visão predominantemente
macro da tabela é a que entende as Propriedades Periódicas mais facilmente, os que
enxergam as características dos elementos em predominância tiveram uma maior
105
dificuldade em definir o conceito de Propriedades Periódicas e por isso, destacaram as
informações contidas na Tabela Periódica sobre os elementos químicos.
A questão 4: Cite as Propriedades Periódicas que você conhece, tinha como
objetivo identificar quantas Propriedades Periódicas os alunos conheciam (Tabela 4).
TABELA 4 - Respostas dadas pelos alunos a questão 4 do questionário pré-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
1 |-----|2
25,0
16,7
3 |-----|4
60,0
16,7
Em Branco
0,0
11,1
Errado
15,0
55,5
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
A turma 1, como discutido anteriormente, explicou mais adequadamente o que é
uma Propriedade Periódica e foi também a turma que, na sua maioria, soube definir
quais as Propriedades que tinha conhecimento. a turma 2 que confundiu o termo
Propriedades Periódicas com as informações sobre os elementos representados na
Tabela Periódica, responderam a esta questão, mais precisamente com informações
sobre os elementos. Poucos foram os alunos que conseguiram citar o nome das
Propriedades estudadas.
Dando continuidade a análise dos resultados, a seguir apresenta-se a tabulação
das questões realizadas após a aplicação do jogo. Este questionário foi aplicado ao
término do jogo. Apresentaremos 2 questões das quais eram idênticas ao questionário
pré jogo e uma questão abordando a utilização de jogos em sala de aula.
A primeira questão, o que você entende por Propriedades periódicas?, foi feita
com o intuito de averiguar se houve alguma mudança no conceito apresentado pelos
alunos antes e após o jogo (Tabela 5).
106
TABELA 5 - Respostas dadas pelos alunos a questão 1 do questionário pós-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
Informações gerais sobre Tabela Periódica
31,6
33,3
Aspectos conceituais sobre Propriedades Periódicas
68,4
66,7
Em Branco
0,0
0,0
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
Na pergunta sobre o entendimento em relação às Propriedades Periódicas feita
após a aplicação do jogo, ambas as salas responderam a pergunta com aspectos
conceituais sobre as Propriedades, o que era o esperado. E merece destaque o fato de
que a partir da aplicação do jogo, nenhum aluno deixou de responder a questão, como
havia acontecido no questionário pré-jogo. E por volta de 30% dos alunos de cada
classe ainda apresentam a ideia de que Propriedades Periódicas são informações sobre
os elementos químicos que constituem a Tabela Periódica.
A segunda questão: Cite as Propriedades Periódicas que você conhece (Tabela 6)
também a mesma realizada no pré-jogo, foi feita para avaliar possíveis mudanças após o
uso do jogo em sala de aula.
TABELA 6 - Respostas dadas pelos alunos a questão 2 do questionário pós-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
1 |-----|2
15,0
0,0
3 |-----|4
80,0
88,9
Em Branco
0,0
0,0
Errado
5,0
11,1
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
107
Após a aplicação do jogo, a maioria dos alunos, de ambas as turmas,
responderam a questão citando de 3 a 4 Propriedades Periódicas, o que nos mostra a
aquisição de conhecimento após a participação no jogo. Nenhum aluno deixou de
responder a esta questão o que nos mostra que pelo menos ele se sentiu mais confiante
para pelo menos arriscar uma resposta. E ainda assim, tiveram alunos que não
conseguiram acertar nenhuma Propriedade.
A terceira questão: O que você achou do jogo utilizado em sala de aula?
Procurou averiguar o que os alunos pensam sobre a utilização de jogos durante as aulas
(Tabela 7).
TABELA 7 - Respostas dadas pelos alunos a questão 3 do questionário pós-jogo
Categoria
Frequência (%)
Turma 1
Turma 2
Diversão
46,9
39,1
Aprendizagem
34,4
60,9
Relação entre alunos
3,1
0,0
Regras
6,2
0,0
Dificuldades
9,3
0,0
Total
100
100
Fonte: Elaborada pelos autores
As respostas apresentadas pelos estudantes permitiram a criação de várias
categorias. Alguns alunos destacaram a diversão como o ponto de destaque do jogo,
resposta apresentada pela maioria dos alunos da turma 1. Na turma 2, a maioria dos
alunos viram o jogo como uma forma de aprendizagem.Alguns alunos também
ressaltaram as dificuldades encontradas no jogo, os problemas com as regras e ainda
ressaltaram a relação entre os alunos como algo positivo que o jogo proporcionou.
Considerações finais
O jogo não é uma ferramenta autossuficiente, uma vez que sem a condução
adequada por parte do professor este perde o sentido para os alunos e, neste jogo em
108
especial, a dinâmica é de fixação de conteúdo, ou seja, a ação mediadora do professor é
fundamental.
Este recurso didático motivou os alunos a participarem da aula e da atividade
proposta. Tiveram a oportunidade de desenvolver uma relação aluno-aluno privilegiada,
de forma que a interação entre os mesmos se deu positivamente durante o jogo e até
mesmo após o término da partida.
Sem dúvidas, a aula foi mais dinâmica e possibilitou o aprendizado de forma
diferenciada do método tradicional de ensino que é aplicado por grande parte dos
professores na maior parte do tempo na maioria dos conteúdos trabalhados. A utilização
de jogos didáticos não substitui a explicação do conteúdo pelo professor, o jogo pode
ser utilizado como uma atividade diversificada, ou seja, pode ser utilizado para
substituir uma lista de exercícios.
A atividade em grupo propiciou um maior entendimento pelos alunos de seus
erros e acertos, uma vez que este poderia discutir com os colegas para chegar a um
consenso sobre a resposta correta que deviam dar a pergunta. Toda esta interação
possibilitou um aprendizado maior e mais eficaz.
Em síntese o uso do jogo didático favoreceu a fixação do conteúdo estudado,
dinamizou a aula, acrescentou novos conceitos na aprendizagem dos alunos e favoreceu
a concentração, uma vez que tinham que prestar muita atenção para responder
corretamente a pergunta em um curto espaço de tempo, pois todos queriam ganhar a
competição, o espírito competidor foi evidente durante a aplicação da atividade.
Referências
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Perspectiva, 2007. p. 287.
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São Paulo: E.P.U., 2012. p. 128
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aprendizagem: produção e avaliação de software educativo. Campinas: Papirus, 2001.
p. 144.
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PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 1; JORNADA DE PRÁTICA DE ENSINO, 4.;
109
SEMANA DE PEDAGOGIADA, 13., 2007, Maringá. Anais [...]. Maringá, PR: UEM,
2007. p. 110-114.
110
Educação Infantil e Ensino Fundamental: apresentando alguns estudos defendidos
entre 2005 e 2015
Caroline RANIRO
Sílvia Regina Ricco LUCATO SIGOLO
Introdução
A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 vem sofrendo
alterações significativas nos últimos anos, e os impactos delas vêm atingindo
principalmente os últimos anos da Educação Infantil e os primeiros anos do Ensino
Fundamental. Em maio de 2005 foi sancionada a Lei 11.114, que alterou a idade de
matrícula das crianças (de sete para seis anos) no Ensino Fundamental, mas manteve a
exigência de duração mínima deste em oito anos letivos. no ano seguinte, 2006, é
promulgada uma nova Lei, a 11.274, que manteve então a matrícula no Ensino
Fundamental aos seis anos de idade, porém ampliou a duração deste nível de ensino
para nove anos (meta já instituída pelo Plano Nacional de Educação aprovado em 2001).
Tal Lei ainda garantiu ao Poder Público um prazo que ia até 2010 para sua
implementação pelos municípios, estados e Distrito Federal (BRASIL, 1996; 2001;
2005; 2006).
Passados apenas três anos deste prazo o governo sanciona uma nova lei em abril
de 2013: a lei 12.796 que ajusta a LDB, em alguns aspectos, inclusive ao que
estava preconizado na Emenda Constitucional (EC) 59, de novembro de 2009, que
tornou obrigatória a oferta gratuita de educação básica a partir dos quatro anos de idade,
pelo inciso I do artigo 208 da Constituição da República Federativa do Brasil.
(BRASIL, 1988). Essas leis, por força de determinação delas mesmas ou por adequação
das próprias unidades escolares, incitam repensarmos a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental em aspectos que pareciam consolidados, como espaço físico, materiais,
corpo docente, propostas pedagógicas e outros elementos que vêm sendo alvo de
preocupação de pesquisadores, profissionais da educação e familiares das crianças em
idade escolar.
Essas medidas incitam entre a literatura posicionamentos diversos em relação ao
atendimento às crianças pequenas na escola. Saveli (2008) relata que pesquisas
111
educacionais têm mostrado que as crianças que iniciam a escolarização mais cedo são
mais bem-sucedidas no processo de aprendizagem. Campos et al. (2011), diz que a
criança se beneficia com o acesso à Educação Infantil, sobretudo àquelas mais pobres.
Nicolau (2007) demonstra certa preocupação ao indicar que há o risco de as crianças
pequenas perderem experiências culturais significativas como a exploração de
linguagens expressivas e Ludicidade e Campos (2007) alerta para o risco de a Educação
Infantil assumir posições extremas: forçar a alfabetização precocemente ou alimentar
uma visão que rejeite qualquer programação que inclua material escrito.
Kramer (2006, p. 810) acredita que o planejamento e o acompanhamento
daqueles que atuam tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental deve
considerar “a singularidade das ações infantis e o direito à brincadeira, à produção
cultural, [...] Isso significa que as crianças devem ser atendidas nas suas necessidades (a
de aprender e a de brincar)”. Ela ainda reitera que é preciso olhar para as crianças como
crianças e não somente como alunos. Mas o que de fato vem acontecendo nas escolas de
Educação Infantil e Ensino Fundamental? Esse foi o questionamento principal que
motivou este trabalho, que teve por objetivo realizar um levantamento de estudos que se
preocuparam em analisar aspectos particulares da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental – comparando os dados para as duas esferas de ensino.
Descrição do desenvolvimento do trabalho
Foi realizado um levantamento bibliográfico de teses e dissertações a partir da
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações - por títulos e resumos dos
trabalhos de Doutorado e Mestrado defendidos entre os anos de 2005 a 2015. Foi
utilizado o descritor “educação infantil; ensino fundamental” (com espaço entre as
expressões) primeiramente no campo “assunto” e depois no campo “título”. Para o
campo “assunto” foram encontrados 29 títulos e para o campo “título” foram
encontrados 34 títulos, portanto, este último é o que foi considerado. Ao ler os títulos,
foi verificada duplicação de sete deles; portanto o número exato de trabalhos entre
dissertações e teses foi de 27.
Foram lidos todos os resumos e descartados aqueles que apresentavam questões
que se referem particularmente à formação de professores (5); disciplinas específicas
como educação física, música, ensino religioso, leitura e escrita e outras (5); gênero,
representações e relações sociais (4); exclusivamente primeiro ano ou ensino
112
fundamental de nove anos (3); exclusivamente educação infantil (1); ambiente virtual de
aprendizagem (1); linguagem oral (1) e currículo (1). Restaram seis trabalhos que
trataram de particularidades destes dois níveis de ensino, apresentando temáticas como:
expectativas e sentimentos, continuidades e descontinuidades, prescrições legais e
pressupostos organizacionais, práticas pedagógicas e outras. Os trabalhos foram lidos e
relidos na íntegra e categorizados por repetições, padrões ou porque apresentaram
singularidades ou não (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Das pesquisas consideradas para
este estudo, têm-se:
Três dissertações de mestrado: Teixeira (2008) da Universidade de São
Paulo (USP); Barros (2008) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Martinati
(2012) da Pontifícia Universidade Católica (PUC).
Três teses de doutorado: Aguilar (2011) da USP; Mascioli (2012) da
UNESP; Marcondes (2012) da UNESP.
Resultados obtidos
Destas seis pesquisas, quatro se ocuparam em analisar aspectos relacionados à
transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental (TEIXEIRA, 2008;
AGUILAR, 2011; MARCONDES, 2012; MARTINATI, 2012) uma se preocupou em
verificar aspectos relacionados à brincadeira (BARROS, 2008) e uma verificou as
relações entre prescrições legais, pressupostos organizacionais e práticas pedagógicas
(MASCIOLI, 2012). Todos os trabalhos coletaram dados tanto na Educação Infantil
quanto no Ensino Fundamental - percorrendo, portanto, os pesquisadores, as duas
esferas de ensino ao longo da pesquisa.
Fundamentação teórica
Dos pressupostos teóricos, a maioria dos trabalhos quatro deles - adotou a
perspectiva histórico-cultural como teoria central (BARROS, 2008; TEIXEIRA, 2008;
MASCIOLI, 2012; MARTINATI, 2012). Aguilar (2011) adota fundamentação em
Nietzsche, Foucault, Deleuze e Guattari, e Marcondes (2012) adota a perspectiva
bioecológica de Bronfenbrenner e a Sociologia da Infância.
113
Tipo de estudo
Todos os estudos são de natureza qualitativa e as pesquisas aconteceram em
escolas diferentes para Educação Infantil e Ensino Fundamental, exceto para Aguilar
(2011), pois o último ano da Educação Infantil era no mesmo prédio do Ensino
Fundamental. Teixeira (2008) e Barros (2008) alegaram uma abordagem etnográfica e
Mascioli (2012) ainda realizou uma pesquisa bibliográfica e documental.
Objetivos
Teixeira (2008) teve como objetivo identificar e mapear os sentidos que pode ter
para a criança sua forma de interagir com a escola no momento de transição de um nível
de escolaridade a outro. Barros (2008) se preocupou em verificar se a brincadeira ia
diminuindo para as crianças na medida em que elas avançavam na escolaridade. Aguilar
(2011) teve o objetivo de compreender como se a produção da subjetividade infantil
por meio das relações entre os corpos nas situações de educação formal. A pesquisa de
Martinati (2012) teve como objetivo analisar a passagem da Educação Infantil para o
Ensino Fundamental. O trabalho de Mascioli (2012) teve como objetivo verificar quais
as correlações entre as prescrições legais, os pressupostos organizacionais e as práticas
pedagógicas existentes nas escolas diante da ampliação do Ensino Fundamental para
nove anos e contrapor essas fontes com o olhar dos participantes. Marcondes (2012)
teve como objetivo compreender continuidades e descontinuidades presentes na
organização e nas práticas pedagógicas no momento de transição da Educação Infantil
para o Ensino Fundamental de nove anos e como estas são vivenciadas e percebidas
pelos suj
eitos pesquisados.
Método de coleta e análise
Todas as pesquisas valeram-se de observação. Cinco delas (TEIXEIRA, 2008;
BARROS, 2008; MASCIOLI, 2012; MARCONDES, 2012; MARTINATI, 2012) ainda
realizaram entrevistas individuais e/ou em pequenos grupos. Martinati (2012) e
Mascioli (2012) ainda utilizaram questionários e documentos da escola.
114
Participantes
Em todas as pesquisas participaram crianças e professoras das crianças. No caso
de Teixeira (2008), Barros (2008) e Mascioli (2012), a pesquisa ainda contemplou
outros profissionais da escola, e no caso de Marcondes (2012) os familiares das crianças
também foram sujeitos de pesquisa.
Principais Resultados
Após a triangulação dos dados, conclui-se que embora os trabalhos considerem
tanto Educação Infantil quanto Ensino Fundamental, a maior preocupação na análise
dos dados é voltada para o Ensino Fundamental e no comparativo entre as duas esferas
– talvez porque no momento da coleta de dados ainda emergia a questão do ingresso aos
seis anos no primeiro ano. Em geral, tem-se para:
Educação Infantil:
Barros (2008) relatou que há uma preocupação, na atualidade, em preparar as
crianças da Educação Infantil para o acesso ao Ensino Fundamental e isso as ocupa com
tarefas que visem à alfabetização dos pequenos estudantes ainda na pré-escola, portanto
o processo de escolarização das crianças vem ocorrendo desde a Educação Infantil, a
partir de uma concepção aliada aos interesses das classes e reforçada por documentos
oficiais e, sobretudo a partir do material pedagógico, configurado como apostilas.
Professores e coordenadores demonstram preocupação no cumprimento das apostilas e
crianças parecem reprimidas e demonstram cansaço em função deste fator. Aguilar
(2011) ainda verificou pouca mobilidade das crianças na sala de aula e o espaço para o
movimento era limitado, uma vez que nem se tinham aulas de Educação Física neste
contexto. Em Barros (2008) estas aulas aconteciam, embora a pesquisadora não tenha
visto nenhuma acontecer.
Ensino Fundamental:
Para Teixeira (2008), Martinati (2012) e Marcondes (2012) o primeiro ano do
Ensino Fundamental apresentou exigências e práticas pedagógicas mais diretivas, foco
para aprendizagem da língua escrita, tempo diminuído para brincadeiras e parque
(quando na escola) e o direito de viver a infância em todas as suas peculiaridades
parece ficar mais limitado. Mascioli (2012) averigua que no Ensino Fundamental,
leitura e escrita pareceram ser explorados de forma descontextualizada, com a aplicação
de atividades cansativas e chamando atenção para alunos que apresentam dificuldades.
115
Barros (2008) constatou inclusive a realização de um simulado no primeiro ano para
checar os conhecimentos das crianças.
Em Aguilar (2011), a disposição física das crianças na sala era alterada quase
que diariamente. Na pesquisa de Martinati (2012), embora ela tenha constatado que as
crianças do primeiro ano se sentavam em duplas, afirmou que isso não garantia a
interação entre os pares. Mascioli (2012) acredita que a escola de Ensino Fundamental
precisa ampliar seu universo de conhecimento científico e incorporar em suas propostas
atividades lúdicas, corporais e artísticas, se apropriando de habilidades fundamentais à
formação humana dos alunos - principalmente porque passou a receber crianças de seis
anos, tornando claro que a infância também não termina aos sete anos. Ela considera
importante que a escola possibilite um trabalho que explore múltiplas expressões dos
alunos e que não seja exclusivamente definido pelo professor. Para Teixeira (2008),
Martinati (2012) e Marcondes (2012) as crianças pareceram se adaptar ao primeiro ano
onde a marca de aluno vai se fazendo presente, tolerando o que lhes parece negativo, se
esforçando para se adaptar ao novo modelo e apresentando estratégias de resistência ou
também transgressões criativas, para que essa experiência no primeiro ano seja de
sucesso. Os alunos vão criando novos sentidos para as atividades propostas e
apropriaram-se das atividades, mesmo às vezes tendo que atribuir outro significado a
elas.
Os estudos de Teixeira (2008) e Martinati (2012) apresentaram mais um ponto
em comum: a satisfação das crianças em frequentar o Ensino Fundamental. Na pesquisa
de Teixeira (2008), as crianças se mostraram muito contentes com o novo ambiente e
não evocaram saudades da Educação Infantil. A pesquisadora acredita que isso se deve
talvez a três fatores: o status a que conferem à escola de primeiro ano; a experiência da
escola anterior não ter sido considerada como positiva pelas crianças e o significado
intenso que tem a vivência cotidiana da criança com os colegas. Em Martinati (2012),
embora a adaptação à nova escola não tenha sido tão fácil, todas as crianças disseram
preferir ir para o Ensino Fundamental a ficar na Educação Infantil, mesmo ressaltando
que gostariam de poder levar o parque e os brinquedos com elas. Quando questionadas
sobre o que sentiram mais saudades na pré-escola, responderam que era de brincar.
Intercontextos: Educação Infantil e Ensino Fundamental:
Em Aguilar (2011), o controle dos corpos, a captura de fugas, o controle de cada
parte do corpo e a higiene pareceu semelhante nas duas esferas: as professoras proferem
palavras de ordem para que as crianças conduzam seus corpos como esperado por elas,
116
tentam capturar fugas das crianças as trazendo para execução das tarefas e controlam
partes do corpo e higiene as crianças têm que lavar as mãos, sentar direito, ter bons
modos. As professoras ainda exercem o controle da fala, solicitando silencio
permanentemente e impedimento de contato físico entre as crianças. As crianças
também não são livres para organizar seus objetos como desejam. Ela verificou ainda
que para ambos os níveis de ensino não aceitação para “o erro”. Ameaça e castigo
também são utilizados pelas professoras, além de grito e palmas para exercerem o
controle das turmas. Organização em fila, premiação para “bons alunos” e separação por
gênero também foram constatadas. controle, falta de autonomia, empenho pela
eficiência e intrigas principalmente pelas meninas. Conversas e movimentos constantes,
contato físico em filas e choro também foram comuns para as duas turmas. Em relação
ao recreio surgiram particularidades entre os grupos: aconteceu de as crianças ficarem
só, se movimentarem pouco ou bastante. Para as duas turmas, não houve atividade
pedagógica e direcionada que retratasse a brincadeira, ou atividades relacionadas à
produção ou criatividade. Não foram observadas atividades envolvendo arte (que não
desenho) e as atividades eram em folhas ou cópia da lousa para os dois casos.
Barros (2008) constata que no Ensino Fundamental as crianças acabam tendo até
mais espaço temporal e físico para brincar do que na Educação Infantil mesmo as
crianças menores tendo demostrado necessidade e desejo por esta prática. Na Educação
Infantil é permitido levar brinquedos apenas uma vez na semana, enquanto que no
Ensino Fundamental esse acesso é permitido diariamente. Embora para esse nível de
ensino não haja parque, as crianças brincam todos os dias no pátio da escola, enquanto
que no nível anterior as crianças vão ao parque esporadicamente. Aguilar (2011) diz que
na situação de recreio também verificou mais mobilidade para as crianças do Ensino
Fundamental do que do Infantil. Marcondes (2012) verificou que na Educação Infantil o
tempo dedicado à brincadeira era maior do que no Ensino Fundamental.
Em relação aos espaços, para Marcondes (2012) a Educação Infantil apresentava
uma estrutura adaptada mais adequada para receber as crianças do que a observada no
Ensino Fundamental.
Em relação à ordem e disciplina, as crianças da Educação Infantil, em Aguilar
(2011), pareceram mais organizadas do que as do Ensino Fundamental. Para Barros
(2008), as crianças do Infantil não podiam conversar livremente e andar pela sala, no
Ensino Fundamental essas condições eram mais respeitadas.
117
Mascioli (2012) concluiu que um descompasso entre pressupostos
organizacionais e práticas pedagógicas às prescrições legais nacionais e municipais
tanto para Educação Infantil quanto para Ensino Fundamental: parece ter aumentado o
grau de exigência e produtividade, principalmente para escrita nas duas esferas de
ensino atingindo as crianças cada vez mais cedo. Barros (2008) e Aguilar (2011)
corroboram, pois constatam um ensino voltado à escolaridade para as duas esferas e
raramente com caráter lúdico ou relacionado às artes e expressão. Marcondes (2012)
indica que é preciso que ambos ambientes repensem suas práticas para que não se
adiantem conteúdos próprios de níveis de ensino mais elaborados.
Em relação ao período de preparação para transição da Educação Infantil para o
Ensino Fundamental, Martinati (2012) constata que nenhum projeto pedagógico
analisado fez menção a isso. Na Educação Infantil esse tema foi motivo de diálogo entre
professora e alunos por duas vezes. No Ensino Fundamental, ações relativas à adaptação
das crianças no ambiente ocorreram apenas nos dois primeiros dias de aula. Marcondes
(2012) indica esse período como gerador de um conflito de sentimentos: uma mistura de
desejo e medo.
Considerações finais
Em geral, conclui-se que particularidades e similaridades que marcam a
Educação Infantil e Ensino Fundamental. Não políticas efetivas nos municípios ou
escolas que busquem promover continuidade de ações e propostas ou integração mais
adequada entre os níveis de ensino.
A leitura permitiu a reflexão sobre como está se configurando o trabalho com as
crianças matriculadas na Educação Infantil e, sobretudo, no Ensino Fundamental e
indicações do que ainda por ser investigado na área, dada à importância em se
estudar a infância dentro do ambiente escolar na atualidade uma vez que as crianças
estão sendo matriculadas na escola cada vez mais cedo no contexto brasileiro.
REFERÊNCIAS
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Educação Infantil para o Ensino Fundamental. 2011. Tese (Doutorado) - Universidade
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e dá outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 de jan. 2001.
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Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 maio 2005.
BRASIL. Lei n. 11.274, 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e
87 da Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o Ensino
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Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 3, n. 1, p. 67-72, jan./jun. 2008.
TEIXEIRA, T. C. F. Da Educação Infantil ao Ensino Fundamental: com a palavra, a
criança. 2008. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, 2008.
120
O ensino de Estatística no Ensino Fundamental I: uma proposta para superar as
orientações da Matriz de Referência da Prova Brasil
Maria Aparecida MIRANDA
Elaine Sampaio ARAÚJO
Introdução
O Estado brasileiro, alicerçado em organismos internacionais e multilaterais, tais
como Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Banco Mundial (BM), formula e
implementa a criação de Parâmetros Curriculares Nacionais, de judicioso domínio
editorial, fomentando um novo modelo de encaminhamento pedagógico e educativo.
Assim, os princípios e diretrizes são difundidos em todo o território nacional, na
tentativa de viabilizar os padrões do que seria a educação necessária para os brasileiros
(FREITAS, 2007, p. 106).
O propósito do Ministério da Educação ao colocar os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) nos anos de 1997 nas mãos dos professores foi de “apontar metas de
qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo,
reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL, 1997, p. 5).
Podemos observar que mediante o compartilhamento, pelo governo federal, dos
parâmetros as intenções descortinadas sugeriram que eles serviriam de referencial para
o trabalho docente, impulsionando discussões pedagógicas, elaboração de projetos
educativos e promoção de reflexões sobre organização do ensino no interior das
unidades escolares.
Apesar de os PCN estarem com quase vinte anos de publicação, e muitas
transformações socioeconômicas terem acontecido, o que provocam um novo olhar para
o interior das escolas, o Brasil, por meio de políticas públicas, não reorganizou ou
organizou outro texto norteador oficial de ampla divulgação.
Paralelamente ao movimento de consolidação dos parâmetros nas escolas, no
Instituto Nacional de Pedagogia atual Inep - avançava as discussões em torno da
implementação nacional das avaliações em larga escala, sob as argumentações de que as
apreciações externas à escola seriam recursos que forneceriam informações numéricas
121
das escolas, que demonstrariam o trabalho escolar, a ação dos professores e gestores e a
quantificação dos saberes dos estudantes.
Apesar de a estratégia estatal de educação básica no Brasil não ser inaugurada
nos anos de 1990, essa década marca um período em que o governo central fortaleceu a
construção do complexo de “regulação-avaliação-informação”, segundo Freitas (2007),
pois ela foi inicialmente marcada pela criação do Sistema de Avaliação da educação
Básica (Saeb).
Atualmente:
O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) é composto por
um conjunto de avaliações externas em larga escala. Seu objetivo é
realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro e de alguns
fatores que possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo
um indicativo sobre a qualidade do ensino que é ofertado. As
informações produzidas visam subsidiar a formulação, reformulação e
o monitoramento das políticas na área educacional nas esferas
municipal, estadual e federal, contribuindo para a melhoria da
qualidade, equidade e eficiência do ensino (INEP, 2013).
Segundo o Saeb (BRASIL, 2005), em seu texto oficial, a primeira aplicação de
avaliação externa aconteceu em 1990, com a participação de escolas públicas que
ofereciam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries do ensino fundamental, por amostragem. As disciplinas
investigadas foram Língua Portuguesa, Matemática e Ciências.
Em 2005, o Saeb foi reestruturado pela Portaria Ministerial 931, de 21 de
março de 2005, passando a ser composto por duas avaliações: Aneb e Anresc,
conhecida como Prova Brasil.
A Prova Brasil foi idealizada para atender à demanda dos gestores públicos,
educadores, pesquisadores e da sociedade em geral por informações sobre o ensino
oferecido em cada município e escola. O objetivo da avaliação é auxiliar os governantes
nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, assim como a
comunidade escolar, no estabelecimento de metas e na implantação de ações
pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino (INEP,
2013).
Com a aplicação da Prova Brasil, o Governo Federal, por meio do Ministério da
Educação, lançou em 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
O PDE/Prova Brasil (BRASIL, 2008) traz em seu texto de apresentação a ênfase
“Prova Brasil e o direito ao aprendizado” como forma de nos convencer que a avaliação
constitui um elemento de fortalecimento e de garantia à aprendizagem dos estudantes.
122
Mediante a sua aplicação adviriam os resultados, levando as instituições escolares a
reformular suas questões pedagógicas, dado que, segundo eles, “só com a construção e a
disseminação desse tipo de interpretação pedagógica, a Prova Brasil poderá influenciar
mais decisivamente o ensino” (BRASIL, 2008, p. 8).
Podemos observar que, de forma direta, a Prova Brasil chega às escolas com
intenções definidas. Sua aplicação produz resultados que devem ser analisados e
refletidos pelos professores no que diz respeito à sua prática pedagógica –, gestores e
toda comunidade escolar, visto que todo o processo de construção de conhecimento dos
alunos deve ser (re) organizado.
Entretanto, parece-nos que essa realidade está, ainda, longe de ser alcançada e
suspeitamos da legitimidade de seus propósitos. Afinal, em um país com problemas
crônicos na educação, como é o caso do Brasil, qualquer medida com a justificativa de
melhorar a qualidade do ensino, a princípio, seria bem-vinda. A questão é que por trás
desse pretexto se agregam outros interesses, como o atendimento a um projeto político
educacional gerenciado por organismos internacionais.
O bloco Tratamento da Informação chama a atenção como àquele com menor
quantidade de conteúdos, aparecendo por último na sequência de leitura dos grupos de
conteúdos dos PCN. Essa organização constitui um problema para o ensino desse
conteúdo? Outras perguntas surgem: será que a ordem em que aparecem os blocos, se
alterada, mudaria os problemas que permeiam o ensino de Matemática? E em relação à
Estatística?
Se a Estatística é uma ciência tão antiga como o próprio homem e foi ela que
serviu de base discursiva para a implementação das avaliações externas, dada à
eficiência do seu método, nos parece relevante pensar numa organização de ensino que
supere a ideia da Estatística como um ramo ou parte da Matemática, mas que as revele
numa relação de interdependência.
Diante do exposto, pareceu-nos relevante analisar as relações existentes entre os
objetivos educacionais presentes no bloco Tratamento da Informação, nos PCN e os
descritores presentes na Matriz de Referência, na Prova Brasil, no entendimento de que
estes documentos podem estar sendo utilizados como ferramentas pedagógicas de
organização de ensino.
123
Entre os PCN, a Prova Brasil e a Matriz de Referência
Existe uma relação direta, presente nos documentos, entre a Prova Brasil e os
PCN, no que diz respeito aos objetivos de Matemática para o primeiro e segundo ciclos
e a Matriz de Referência de Avaliação. Todavia, vale ressaltar que existem diferenças
entre uma Matriz Curricular e uma Matriz de Referência de Avaliação. Pode-se dizer
que a primeira dá suporte e subsidia a segunda.
Segundo as orientações do Saeb:
A Matriz Curricular direciona o currículo de uma instituição de
ensino, leva em conta as concepções de ensino e aprendizagem da área
e apresenta: objetivos, conteúdos, metodologias e processos de
avaliação.
A Matriz de Referência de Avaliação também leva em conta as
concepções de ensino e aprendizagem da área, mas é composta apenas
por um conjunto delimitado de habilidades e competências definidas
em unidades de Descritores que, no caso da Matemática, estão
agrupados por bloco de conteúdos (INEP, 2009, p. 14).
Ao fazer o recorte da Matriz Curricular, pode-se ter a ideia de que se estabeleceu
uma ordem prática e que os “melhores”, ou os conteúdos considerados de “maior
relevância”, foram selecionados. Mas esse critério, de certo modo, fragmenta, separa
aspectos conceituais matemáticos que estão intimamente ligados e impacta nos modos
de ensino.
O documento do Saeb defende que a Matriz Curricular é prescritiva e a Matriz
de Referência de Avalição é de caráter descritivo, delimitando o que vai ser avaliado, e,
para tanto, não “deve direcionar o ensino” (INEP, 2009, p. 14). Todavia, as emergências
da rotina escolar podem suscitar que somente os conjuntos isolados dos conteúdos
matemáticos tenham relevância no momento de ensinar ou de organizar o ensino.
Compreende-se que não é possível incorporar a totalidade de conceitos
matemáticos na proposta pedagógica, mas, dada a vasta dimensão do território nacional,
as orientações deveriam explorar e suscitar a necessidade de uma cuidadosa observação
dos fatos, das peculiaridades locais, das necessidades e particularidades dos alunos e
escolas, para direcionar as dimensões do que será ensinado.
Na Matriz de Referência de Matemática - Saeb/Prova Brasil (INEP, 2002; 2009),
encontra-se o direcionamento para a construção dos itens de avaliação da prova. Os
descritores dessa matriz foram formulados com base nos PCN para o ensino de
Matemática.
124
Os descritores procuram “descrever algumas habilidades matemáticas que serão
priorizadas na avaliação” (INEP, 2009, p. 18). A Matriz de Referência em Avaliação de
série/5º ano é composta por 28 descritores de desempenho. Fazem parte do bloco
Tratamento da Informação apenas os dois últimos, D27 e D28. Nota-se que, mesmo sem
a intencionalidade, por estarem “isolados”, elencados no final, parecem ganhar menos
importância.
Faz-se necessário dar atenção ao que chamamos de “isolado”, conceito
explorado por Caraça (2010) no estudo matemático das leis naturais, ao discutir as duas
características fundamentais da Ciência.
Ciência, segundo o autor, representa o resultado das ações humanas, acumuladas
e construídas lentamente, em virtude de sua luta para sobreviver, na relação dialética
com a natureza, na ação de observar e estudar seus fenômenos, procurando suas causas
e encadeamentos.
Caraça (2010, p. 102) considera que a Ciência é “um maravilhoso instrumento
humano, instrumento de luta, sempre incompleto, constantemente aperfeiçoado”, com
duas características fundamentais:
Interdependência: todas as coisas estão relacionadas umas com as
outras; o Mundo, toda essa Realidade em que estamos mergulhados é
um organismo vivo, uno, cujos compartimentos comunicam e
participam, todos, da vida um dos outros.
Fluência: o Mundo está em permanente evolução; todas as coisas, a
todo o momento, se transformam, tudo flui, tudo devém (CARAÇA,
2010, p. 103).
Ao considerarmos as concepções de Caraça concomitantemente às
características da Matriz Curricular de Matemática que na sua dimensão conceitual
“baseia-se no desenvolvimento de noções e conceitos que permitem abarcar ideias
matemáticas importantes e permite que se estabeleçam conexões importantes em outros
contextos” (INEP, 2009, p. 15), observamos como as compreensões se diferenciam: na
matriz percebe-se a não interdependência entre as relações aritméticas, algébricas e
geométricas nos princípios matemáticos de seus conteúdos, ao passo que a
interdependência é uma das bases do pensamento científico de Caraça.
Selecionar os conteúdos dos conceitos matemáticos e estatísticos, de acordo com
as características da “interdependência e fluência”, apresenta, de fato, alguma
dificuldade. Trazemos a nossa atenção para a análise dos itens da Prova Brasil, no eixo
125
Tratamento da Informação, na tentativa de estabelecer a relação entre os conteúdos,
conceitos matemático-estatísticos e princípios teórico-didáticos.
O Tratamento da Informação será o “isolado”, ou seja, o recorte da Matriz de
Referência, que por sua vez é recorte da Matriz Curricular, visto que, segundo Caraça
(2010, p. 105):
Na impossibilidade de abraçar, num único golpe, a totalidade do
Universo, o observador recorta, destaca dessa totalidade, um conjunto
de seres e factos, abstraindo de todos os outros que com eles estão
relacionados.
Isolado é, portanto, uma secção da realidade, nela recortada
arbitrariamente.
Não a intenção de afastar esse bloco dos outros, mas sim buscar nele
possíveis compreensões que possibilitem a interdependência que flui nas relações
algébricas, aritméticas e geométricas que emergem dos conteúdos estatísticos, não só da
Matriz Curricular, como também das observações dos fatos e fenômenos do método
estatístico.
Nesse sentido, observar a disposição dos conteúdos nos documentos norteadores
revela-se importante, pois eles dão indicativos do trabalho em sala de aula.
Inicialmente, salientamos os objetivos de ensino de Matemática para o primeiro
e segundo ciclos apresentados nos PCN e, em seguida, os descritores da Matriz de
Referência da Avaliação:
Objetivos de Matemática para o primeiro ciclo: [...]
- Identificar o uso de tabela e gráficos para facilitar a leitura e
interpretação de informações e construir formas pessoais de registro
para comunicar informações coletadas (BRASIL, 1997, p. 47).
Objetivos de Matemática para o segundo ciclo: [...]
- Recolher dados e informações, elaborar formas para organizá-los e
expressá-los, interpretar dados apresentados sob forma de tabelas e
gráficos e valorizar essa linguagem como forma de comunicação,
- Utilizar diferentes registros gráficos desenhos, esquemas, escritas
numéricas como recurso para expressar ideias, ajudar a descobrir
formas de resolução e comunicar estratégias e resultados,
- Identificar características de acontecimentos previsíveis ou aleatórios
a partir de situações-problema, utilizando recursos estatísticos e
probabilísticos (BRASIL, 1997, p. 56).
Os descritores são elaborados mediante os objetivos citados anteriormente, sob a
justificativa de que permite a elaboração de itens “que envolvam alguns conceitos
estruturadores da matemática”, os descritores são:
126
D27: Ler informações de dados apresentados em tabelas.
D28: Ler informações e dados apresentados em gráficos
(particularmente em gráficos de colunas) (INEP, 2009, p. 19).
Nas orientações, os comentários referentes aos descritores indicam que eles são
detalhamentos de uma “habilidade cognitiva” (com graus de complexidade); sempre
associados a um conteúdo referente à etapa de ensino avaliada, sobre a qual os
estudantes devem demonstrar compreensão e domínio.
Com o exemplo da Figura 1, extraído do PDE (2008), vamos ao quadro 1, buscar
o detalhamento dos pressupostos teóricos incorporados nas orientações metodológicas
para os descritores em relação á Teoria Histórico-Cultural, na intenção de propor uma
organização de ensino para os conceitos estatísticos, não mais Tratamento da
Informação.
Figura 1- Modelo de Item
Fonte: PDE (2008, p. 148)
127
Quadro 1: Análise teórica e metodológica
D 27: Ler informações e
dados apresentados em
tabelas
Habilidade que se
pretendia avaliar
O que o resultado
sugeriu aos
organizadores
Sugestões dadas para
organizar o ensino
PDE
De o aluno ler, analisar
e interpretar
informações e dados
apresentados em
tabelas.
Habilidades quando
utilizadas pelo sujeito,
tornam suas ações
observáveis, são
características
individuais, pessoais,
estabelecidas pelas
relações do desejo de
conhecer o novo e tem
utilidade imediata.
22% - A
24% - B
18% - C
27% - D
Para os alunos que
indicaram as
alternativas erradas diz-
se que os alunos ou não
entenderam o enunciado
ou tiveram dificuldades
de interpretar e
identificar o dado
solicitado na tabela ou
responderam ao acaso.
O professor pode
sugerir aos alunos a
elaboração de tabelas
sobre a preferencia em
relação a times de
futebol ou em relação a
outro esporte. Pode,
ainda, organizar tabelas
com dados dos alunos,
idade, massa, estatura,
etc., para que as
crianças possam
acompanhar o próprio
desenvolvimento
durante o ano letivo.
Pode também trazer
para a sala de aula
dados publicados em
jornais e discutir com os
alunos a interpretação
deles.
Teoria Histórico-
Cultural
Pressupostos: Advindo
do materialismo
histórico dialético de
Marx, norteador da
busca por resposta aos
nossos
questionamentos, foi a
centralidade do
trabalho, atividade
humana por excelência,
no processo de
humanização dos
homens e na
constituição do seu
psiquismo. Para Marx,
por meio do trabalho o
homem transforma a
natureza e se
autoproduz (ASBAHR,
2005, p. 15).
Tal concepção difere
do saber entendido
como uma construção
social e histórica,
construído pelo sujeito
no ato de fazer de
forma cooperativa e
coletiva, com as
interpretações sendo
realizadas uns com os
outros (MOURA,1996).
O aluno, ao construir
seu conhecimento
individual, deve
compreender o
significado social do
conhecimento
produzido histórica e
coletivamente,
apreendendo que os
significados já estão
dados devido às
produções humanas e
atribuindo um sentido
pessoal a esse
conhecimento.
Habilidades são
características
psicológicas da
consciência
(LEONTIEV, 1964, p.
98)
Os estudantes, no
momento da discussão
em sala de aula do item
indicado anteriormente,
poderão observar no
D27 uma sequencia
numérica, conteúdo
relacionado aos
conjuntos numéricos.
Para observar
sequências numéricas e
comparar números, os
dados não precisariam
necessariamente estar
escritos num formato de
tabela, principalmente
se a organização do
ensino estiver voltada
ao desenvolvimento do
pensamento teórico em
Estatística.
O pensamento teórico é
uma forma de
conhecimento
convertido em
instrumento psicológico
(ação mental) que
possibilita, por sua vez,
lidar com outros
conhecimentos
(ARAUJO, 2010, p. 2).
O saber cotidiano, dada
a sua objetividade
prática e imediata, não
está sendo entendido
como elemento
norteador para se
trabalhar conceitos
escolares, na medida
em que estes
apresentam uma lógica
interna que não é
regida pelo caráter
utilitário presente no
cotidiano
(GIARDINETTO, 1999,
p. 9).
Cabe à escola a tarefa
de extrapolar os
conhecimentos que
delineiam o cotidiano,
dado que “a escola,
entre outras coisas,
garante, via
instrumentos
conceituais, as
ferramentas básicas,
imprescindíveis para a
perpetuação da
produção científica”
(GIARDINETTO, 1999,
p. 10).
Fonte: PDE (2008, p. 148-150) – adaptado pelas autoras
128
Vimos, diante do exposto, a necessidade de repensar a organização do ensino de
Estatística. Tomamos como objeto de estudo a avaliação externa Prova Brasil de
Matemática 2009 e o seu bloco de conteúdo Tratamento da Informação, dada a sua
abrangência acontece em todo o território nacional, atingindo praticamente todos os
estudantes brasileiros e o fato de as escolas (seus gestores e professores) utilizarem os
documentos orientadores e prescritivos recebidos do Inep como ferramenta pedagógica,
para promoverem práticas didáticas em salas de aula.
Entendemos que a essência dos conceitos está atrelada à busca de soluções,
numa articulação entre o lógico e o histórico. Os aspectos históricos da Estatística
associam-se ao aspecto lógico no processo de conhecimento dos seus objetos de estudo,
e é nessa unidade dialética que os conhecimentos estatísticos são possíveis.
O estudo da história do desenvolvimento dos objetos estatísticos cria premissas
indispensáveis para a compreensão de sua essência, isso porque, ao nos apropriarmos da
história da Estatística (não a que revela fatos), vamos retomar, mais uma vez, definições
de sua essência. Assim, torna-se possível fazer correções, completar e desenvolver os
conceitos estatísticos que a expressam. A teoria do objeto Estatística a chave do
estudo da sua história, na medida em que o estudo da história valoriza a teoria e
demonstra como a humanidade se apropriou desse objeto.
Dessa forma, adotar a importância de que o lógico-histórico seja considerado
dialeticamente no processo de conhecimento de um determinado objeto traz implicações
para a organização do ensino e, consequentemente, para o trabalho do professor.
Quando consideramos o ensino de Estatística por essa perspectiva, torna-se
preponderante que a história do conceito permeie o planejamento das ações pedagógicas
do professor, de modo que, em vez de utilizar as questões-modelo do PDE/Prova Brasil
(BRASIL, 2008) se proponha aos estudantes situações-problema desencadeadoras que
tragam em si a essência do conceito.
Considerações finais
Pensar e propor um ensino de Estatística que contribua para o desenvolvimento
do pensamento teórico, baseado na Teoria Histórico-Cultural, nos faz dilatar as
compreensões de que os inquéritos estatísticos dependem das “aquisições da evolução
de se transmitir de geração em geração, [...] forma que aparece com a sociedade
129
humana: a dos fenômenos externos da cultura material e intelectual” (LEONTIEV,
1964, p. 283).
Nesse sentido, os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem se apropriam
da riqueza deste trabalho, participando de sua elaboração, execução e tomada de
decisões, aptidões humanas necessárias para o mundo moderno.
Nossos argumentos consideram as múltiplas interferências positivas que a
ciência estatística pode promover nas crianças, pois elas podem atribuir novos sentidos
aos números que as rodeiam e que vão de encontro aos princípios teórico-
metodológicos descortinados pela implementação das avaliações externas no Brasil.
Trata-se, pois, de uma nova argumentação pedagógica e de um modo de organizar o
ensino de Estatística indispensável aos estudantes brasileiros.
A Estatística torna-se uma forma particular de fixar e transmitir os fatos às
outras gerações, aos outros segmentos de uma sociedade, pois se apresenta como uma
atividade “criadora e produtiva” pelos seus modos de produção.
REFERÊNCIAS:
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Educação Infantil”: um olhar a partir da teoria histórico-cultural. Zetetiké: Revista de
Educação Matemática, Campinas, v. 18, n. 33, jan./jun. 2010.
ASBAHR, F. da S. F. Sentido pessoal e projeto político pedagógico: análise da
atividade pedagógica a partir da psicologia histórico-cultural. 2005. 199 f. Dissertação
(Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
matemática. Brasília: MEC; SEF, 1997. p. 142.
BRASIL. Portaria n. 931, de 21 de março de 2005. Instituir o Sistema de Avaliação da
Educação Básica - Saeb, que será composto por dois processos de avaliação: a
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Escolar - Anrec. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 17, n. 55, 22 mar. 2005.
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MEC; SEB; Inep, 2008. 200 p.
CARAÇA, B. J. Conceitos fundamentais da matemática. 7. ed. Lisboa, Portugal:
Gradiva, 2010.
FREITAS, D. N. T. A avaliação da educação básica no Brasil: dimensão normativa,
pedagógica e educativa. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. (Coleção Educação
Contemporânea).
130
GIARDINETTO, J. R. B. Matemática escolar e matemática da vida cotidiana.
Campinas: Autores Associados, 1999.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA – INEP. Item 2001: novas perspectivas. Brasília: Inep, 2002.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA – INEP. Matemática: orientações para o professor, Saeb/Prova Brasil, 4ª
série/ 5ºano, ensino fundamental. Brasília: Inep, 2009. 118 p.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA – INEP. História do INEP. Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/institucional-historia. Acesso em: 20 set. 2013.
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São Paulo: Moraes Ltda.,
1964.
131
Adolescentes e jovens em contexto de exclusão social
Kátia Aparecida da Silva Nunes MIRANDA
Solange Maria de BARROS
Introdução
Este trabalho objetiva apresentar parte de uma pesquisa acerca das
representações de atores sociais de jovens alunos da Escola Estadual Meninos do
Futuro, localizada no Centro Socioeducativo de Cuiabá/MT. Busca compreender de que
maneira as representações dos atores sociais estão materializadas nos textos orais e
escritos. Os adolescentes e jovens estão sob guarda judicial e em situação de
vulnerabilidade social. Cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade,
conforme prevê o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Lei n.8.069, de 13 de junho
de 1990, pertencente à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Mato
Grosso (SEJUDH). Esses alunos são privados do acesso aos direitos culturais, sociais e
das necessidades básicas. São sujeitos estigmatizados, moradores de bairros periféricos,
desprezados em sua diversidade. Mais que isso: são rotulados como inferiores pelos
discursos que percorrem camadas sociais dominantes.
Partimos de uma perspectiva teórico-metodológica de caráter crítico, voltada
especialmente para as categorias de representação dos atores sociais desfilados por Theo
van Leeuwen (1997; 2008), a proposta filosófica do Realismo Crítico que emergiu dos
escritos do filósofo contemporâneo Roy Bhaskar (1998) e para o discurso, como prática
social, de Norman Fairclough (2001; 2003). Os dados foram gerados através de
produções escritas dos alunos, gravação de entrevistas informais e observação
participante.
Perspectiva teórico-metodológica
Realismo Crítico (RC)
O RC, brevemente apresentado aqui, é importante arcabouço teórico para esta
pesquisa, por tratar-se de movimento filosófico, especialmente da filosofia da ciência,
originalmente britânico. Se bem assim, tem se propagado em alguns países, inclusive no
132
Brasil, por meio de círculos de seguidores. Iniciou-se na Inglaterra, em 1975. O
fundador da escola filosófica do Realismo Crítico foi o grande teórico Roy Bhaskar.
Segundo Bhaskar (1998), a concepção da realidade é compreendida como
complexa, estruturada e estratificada, de tal modo que aquilo que se apresenta à
observação em determinado nível é concebido por poderes característicos às interações
dos elementos implícitos. Ademais, expõe um conceito de realidade que integra o
universo natural que existe, independentemente do homem, um universo social, a
depender da atividade social humana, individual ou coletiva. Compreende a ciência
como atividade social, referentemente autônima, cuja capacidade para apreender a
realidade profundamente resulta da própria capacidade e habilidade do homem em
controlar as condições em certos fenômenos que ocorrem em seu cotidiano.
Papa (2008; 2009) e Barros (2011) entendem que a vida social não é um sistema
fechado. Diversamente disso, encerra um sistema aberto, no qual qualquer evento é
governado por mecanismos ou poderes emergentes que operam simultaneamente. Num
sistema aberto, por exemplo, não é possível identificar determinadas sequências de
eventos, caso contrário a atividade experimental não faria sentido.
A seguir, abordaremos os conceitos sobre a Análise Crítica do Discurso.
Análise Crítica do Discurso (ACD)
Na década de 1980, emerge na Inglaterra uma abordagem elaborada por Norman
Fairclough, da Universidade de Lancaster, denominada Critical Discourse Analysis. A
Análise Crítica do Discurso vem sendo desenvolvida e disseminada, no Brasil, em
programas de pós-graduação, na área das ciências sociais, em várias universidades
brasileiras.
A ACD é indispensável para a compreensão do que vêm a ser os estudos críticos
da linguagem. Fazer análise de discurso é descrever, interpretar e explicar como a vida
social se realiza por meio da manifestação linguística, uma vez que o discurso consiste
numa prática social interconectada com outras, igualmente importantes, que funcionam
como partes constituintes da sociedade (FAIRCLOUGH, 2003).
Fairclough (2003) escolhe tratar de três tipos principais de significado Acional,
Representacional e Identificacional. O autor relaciona a multifuncionalidade da
linguagem à tríade que sustenta sua obra: gêneros, discursos e estilos, bem assim aos
133
três modos principais pelos quais o discurso se apresenta como uma parte da prática
social: modos de agir, modos de representar, modos de ser.
Neste estudo daremos atenção ao significado representacional, considerando que
os discursos incluem representações de como os eventos são construídos socialmente,
portanto os discursos, como modo de representação, integram pontos essenciais na
relação dialética entre linguagem e outros componentes da vida social.
Teoria das representações de atores sociais
A proposta teórico-metodológica de Theo van Leeuwen (1997; 2008), a teoria da
representação de atores sociais, vem sendo aplicada como ferramenta na análise crítica
do discurso, disseminando debates que se dizem tese da agência discursiva. Nesse
andar, põe à mostra os modos pelos quais os atores sociais podem ser representados
linguisticamente.
Van Leeuwen (1997) se apadrinha com a expressão “atores sociais” para
representar as pessoas dentro de um discurso. O autor investiga as diferentes formas
com que os atores sociais podem ser representados em um texto. Van Leeuwen (1997)
classifica a representação dos atores sociais como um conjunto de elementos
linguísticos que se articulam, podendo funcionar para incluir ou excluir pessoas e
grupos. As formas de representação podem estar relacionadas com as escolhas
linguísticas que os sujeitos fazem para externar suas experiências no mundo. Dessa
forma, o teórico dispõe de duas categorias essenciais para essa representação, chamadas
de Exclusão e Inclusão.
A representação por exclusão se quando a supressão ou encobrimento
(segundo plano) do ator social. No primeiro, não há, ao longo do texto, referência aos
atores sociais em questão. o encobrimento ocorre quando o participante é posto em
segundo plano. Neste caso, que pode ser resultado de simples elipses ocorridas em
orações infinitivas e coordenadas, a exclusão não é total, pois os atores sociais excluídos
podem não ser mencionados em relação à determinada atividade, mas são mencionados
em outras partes do texto, podendo ser recuperados.
Na representação por inclusão, os atores sociais estão materializados
linguisticamente no texto e podem revestir-se de diferentes papéis, nessa divisão de
papéis sociais. Portanto, é possível acontecer de o ator social não ser o integrante agente
na oração, podendo exercer outra função de acordo com a estrutura linguística inquirida.
134
na inclusão, ocorre por ativação, passivação, gerenciação, especificação,
personalização e impersonalização. Em relação a seu tipo ou definição, categorias de
inclusão como especificação, personalização e impersonalização possuem
subdivisões, de acordo com o modo como se realizam.
Segundo van Leeuwen (2008), a categoria personalização se reporta às escolhas
sócio semânticas por inclusão dos atores sociais nos textos, representados na
condição de seres humanos. Na diferenciação indivíduos ou grupos identificados
concretizam-se pelos pronomes pessoais ou possessivos, por nomes ou substantivos
próprios, outras vezes por meio de adjetivos que apresentam características humanas.
Portanto é fundamental explanar as definições que compõe esta categoria. Destacam-se,
também, a Determinação relaciona, de forma específica, a identidade dos atores
sociais no texto; a Indedeterminação os atores sociais não especificados anônimos, ou
seja, referenciados através de pronomes indefinidos; a Categorização marca os atores
sociais conforme a função que ocupa; a Nomeação na qual os atores sociais fazem
referências por meio de nomes próprios (primeiro nome, sobrenome). Revela-se, por
igual, a Funcionalização, cuja menção aos atores sociais se faz através de um
substantivo ou grupo nominal de papéis participantes e processos que denotam
determinada ocupação, profissão, função relativa à dada atividade, concretizando-se no
texto por meio de substantivos, formados por verbos.
A seguir, explicitamos os caminhos metodológicos percorridos no presente
estudo.
Percursos metodológicos
Neste trabalho, optamos pela pesquisa qualitativa, de cunho etnográfico. O
trabalho etnográfico tem como característica enfatizar o comportamento social do
sujeito no cotidiano, depositando sua confiança em dados qualitativos obtidos a partir de
observações e interpretações feitas no contexto da totalidade das interações humanas.
Utilizamos também da abordagem da ACD proposta por Fairclough (2001; 2003a). O
método de análise de discurso propõe verificar as mudanças sociais e como essas
mudanças estabelecem mudanças na estrutura social. Nesse norte, o discurso reflete
muito do contexto de uma sociedade, ressaltando que a Análise Crítica do Discurso tem
por intuito exaltar o meio de produção discursiva, levando em conta não apenas os
aspectos linguísticos e gramaticais, mas igualmente os aspectos socioculturais.
135
A seguir, apresentamos a análise de dados.
Análise de Dados
Conhecer esses adolescentes e jovens foi o primeiro passo para a construção de
uma relação de confiança, fundamental para o diálogo que se estabeleceu com estas
pesquisadoras.
A partir das análises das produções escritas e entrevistas, algumas categorias
emergiram, tais como: Relevância da Escola; Aproximação com os Professores e
Aprendizagem Significativa. Neste trabalho, selecionamos apenas uma categoria para
análise: Relevância da Escola.
Relevância da escola
As produções escritas dos alunos revelam o quanto a escola é importante para
eles. No trecho da redação apresentada a seguir, Sócrates expressa suas representações
acerca da unidade escolar que frequenta.
A minha escola aqui é tudo, consegui superar minhas dificuldades,
aprendi muitas coisas com os professores que pegam no meu ,
porque querem ensinar o melhor para mim. Acredito, eu se tivesse na
rua não iria estar interessado para estudar como estou aqui (Sócrates,
15 anos, em 20/01/2011).
Ao falar sobre a escola, Sócrates evidencia sua importância no contexto de
privação de liberdade. Assim, na frase “a minha escola aqui é tudoocorre a exclusão
por supressão do Centro Socioeducativo de Cuiabá, pois não marcas na
representação, ele exclui tanto os atores sociais diretores, gerentes, agentes orientadores
e técnicos, quanto às atividades desempenhadas por eles.
No caso da inclusão, observa-se a relevância dos papéis atribuídos à escola, os
quais podem ser ativados ou passivados. Temos a ativação quando os atores sociais são
representados como ativos em relação à determinada atividade, portanto, ao se referir à
escola como “minha escola é tudo”, demonstra, em suas palavras, que a escola participa
ativamente de sua vida no contexto de privação de liberdade. Dessa forma, ocorre a
inclusão por ativação nas palavras de Sócrates. A ativação “ocorre quando os atores
sociais são representados como forças ativas e dinâmicas numa actividade” (VAN
136
LEEUWEN, 1997, p. 187), ou seja, os participantes participam ativamente do processo
em questão.
Observemos a frase em que o item léxico-gramatical minha” refere-se à escola
(escola de quem fala). A palavra minha indica posse, atribui o sentido de
pertencimento e concorda com a coisa possuída no caso a escola, observa-se a
possessivação-ativação por meio do uso de pronome possessivo, conforme sugere Van
Leeuwen (1997; 2008), concordando com a pessoa que fala, ao utilizar o pronome
pessoal eu”, exercendo a função de sujeito protagonista do processo escolar. Desse
modo, o uso do pronome possessivo “minha” acompanha o substantivo escola” e, por
isso, é pronome possessivo adjetivo, é chamado assim por se comportar
semelhantemente a um adjetivo, acompanhando o substantivo, referindo-se e
concordando com ele em gênero e número.
Sócrates, ao enunciar: “acredito, eu se tivesse na rua não iria estar interessado
para estudar como estou aqui”, o uso do advérbio de lugar aqui’ significa escola,
atuante e significativa no contexto de privação de liberdade. Verifica-se que os atores
sociais: diretores, gerentes, agentes orientadores e técnicos do Centro Socioeducativo de
Cuiabá/MT não estão presentes na oração, são excluídos do texto por supressão, não
referência a esses atores em qualquer parte do texto. Integrada à frase, a palavra “rua”
significa para Sócrates a “sociedade” e/ou a escola da comunidade” remete à ideia de
fracasso, por conta da exclusão do ambiente pedagógico e pelas suas condições sociais.
Sócrates inclui apenas a escola “aqui” no contexto de privação de liberdade, como único
espaço de liberdade enquanto possibilidade objetiva, apesar das dificuldades postas pelo
ambiente hostil e repressivo do sistema socioeducativo.
Na entrevista, Sócrates também tem a oportunidade de fazer essa mesma
reflexão acerca da escola. Para ele a unidade escolar é de suma importância. Ele diz:
Acho que aqui a escola é a única coisa boa, o resto não vou nem dizer,
é tristeza, é a escola é que vai me ajudar a ter um futuro melhor
lá fora (Sócrates, entrevista, em 18/11/2012).
Nesse trecho da entrevista, Sócrates diz: “acho que aqui a escola é a única coisa
boa”. Para ele a escola é apontada como o único e o mais importante elemento do
contexto de privação de liberdade. Ao dizer “é a escola é que vai me ajudar a ter um
futuro melhor”, Sócrates atribui à escola um valor subjetivo e inalienável, pois
reconhece que o acesso a ela o torna o principal favorecido.
137
Tendo por base as palavras ditas por Sócrates que constituem as frases
apresentadas, foi possível analisar a representação dos atores sociais envolvidos em sua
fala. Com essa estrutura léxico-gramatical, é realizada a representação de dois atores
sociais. Um deles está representado por inclusão e, portanto, explicitado: a escola
apontada como exclusiva. Já o outro ator social está representado por exclusão, uma vez
que não se encontra presente: o Pomeri.
Nesse fragmento “aqui”, o advérbio acrescenta a ideia de lugar, portanto, o ator
social envolvido na fala de Sócrates não é explicitado no enunciado. Podemos dizer,
assim, que ocorre a exclusão por supressão, pois não referências aos atores sociais
diretores, gerentes, agentes orientadores e técnicos do Pomeri e nem atividades
desempenhadas por eles. “Algumas exclusões não deixam marcas na representação,
excluindo quer atores sociais, quer suas atividades” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 180).
O item lexical “única” demonstra exclusividade, qualidade e singularidade, pois
promove algum tipo de mudança. apenas um participante ativo nessa frase: “a única
coisa boa”, atribuído à escola. Encaixada no participante outra oração “é a
escola que vai me ajudar” –, referindo-se a ela como instrumento que alicerça e projeta
um ideal em relação ao futuro. O ator social, nesse caso, a inclusão dos atores sociais se
dá por ativação e passivação.
A ativação ocorre porque a “escola é representada de forma ativa dentro do
discurso. Já a passivação ocorre porque os atores sociais estão submetidos às atividades,
ou receptores dela, nesse sentido, Sócrates é o sujeito receptor ao dizer: só a escola que
vai me ajudar”, sendo assim, ocorre a passivação por sujeição. A sujeição pode ser
realizada por participação, em que o ator social passivado é o próprio Sócrates.
Aristóteles também expressa representações acerca da escola. Ele escreveu:
Quando fala de escola, tem que falar dos professores. Na Escola
Estadual Meninos do Futuro tem vários profissionais capazes de
passar para mim algo muito importante que um homem tem que ter. O
caráter, educação, respeito, conhecimento e preciso das matérias
(Aristóteles, 17 anos, 20/01/2011)
No fragmento, “quando fala de escola, tem que falar dos professores”, ocorre a
categoria de inclusão por ativação e passivação. A passivação acontece na frase quando
o ator social é representado como aquele que se submete à atividade ou é afetado por
ela. Nesse caso, “quando fala de escola” a passivação se realiza por meio da
participação, pois o ator social escola” é o centro da fala de Aristóteles. Outros atores
138
sociais explicitamente representados de modo ativo na frase do jovem são os
professores: “tem que falar dos professores”, pois a concepção de ‘escola’ para
Aristóteles se restringe à valorização dos professores no processo educativo.
Aristóteles, ao ressaltar que “na Escola Estadual Meninos do Futuro tem vários
profissionais capazes de passar para mim algo muito importante que um homem tem
que ter”, traduz que os atores sociais são representados por nomeação e categorização.
O que diferencia a nomeação da categorização é o fato de a primeira representar os
participantes pela sua identidade individual, única, e a segunda representar os
participantes pelas funções e identidades que eles compartilham com outros
participantes. A nomeação, segundo van Leeuwen (1997), é geralmente reconhecida
pelos substantivos próprios, usados de maneira formal ou informal. No início da frase:
“Na Escola Estadual Meninos do Futuro”, o ator social é representado por nomeação.
Neste caso, de acordo com van Leeuwen (1997), ocorre a nomeação tipicamente de
maneira semiformal (nome próprio e apelido). Dando continuidade à análise, na frase
“tem vários profissionais capazes de passar para mim algo muito importante que um
homem tem que ter”, verifica-se primeiramente a ocorrência da categorização por
funcionalização, “profissionais” devido ao uso de um substantivo que denota profissão.
A funcionalização acontece quando os atores sociais são identificados em termos pelas
atividades que realizam, ou seja, da função que desempenham ou do cargo que exercem
em determinada atividade.
A designação “capazes” representa os profissionais da escola (professores,
coordenadores, gestores etc.), eles estão na posição temática, funcionando como ponto
de partida para a mensagem, orientando argumentativamente a leitura. Ao representá-la
de forma classificatória, sua identidade passa a ser definida e determinada. a palavra
“homem” representa uma classe social beneficiária com os ensinamentos mediados
pelos profissionais da escola.
Aristóteles demonstra mais uma vez em suas palavras que os ensinamentos
acontecem simultaneamente com a compreensão e a valorização dos profissionais
envolvidos no processo educativo, no espaço de privação de liberdade. Nesse sentido,
nos remete a entender que no âmago da educação escolar está o entrelaçamento entre o
professor, a educação e a vida.
Na entrevista, Aristóteles, que agora é egresso do sistema socioeducativo, fala
sobre a escola. Ele traz as seguintes considerações:
139
A Escola Meninos do Futuro é melhor que a escola de fora, os
professores me tratavam com respeito e educação, tipo ouvia a minha
opinião, e as aulas eram diferentes, tinha sempre um projeto, atividade
diferente para apresentar, pra falar a verdade os professores de me
deram muita ajuda quando eu estava trancado (Aristóteles, entrevista
em: 07 jan. 2013).
Ao enunciar “a Escola Meninos do Futuro é melhor que a escola de fora”,
observa-se que este excerto passa uma carga ideológica implícita: o aluno aponta a
importância da escola para os privados de liberdade, guardando especificidades que a
diferenciam de outras escolas quanto à aquisição de conhecimentos e preparo para a
vida em sociedade. Remete-nos a entender que a escola fora do espaço privativo de
liberdade não consegue responder à demanda das urgências que se faz necessária no
momento presente, especialmente para os egressos do sistema socioeducativo. Neste
sentido, é possível afirmar que o discurso é uma prática social que veicula ideologias,
constitui e é constituída pelos sujeitos.
Ao declarar “a Escola Meninos do Futuro”, verifica-se, assim, que a
representação do ator social ocorre por nomeação, é representada, principalmente, em
termos de sua identidade única, de forma semi-informal (nome próprio). Na sequência a
frase é completada pelo seguinte argumento: “é melhor que a escola de fora”; ao dizer
“é melhor”, o aluno inclui por ativação a escola no sistema socioeducativo, deixa
explícito, portanto, o caráter participativo que a escola desenvolve no seu processo
educativo, respeitando a forma de agir e pensar do socioeducando, buscando atingir suas
expectativas de vida em sociedade. O paradoxo que se observa está relacionado ao uso
do “que”, usado para comparar as duas escolas, a de dentro do contexto socioeducativo,
analisada anteriormente, e a de fora. Portanto, ocorre a exclusão por encobrimento dos
atores sociais (professores, gestores e técnicos) da escola fora do contexto
socioeducativo, “a escola de fora”.
Em consonância com van Leeuwen (1997), a exclusão por encobrimento ou
colocação em segundo plano não é total, podendo ser parcialmente representada, pois os
atores sociais excluídos podem não ser mencionados em relação a uma determinada
atividade, mas são mencionados em outras partes do texto, podendo ser recuperados,
dando a possibilidade de o leitor inferir que eles estão sendo incluídos em algum ponto
do texto. Ou seja, os atores sociais estão pouco visíveis, porém seu papel é secundário.
140
Pode-se dizer, assim, que a exclusão por encobrimento do ator social (escola)
enfatiza a ideia de esvaziamento da função educativa, tornando-se ineficaz, que os
educandos têm atendidas as suas necessidades imediatas.
Considerações finais
Ao analisar as categorias propostas por van Leeuwen (inclusão e exclusão),
observamos que a necessidade de inclusão dos atores sociais (escola, professores e
alunos) é bastante acentuada. A exclusão chega a suprimir o papel dos atores sociais,
agentes orientadores, gerentes, diretores, técnicos e gestores do sistema socioeducativo.
Na verdade, os resultados da análise nos indicaram alguns caminhos para
pensarmos em melhorias e investimentos na educação no Pomeri, que devem ser
fundamentadas em ações educativas, emancipadoras e humanizadoras, como condição
para o desenvolvimento integral deste cidadão em condições de ser, pensar, conviver e
produzir de maneira crítica, responsável e participativa na sociedade.
REFERÊNCIAS
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metodológicas. Linguagem, São Paulo, v. 16, p. 1-12, 2011.
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COLLIER, A.; LAWSON, T.; NORRIE, A. (Eds.). Centre For Critical Realism.
London: Routledge, 1998.
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8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, 1990. BRASIL. Constituição Federal, 1988.
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processo de mudança. Um exercício em análise crítica do discurso. São Carlos, SP:
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Análise Crítica do Discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional. Lisboa:
Caminho, 1997. p. 169-222.
142
Projeto LUCIA: clube de leitura e ciências como uma intervenção não-formal em
espaços formais
Rafael Kobata KIMURA
João Eduardo RAMOS
Luís Paulo PIASSI
Introdução
Este trabalho apresenta o projeto LUCIA (Leituras Universais e Ciência
Investigativa para Adolescentes), que integra em sua formulação, a criação de um clube
de leitura em uma escola municipal para alunos dos e 9ª ano do Ensino Fundamental.
Pretende-se aqui, discutir os seus alicerces teóricos, a sua implementação com os seus
méritos, dificuldades e primeiras impressões observadas em seus primeiros meses de
aplicação.
Com o objetivo não de levar a literatura aos adolescentes, o LUCIA
distingue-se, primeiro, por sua diversidade e interdisciplinaridade, ao propor discutir
temas científicos com o uso de obras literárias. Segundo, por sua amplitude de público,
ao incluir, além dos citados estudantes, alunos de graduação (exercendo o papel de
monitores), professores da rede pública e pesquisadores.
Caracterizado como uma Intervenção Não-Formal em Espaços Formais”, o
projeto ampara as suas ações nos preceitos do Programa Mais Educação (MEC, 2015) e
pela Aprendizagem por Projetos, enquanto a filosofia de trabalho baseia-se na “Alegria
na Escola” do filósofo francês Georges Snyders (1988).
Educação integral e o clube de leitura
O clube de leitura foi criado pelos idealizadores do projeto em conjunto com
uma escola municipal de São Paulo, a EMEF Arquiteto Luís Saia. Os encontros
ocorrem toda sexta-feira no contraturno das aulas, ou seja, fora do horário escolar, das
12:00 às 13:30. A criação de um clube de leitura, bem como de outros projetos, é
incentivada pelo programa Mais Educação (MEC, 2015), adotado tanto pela Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo (SEE, 2015) como pela Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo (SME, 2015). A organização de clubes de leitura é atividade
143
prevista no macrocampo “Cultura, Artes e Educação Patrimonial”. De acordo com o
MEC, a organização de um clube de leitura serve para:
[...] a prática de leitura em comum, partilhada, inclusive em voz alta e
para várias pessoas ao mesmo tempo, compartilhando sentimentos,
conhecimentos, interpretações e histórias de leitura (MEC, 2015, p.
12).
O fato dos encontros do clube ocorrerem no contraturno das aulas induz à
ampliação da jornada escolar. Tal ação está prevista no Mais Educação dentro do
conceito de Educação Integral, que, de acordo com o Ministério da Educação
[...] promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades
educativas e o compartilhamento da tarefa de educar entre os
profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes
atores sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso
porque a Educação Integral, associada ao processo de escolarização,
pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de
interesses e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens
(MEC, 2015, p. 4).
As escolas, ao estenderem o tempo do aluno no ambiente escolar, passam não
somente a focar no conhecimento, mas também no bem-estar do aluno, nos processos de
socialização e desenvolvimento artístico, físico e crítico (SEE-SP, 2015). Outro fator
essencial que não pode ser excluído é o prazer que o aluno deve sentir em estar na
escola, para que a sua permanência seja mantida por todo o ano letivo. A pesquisadora
Lúcia Maurício (2004) conduziu um estudo que analisou as representações sociais que
professores, funcionários, alunos e os pais dos alunos possuíam da escola de tempo
integral que frequentavam nos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Rio
de Janeiro. Dentre as conclusões obtidas, a pesquisadora aponta que o “gostar” e o
“preferir” vem antes do “precisar” do ponto de vista dos estudantes e dos pais destes,
ressaltando o valor da satisfação do aluno para que, tanto os pais como as crianças, se
sintam motivados na permanência do estudante em uma escola de período integral.
A extensão do período escolar também visa um maior engajamento da sociedade
nas ações pedagógicas, assumindo, portanto, que a escola não deve estar em uma
redoma protegida de tudo e de todos, e que ela deve “fomentar a geração de
conhecimentos e tecnologias sociais, inclusive por meio de parceria com universidades,
centros de estudos e pesquisas, dentre outros” (MEC, 2015). Nesse sentido, a
universidade é convidada a também deixar os seus muros para adentrar e participar da
realidade escolar, e é o que o LUCIA tem feito, ao incluir professores universitários,
144
pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos e alunos de graduação em sua proposta de
trabalho.
Aprendizagem por projetos e a união entre ciência e a literatura.
A Aprendizagem por Projetos muitas vezes referenciada como Aprendizagem
Baseada em Projetos (derivada do termo Project Based Learning) é uma metodologia
idealizada nos anos de 1930 por John DEWEY (1968). O método baseia-se no aluno
como um agente capaz de questionar e que adquire conhecimento gradativamente na
busca por soluções de problemas reais em projetos referentes a uma área de estudo de
interesse. A partir do qual, busca-se o desenvolvimento dos aspectos físico, emocional e
intelectual.
A proposta de Dewey foi se desenvolvendo e, hoje, aparece reescrita por outros
autores, que buscam ampliar a metodologia de projetos em uma abordagem mais global.
Como trabalho da francesa Josette Jolibert e do espanhol Fernando Hernández, por
exemplo, que elaboraram o que se denomina Pedagogia de Projetos. Nessa vertente, a
Aprendizagem por Projetos torna-se um convite a repensar a escola na sua organização
curricular e toda a prática pedagógica (HERNANDEZ; VENTURA, 2000;
HERNÁNDEZ, 1998; JOLIBERT, 1994). Conforme afirma Cyntia Girotto (2005, p.
88), neste conceito expandido, a inserção de projetos pode corroborar e superar o
processo de ensinar e aprender fragmentado, disciplinar, descontextualizado, unilateral e
direcionador que se constata na maioria das escolas. Assim, trabalhar com projetos não
se trata somente de uma técnica, e sim, de algo mais global, uma verdadeira estratégia
para romper com as estruturas curriculares compartimentadas em disciplinas e capaz de
dar um formato mais ágil e participativo ao trabalho de professores e educadores.
Na literatura, a Aprendizagem por Projetos é comumente associada ao termo
“ensino por projetos”. de se ter atenção nesse caso, pois o último termo aparece ora
como sinônimo, ora como algo distinto. Quando colocado como sinônimo, o “ensino
por projetos” também denota a criação de uma investigação arquitetada para abordar um
determinado problema, com a voz ativa dos estudantes em todo o processo; nesse caso,
os dois termos em questão se relacionam à Pedagogia de Projetos (e.g. BARCELOS,
2010; FARIA et al. 2012). Quando os dois termos se referem a métodos distintos,
conforme aponta Fagundes et al. (2008), a palavra “ensino” denota uma relação mais
verticalizada, centrada no professor, que detém a autoria do tema e é o agente das ações.
145
É também mais formal, regrado por um sistema que se faz presente pelas exigências
curriculares e pela hierarquia. Por outro lado, o termo que envolve “aprendizagem” está
mais focada na realidade do aluno, que assume o papel de agente ao participar
ativamente na elaboração do seu próprio projeto e tem como motivações a curiosidade,
o desejo e a vontade de aprender.
O LUCIA, ao associar literatura com ciências, buscou vincular-se à abordagem
da Aprendizagem por Projetos que em seus propósitos visa mostrar que o conhecimento
faz parte de um todo e deve ser usado como tal, rompendo assim com a ideia de saber
fragmentado. De acordo com a Secretaria Municipal da Educação de São Paulo:
Os projetos têm sido a forma mais organizativa e viabilizadora de uma
nova modalidade de ensino que busca sempre escapar dos
enquadramentos meramente disciplinares. Criam possibilidades de
ruptura por se colocarem como espaço experimental e crítico, no qual
é possível unir a Matemática à Educação Física, a Arte à História, a
Língua Portuguesa à formação e participação numa identidade cultural
(SME-SP, 2015, p. 19).
Como o clube de leitura trabalha necessariamente com o ato de ler, à primeira
vista, pode passar a impressão de que a participação dos alunos é sempre passiva, de
simplesmente receber as informações. Tal impressão constitui um equívoco, primeiro
porque a leitura requer uma constante atividade por parte do bom leitor, conforme
aponta Isabel SOLÉ (1998) que, inclusive, utiliza o termo leitor ativo, para designar
aquele leitor que constantemente interioriza as palavras para construir um significado
para aquilo que lê. Além do mais, o LUCIA teve como preocupação incitar a atividade
dos alunos por meio de jogos, discussões e outras atividades que exigiam uma postura
ativa por parte dos estudantes, em conformidade com a Aprendizagem por Projetos.
Fantasia, Humor e Ficção Científica: A Alegria na Escola
A ideia do clube é que a leitura seja uma atividade prazerosa, mostrando a
literatura como um entretenimento, sempre buscando descontruir a ideia gerada por
leituras obrigatórias, normalmente vista como sendo fastidiosas (OLIVEIRA, 2013).
Mas como introduzir um material que seja capaz de divertir, mas sem cair na armadilha
do superficial? Para associar o prazer com o lúdico, o LUCIA amparou a sua filosofia
de trabalho em Georges Snyders que introduz inicialmente a ideia de cultura primeira,
como aquela que nasce da experiência direta da vida, sem esforço e sem planos, por
curiosidade e desejos (SNYDERS, 1998, p. 23).
146
Saber valorizar a cultura primeira do aluno seria uma forma de valorizar a sua
própria identidade, a partir do qual, o lançaria a patamares mais elevados. Assim, a
cultura primeira, teria um papel motivacional, de contextualizar o conhecimento à
realidade do aluno e fazer surgir a vontade de saber, pois ‘não se pode fazer com que
um cavalo beba sem que tenha sede’; cada um desperta ou não o desejo em si mesmo.”
(SNYDERS, 1988, p. 241).
Embora o filósofo francês valorize a cultura primeira, ele diz que não devemos
nos contentar em nos restringir unicamente a ela. Por isso, ele fala que é preciso ter uma
ruptura-continuidade. A continuidade como uma forma de preservar aquilo que as
crianças trazem consigo como parte de suas identidades, e suscitar a motivação a
partir do que é familiar; ruptura porque em algum momento o estudante devebuscar
níveis mais complexos de conhecimento que lhe forneça um prazer menos imediato,
mas mais profundo e duradouro. Essa segunda cultura, que surgiria da primeira, é
chamada por Snyders de cultura elaborada:
Existe uma cultura elaborada que conduz aos valores e as alegrias em
direção aos quais tendem a cultura primeira, a cultura de massa e
com tanto mais força e amplidão; afirmações muito firmes,
ultrapassando as limitações e as barreiras; o que pode comunicar à
ação um impulso mais garantido. É sobre seu próprio terreno que vejo
a cultura elaborada rivalizar com a cultura primeira e superá-la. [...]
uma cultura elaborada onde se penetra tanto mais profundamente
quanto se sente melhor a riqueza da existência e do mundo – e, a partir
dela, aspira-se a uma riqueza ainda mais iluminadora (SNYDERS,
1988, p. 46).
Aproveitar essa cultura primeira, muito representada dentro da cultura de massa,
para então elevá-la a um patamar mais elevado, esse é um dos desafios do LUCIA. Com
esse objetivo, em vez de levar cânones de literatura ao clube do livro, foram levados
livros de apelo mais popular, como “O Ladrão de Raios” da Série Percy Jackson (Rick
Riordan), “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (Douglas Adams) e “Duna” (Frank
Herbert), entre outras. A partir dessas obras, cujo forte teor científico facilita a discussão
de temas relacionadas à ciência, buscou-se promover a ruptura da qual fala Snyders,
com a ideia de mostrar aos jovens leitores que um livro é mais que um conjunto de
palavras, é mais do que uma história, contém imaginação, criatividade e erudição que
podem elevar o conhecimento de vida.
147
A intervenção não-formal em espaços formais.
Gohn (2006) estabelece algumas características dos principais tipos de
intervenção educacional, formal, não-formal e informal, de acordo com o “onde”, o
“que se educa” e “quem educa”. Desse ponto de vista, a autora coloca que o ensino
formal tem os professores como educadores, que utilizam o espaço escolar para
apresentar conteúdos formalizados e sistematizados. Na educação não-formal, os
educadores são aqueles com quem se interage, a partir de uma interação intencional e
com uma finalidade definida, voltada para as necessidades e interesses do grupo, e em
espaços que sejam significativos à trajetória de vida do aluno. Por fim, o ensino
informal engloba o aprendizado não esperado, oriundo de momentos e relacionamentos
espontâneos, com familiares, amigos e mídias, nos diversos locais de passagem e
vivência do indivíduo.
Mesmo que exista diferenças entre definições (e. g. GADOTTI, 2005), é
possível afirmar que o projeto LUCIA não se enquadra totalmente nem na concepção de
formal e nem na de não-formal, apresentando característica dos dois tipos de ensino.
Pode-se caracterizar as atividades do LUCIA como não-formais por envolverem
práticas educativas sem a obrigatoriedade legislativa, pela liberdade de escolher
métodos e conteúdos de aprendizagem, e pela adesão por parte dos estudantes ser
voluntária, característica comum da não-formalidade. Por outro lado, o campo de
aplicação das atividades é na escola, território do ensino formal, e tem o envolvimento
direto dos professores e dos alunos da escola. Assim, o LUCIA foi definido como
“intervenção não-formal em espaços formais”, com ênfase na palavra “intervenção” que
propõe o aproveitamento do caráter híbrido de não-formalidade e formalidade do
projeto para atingir um público-alvo abrangente, com metas a serem atingidas de curto a
longo prazo, amparando estudos e aplicações que se valem da flexibilidade e do
potencial didático do entretenimento e da diversão, comuns em abordagens não-formais,
para propor melhorias e discussões no normalmente rígido ambiente formal. A palavra
“intervenção” também explicita o caráter prático do trabalho, ao permitir levar à
realidade pesquisas teóricas na área da educação.
148
Descrição do trabalho desenvolvido
O clube de leitura.
O clube de leitura faz parte de uma iniciativa mais ampla que envolve mais três
intervenções: uma que discute astronomia e astronáutica em atividades relacionadas à
robótica; outra que usa a música, em especial o rock, para apresentar conceitos
científicos e uma última que discute representações de gêneros na mídia. Cada grupo
conta com a participação, prevista, de 25 alunos, que se alternam em períodos
bimestrais, entre as diferentes intervenções.
No clube, a leitura dos livros foi abordada em duas instâncias: uma nos próprios
encontros, onde fragmentos foram lidos usando diversas estratégias associadas a
atividades complementares (rodas de discussão, jogos, brincadeiras, redações e
desenhos); e outra através do sistema de empréstimo de livros. A escola
responsabilizou-se por comprar os livros e estes foram oferecidos aos estudantes que
poderiam escolhê-los e levá-los para casa para realização da leitura ao longo do
bimestre.
Avaliação do Clube de Leitura: Méritos, Dificuldades e Perspectivas.
Neste artigo, o foco é o clube de leitura e a sua estruturação prática e teórica em
um panorama geral. Desse ponto de vista, a discussão a seguir gira em torno da relação
do clube de leitura com o programa Mais Educação, com a Aprendizagem por Projetos,
e como uma “Intervenção Não-Formal em Espaços Formais”.
As atividades ocorreram no contraturno. Esse horário adicional de tempo na
escola é previsto no programa Mais Educação e é um ponto importante na
caracterização do projeto como uma “intervenção não-formal em espaços formais”. Um
dos problemas enfrentados foi o número alto de faltas ao longo das aplicações. Com
base em questionários de avaliação, foi possível inferir que o grande mero de faltas
não ocorreu por falta de motivação. Os motivos giraram principalmente em torno de
paralisações de estado de greve e eventos que mobilizavam a escola, como festa junina
e reunião de pais. Tais fatores levam à percepção de que as atividades do clube de
leitura, por ocorrerem no ambiente escolar, são fortemente associadas à escola a ponto
de se tornarem dependentes dos acontecimentos escolares. Fato que precisa ser
constatado para que se tenha consciência de que o clube é visto positivamente como
149
algo divertido, diferente e instrutivo, porém, também dispensável frente às atividades
escolares, ocupando um posto de prioridade mais baixa na concepção dos alunos.
Sendo a organização de um clube de leitura previsto no programa Mais
Educação, verbas podem ser alocadas para compra de materiais. No caso do clube,
foram solicitados apenas alguns livros que foram emprestados para os estudantes no
meio do primeiro bimestre e ao longo do segundo. Este representou um ponto
importante para o bom andamento do clube, aumentando consideravelmente o interesse
dos alunos pela leitura dos livros. Os livros, agora pertencentes à escola, foram os
únicos custos envolvidos na implementação do clube.
A Aprendizagem por Projetos como um método prático e a “Alegria na Escola”
como filosofia de trabalho foram às linhas guias que nortearam o desenvolvimento das
atividades que foram levadas às escolas. Com o intuito de discutir e divulgar as ciências
a partir da literatura, as atividades eram interdisciplinares em sua essência em uma
constante menção às diferentes ciências naturais (biologia, astronomia, física, etc.)
fazendo-se uso das artes e, indiretamente, do português. De modo geral, pudemos
perceber, a partir da realização das atividades, que muitos alunos relataram (em
discussões e questionários) e demonstraram (em atividades de redação, desenho e
questionário) que se sentem ainda confusos com uma abordagem interdisciplinar, não
conseguindo levar à consciência que muita ciência era discutida nos livros trabalhados.
Essa não consciência poder ser atribuída ao estranhamento a uma abordagem distinta
dos métodos tradicionais da escola que, ao compartimentar o conhecimento, definem
com certo exagero bordas que não permitem a percepção do conhecimento como um
todo, como algo uno. Segundo, ainda que a assimilação seja primeiramente
inconsciente, houve envolvimento por boa parte dos alunos, que participaram
ativamente das atividades propostas.
Levada a rigor, no entanto, o Aprendizagem por Projetos não foi integralmente
inserido nas atividades do clube, pois o método preconiza a autonomia por parte dos
estudantes no desenvolvimento, no planejamento para resolver um problema claramente
definido. Tal procedimento estava inicialmente inserido como uma prática a ser
realizada ao longo do bimestre que deveria ser apresentado como um trabalho de
conclusão. No entanto, a ideia foi inicialmente descartada, por parecer uma
obrigatoriedade que não se encaixava nas premissas iniciais tanto do “Alegria na
Escola” e do Aprendizagem por Projetos que requerem uma motivação interior por parte
dos estudantes.
150
Por fim, a proposta do clube como uma “Intervenção Não-formal em Espaços
Formais” tem se mostrado uma forma eficiente e flexível de integrar ensino, pesquisa e
extensão. No ensino, os alunos de graduação trabalharam como monitores e tiveram
boas oportunidades de vivenciar a realidade escolar. No campo da pesquisa, muito
trabalho tem sido produzido, uma tese de doutorado e uma dissertação de mestrado
devem ser extraídos das vivências do clube e uma grande quantidade de ideias e
informações tem sido geradas para pesquisas que estão para ser concluídas e para
futuros estudos.
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152
A apropriação de Paulo Freire nas pesquisas em educação ambiental
Talita MAZZINI LOPES
Maria Cristina de SENZI ZANCUL
Introdução
Problemas como poluição, racionamento de água, enchentes, deslizamento de
terras, ineficiência do transporte público, desemprego, corrupção, violência, são alguns
dos fatos bastante recorrentes em pleno século XXI. A degradação ambiental e a crise
social vivenciada nos dias de hoje, frutos do capitalismo, se apresentam, portanto, como
temas urgentes que precisam ser amplamente debatidos pela sociedade.
Considerando que a escola é o local ideal para se promover este debate e que a
educação se configura como um elemento imprescindível para o enfrentamento da crise
socioambiental vivenciada, a Educação Ambiental (EA) foi reconhecida como uma
prática capaz de deter, ou ao menos, minimizar este processo de degradação. Por meio
de conhecimentos e através da construção de novos valores e atitudes, condizentes com
os limites da natureza, este tipo de educação busca a conscientização dos indivíduos
acerca de sua realidade, para que nela possam intervir.
A institucionalização da EA no ambiente escolar brasileiro tem sido um processo
bastante acelerado, o que segundo Guimarães (2010, p. 219) reflete a demanda da
sociedade e, reciprocamente, pressiona as escolas a desenvolver ações que denominam
de EA”. Assim, a EA se apresenta como uma realidade para os professores, que “se
sentem compelidos a se debruçar sobre essa nova dimensão educativa”.
Apesar disso, o que se nas escolas são práticas ambientais que privilegiam “a
abordagem das Ciências Naturais e quando se ocupa dos aspectos sociais da questão”
voltam-se “para a formação de atitudes preservadoras, que visam a um código de
conduta e se despreocupam com a formação da consciência ambiental, suporte
indispensável à incorporação de condutas, em oposição a adesões momentâneas ou a
modismos” (PENTEADO, 2010, p. 22-23).
Essas práticas revelam-se, portanto, reducionistas, pontuais, centradas na
promoção de ações e na transmissão e reprodução de conhecimentos “ambientalmente
corretos”, o que de acordo com Lima (2011, p. 135), “não favorece a tomada de
153
iniciativas em defesa da qualidade de vida, da responsabilização dos verdadeiros
agentes da degradação e da luta por direitos ambientais entendidos como direitos de
cidadania”.
Assim, embora os professores estejam preocupados com a degradação ambiental
e empenhados para enfrentar essa questão, suas práticas são, na maioria das vezes,
“pouco eficazes para atuar, de forma significativa, no processo de transformação da
realidade mais imediata com a qual estão lidando e, reciprocamente, com uma realidade
mais ampla” (GUIMARÃES, 2010, p. 120).
Em nosso entendimento, para que a EA alcance não apenas a mudança
comportamental dos indivíduos, mas, principalmente, a transformação social, é
imprescindível que suas práticas estejam embasadas numa perspectiva crítica. Esse tipo
de ação, segundo Lima (2011), precisa englobar as seguintes características:
compreensão da questão ambiental a partir de sua complexidade e totalidade, superando
a fragmentação do conhecimento; Adoção de uma perspectiva crítica e política no
enfrentamento da problemática socioambiental; Convicção de que a sustentabilidade e a
emancipação socioambiental serão construídas por meio da democracia, que requer
liberdade, participação social e defesa da cidadania; Estímulo ao diálogo e à
complementaridade entre as ciências (sociais e naturais) e as múltiplas dimensões da
realidade; Busca por valores e práticas condizentes com os interesses coletivos e com o
bem estar-público, em detrimento dos interesses individuais.
A EA, dentro de uma perspectiva crítica, define-se, portanto, como um ato
político, compromissado com a libertação da ideologia capitalista hegemônica e com a
transformação da atual ordem social, renovando as relações entre os indivíduos e a
relação entre a sociedade e a natureza (LIMA, 2011).
A busca pela superação da ideologia dominante e por uma renovação nas
relações que os indivíduos estabelecem entre si e com a sociedade também é alvo da
pedagogia Freireana, conforme pode ser observado pelo excerto a seguir:
A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é
prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado,
solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo
como uma realidade ausente dos homens. A reflexão que propõe, por
ser autêntica, não é sobre este homem abstração nem sobre este
mundo sem homens, mas sobre os homens em suas relações com o
mundo (FREIRE, 2011, p. 98).
154
Por considerar que o homem não apenas está “no” mundo, mas está “com” o
mundo, criando, recriando, decidindo, fazendo história e produzindo cultura, Paulo
Freire afirma que “sua ingerência [...] não lhe permite ser um simples espectador”,
ajustado, adaptado, acomodado, “a quem não fosse lícito interferir sobre a realidade
para modificá-la” (FREIRE, 1996, p. 49).
A partir desta premissa, em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, Freire discorre
sobre as relações opressoras existentes em nossa estrutura social e indica mecanismos
de superação desta condição. Para o autor, é por meio da transição entre a “consciência
ingênua” para a consciência crítica” que os indivíduos se tornam esclarecidos e,
portanto, livres e capazes de transformar sua condição de oprimidos. Essa
conscientização é possibilitada pela problematização, pelo diálogo e pela autonomia, os
três pilares da concepção educacional libertadora de Paulo Freire (FREIRE, 2011).
A educação problematizadora, ao contrário da educação “bancária”, nega a
transferência de conhecimentos e valores aos educandos e assume um caráter
autenticamente reflexivo, estimulando o poder criativo dos educandos que, através do
diálogo e da comunicação, devem desvelar e compreender sua realidade (FREIRE,
2011).
É importante lembrar, como bem coloca Freire (2011, p. 111), que a pronúncia
do mundo através do diálogo não é possível se não houver um amor profundo ao mundo
e aos homens. “Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me
é possível o diálogo”. O diálogo se faz, portanto, em uma relação horizontal, fundada no
amor, na humildade e na fé nos homens.
“Finalmente, não o diálogo verdadeiro se não nos seus sujeitos um pensar
verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens,
reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade” (FREIRE, 2011, p. 114).
Assim, “a libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma
coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis,
que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”
(FREIRE, 2011, p. 93).
É possível perceber que tanto a EA crítica, quanto a pedagogia freireana, buscam
transformações nas práticas sociais atualmente estabelecidas, o que implica indivíduos
livres, autônomos, conscientes da ampla realidade que os cerca e tomados por um
sentimento intenso de pertencimento ao mundo e por um reconhecimento dos valores
éticos que permeiam nossas relações com os outros humanos e com toda a natureza.
155
Objetivo
Consideramos que a pedagogia freireana possui vários elementos que podem
contribuir para o desenvolvimento de práticas críticas de EA, que também visa à
autonomia do indivíduo que, consciente da realidade que o cerca, pode transformá-la
por meio da práxis. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo verificar se as
concepções educacionais de Paulo Freire vêm sendo utilizadas como referencial nas
teses e dissertações sobre EA.
Metodologia
Para alcançarmos os objetivos propostos, foi realizado um levantamento
bibliográfico das teses e dissertações em EA que se apropriam do referencial freireano,
a partir de uma busca no portal Capes. Esta busca compreendeu apenas os anos de 2011
e 2012, que o banco de teses e dissertações do portal não está disponibilizando dados
para os demais anos. Apesar de o levantamento realizado ter se limitado a um período
de apenas dois anos, acreditamos que por meio dos resultados é possível se ter uma
ideia do uso do referencial freireano em trabalhos de EA.
Inicialmente, para que pudéssemos verificar a quantidade de teses e dissertações
em EA defendidas no período estipulado, foi realizada uma busca avançada a partir da
palavra-chave “Educação Ambiental”, que foi verificada no campo “resumo”. Diante
dos resultados encontrados e, com o intuito de selecionar apenas as pesquisas em EA
que se apropriam do referencial freireano, foi realizada, posteriormente, uma nova busca
a partir da palavra-chave “Freire”, que também foi verificada nos resumos.
A partir da leitura de todos os resumos das teses e dissertações encontradas nesse
segundo momento, os dados foram organizados quanto: a quantidade de teses e
dissertações que fazem referência a Paulo Freire; O campo de pesquisa em que estes
trabalhos estão inseridos; Os focos temáticos das pesquisas e a metodologia de pesquisa
adotada. Depois de feitas tais categorizações, procedeu-se à busca online das pesquisas
selecionadas, para que pudéssemos identificar no item “referências bibliográficas” as
obras freireanas mais utilizadas como referencial teórico. Vale mencionar, que não
tivemos aqui a intenção de verificar de que maneira essa apropriação teórica tem sido
feita pelos pesquisadores.
156
Resultados e discussão
O levantamento realizado no portal Capes permitiu verificar que a palavra-chave
“Educação Ambiental” foi encontrada no resumo de 578 teses e dissertações,
produzidas nos anos de 2011 e 2012. Deste total, a palavra-chave “Freire” foi
identificada em apenas 21 teses e dissertações, conforme pode ser constatado no quadro
abaixo (Quadro 1).
Quadro 1: Quantidade de teses e dissertações encontradas com a palavra-chave “EA” e
com as palavras-chave “Freire” e “EA”, no período de 2011 e 2012.
Quantidade de pesquisas
encontradas
ANO
TOTAL
2011
2012
Pesquisas em que a palavra-
chave “EA” foi encontrada
290
288
578
Pesquisas em EA em que a
palavra-chave “Freire” foi
encontrada
10
11
21
Fonte: Autoria própria
A análise do quadro revela certo padrão entre os anos de 2011 e 2012, o que nos
leva a crer que, a despeito da amostra restrita, os dados aqui apresentados não
prejudicam a validade interna e externa deste estudo. É importante esclarecer que, das
11 teses e dissertações do ano de 2011 em que a palavra “Freire” foi constatada, uma
não se apropriava de Freire como referencial teórico, tendo este nome aparecido em seu
resumo única e exclusivamente porque dizia respeito ao nome da escola na qual a
pesquisa havia sido realizada. Assim, de um total de 578 teses e dissertações em EA,
apenas 20 (3,46%), fazem referência a Paulo Freire.
A inexpressividade de pesquisas que fazem a articulação entre EA e Paulo Freire
também foi averiguada no estudo de Torres e Delizoicov (2009). Ao realizarem um
levantamento dos artigos apresentados no Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de
Ciências (ENPEC), no período de 1997 a 2007, que articulavam os fundamentos
freireanos aos da EA no ensino formal, os autores verificaram que de um total de 2.366
trabalhos apresentados nas seis edições do ENPEC, apenas 18 ou 0,7% articulavam a
EA formal aos fundamentos de Paulo Freire, ou seja, menos de 1% dos trabalhos.
Apesar disso, segundo os autores, ao longo das seis edições do evento “houve um
acréscimo percentual de trabalhos que vêm articulando fundamentos de Freire à EA
formal”, o que parece evidenciar que “os fundamentos freireanos de educação estão
157
sendo, gradativamente, articulados à pesquisa em EA formal (TORRES;
DELIZOICOV, 2009, p. 5).
Com relação ao campo de pesquisa ou área do conhecimento em que estão
inseridas as teses e dissertações em EA que fazem referência a Paulo Freire,
constatamos que a grande maioria (65%) se encontra vinculada à área da “Educação”
(Quadro 2). Isto pode ser imputado pelo fato de ser esta a área do conhecimento
responsável pelas discussões das teorias educacionais e, portanto, a área que
possibilitaria uma aproximação maior aos pensamentos Freireanos.
Quadro 2: Campo de pesquisa em que as teses e dissertações em EA que fazem
referência a Paulo Freire estão inseridas.
Campo de Pesquisa das Teses e Dissertações
Quantidade de
pesquisas
Educação
13
Ensino de Ciências e Matemática
3
Química
1
Sociologia
1
Educação em Ciências Química da Vida e Saúde
1
Educação Ambiental
1
Fonte: Autoria própria.
Em menor quantidade, encontram-se também as áreas de “Ensino de Ciências e
Matemática”, com 15% das teses e dissertações em EA que fazem referência a Freire; e
as áreas da “Química”, “Sociologia”, “Educação em Ciências Química da Vida e
Saúde” e “Educação Ambiental”, com 5% das pesquisas, cada.
Essa diversidade de campos de pesquisa, que compreende tanto a área das
Ciências Humanas, quanto as áreas das Ciências Exatas e da Saúde, demonstra a
amplitude e a abrangência desta área de investigação interdisciplinar, em virtude da
complexidade inerente à questão ambiental, o que também pode ser verificado pela
variedade de focos temáticos abordados nas teses e dissertações, disposta no quadro a
seguir (Quadro 3).
158
Quadro3: Focos temáticos das teses e dissertações em EA que se apropriam do
referencial freireano.
Foco temático das pesquisas
Quantidade
de pesquisas
Formação de professores
6
Projetos e práticas de EA
3
Saberes populares/Educação popular
3
Concepções de meio ambiente e EA
2
Políticas públicas e currículo
2
Tema gerador como metodologia de
ensino
2
Educação em espaços não formais
1
Análise de livros didáticos
1
Fonte: Autoria própria.
Conforme podemos observar, das vinte teses e dissertações em EA que se
apropriam do referencial freireano, seis abordam a formação inicial ou continuada de
professores (30%); três analisam os projetos e práticas de EA desenvolvidos (15%); três
verificam a contribuição dos saberes populares para determinadas comunidades (15%);
duas averiguam as concepções de meio ambiente e EA de alunos e professores (10%);
duas analisam o impacto de determinadas políticas públicas no currículo e na prática
escolar (10%); duas discutem a potencialidade dos temas geradores como metodologias
de ensino (10%); uma verifica a potencialidade da educação em espaços não formais
(5%); uma analisa as propostas de EA nos livros didáticos e sua utilização nas práticas
escolares (5%).
Assim, a maioria das teses e dissertações em EA que utilizam Paulo Freire são
pesquisas empíricas (pesquisa de campo), desenvolvidas no contexto formal de ensino
(15 ou 75% das 20 pesquisas encontradas).
No que diz respeito à metodologia das pesquisas, a leitura dos resumos mostrou
que os procedimentos científicos utilizados foram: a pesquisa exploratória (duas ou 10%
das teses e dissertações), o estudo de caso (duas ou 10%), a pesquisa bibliográfica (uma
ou 5%), a pesquisa etnográfica (uma ou 5%), a pesquisa-intervenção (uma ou 5%), a
pesquisa-ação (uma ou 5%) e a pesquisa ação-participante (uma ou 5%). Em onze das
159
20 teses e dissertações analisadas (55%), esta informação o estava disponível no
resumo. Destas, duas afirmaram ter uma abordagem qualitativa e uma afirmou ter uma
abordagem quali-quantitativa, sem explicitar, no entanto, a metodologia adotada dentro
destas abordagens.
Por fim, a análise das referências bibliográficas das teses e dissertações
selecionadas para o presente estudo permitiu identificar mais de 20 obras de Paulo
Freire citadas nessas pesquisas, conforme está disposto no quadro abaixo (Quadro 4).
Vale esclarecer, no entanto, que duas das vinte pesquisas selecionadas não foram
analisadas com relação a esta categoria, que não estavam disponíveis em suas
bibliotecas depositárias online.
Quadro 4: Obras de Paulo Freire citadas nas teses e dissertações em EA que se apropriam das
concepções freireanas de educação.
Obras de Paulo Freire referenciadas
Quantidade de Teses e
Dissertações que citam
a obra
Pedagogia da autonomia
17
Pedagogia do oprimido
17
Educação como prática da liberdade
9
Pedagogia da esperança
9
Educação e mudança
5
A importância do ato de ler
4
Cartas a Cristina
4
Conscientização
4
Pegadogia da Indignação
4
Pedagogia dos sonhos possíveis
4
Professora sim, tia não
4
A educação na cidade
3
À sombra desta mangueira
3
Extensão ou comunicação
3
Medo e ousadia
3
Ação cultural para a liberdade
2
Essa escola chamada vida
2
Política e Educação
2
Alfabetização de adultos e bibliotecas
populares
1
Aprendendo com a própria história I
1
Aprendendo com a própria história II
1
Carta de Paulo Freire aos professores
1
Cartas à Guiné-Bissau
1
160
O caminho se faz caminhando
1
Por uma pedagogia da pergunta
1
Fonte: Autoria própria.
A análise do quadro mostra que as obras do autor mais citadas nas pesquisas em
EA são, respectivamente: Pedagogia da autonomia e Pedagogia do oprimido,
referenciadas em 17 das 18 teses e dissertações em EA; Educação como prática da
liberdade e Pedagogia da esperança, referenciadas em 9 das 18 teses e dissertações em
EA.
Teixeira et al. (2007) encontraram resultados semelhantes. Ao identificarem os
principais referenciais teóricos das pesquisas em EA apresentadas no Encontro de
Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA) e no ENPEC de 2001, 2003 e 2005, os
autores constataram que as obras freireanas mais citadas nas pesquisas em EA foram:
Educação como prática da liberdade, Pedagogia do oprimido, Extensão ou
comunicação? e Pedagogia da autonomia.
Em um trabalho mais recente, os dados encontrados também se assemelham. A
partir de um levantamento de artigos em EA publicados no período de 2010 a 2014, em
periódicos online da área de Ensino de Ciências e Educação Ambiental, Zancul et al.
(2015) verificaram que as obras de Paulo Freire mais recorrentes nos artigos
pesquisados foram: Pedagogia do oprimido, Pedagogia da autonomia e Educação como
prática da liberdade.
Assim, podemos concluir que as obras “Pedagogia do oprimido”, “Pedagogia da
autonomia” e “Educação como prática da liberdade” continuam sendo os grandes
referenciais das pesquisas em EA que se apropriam das concepções de Paulo Freire.
Considerações finais
O levantamento bibliográfico realizado no portal Capes, nos anos de 2011 e
2012, permitiu verificar que das 578 teses e dissertações em EA encontradas, apenas 20
ou 3,46% faz referência a Paulo Freire. Destas, a grande maioria encontra-se vinculada
à área da “Educação” (65%) e trata-se de pesquisa empírica, desenvolvida no contexto
formal de ensino (75%). As obras freireanas mais citadas por estas pesquisas foram:
Pedagogia da autonomia, Pedagogia do oprimido, Educação como prática da liberdade e
Pedagogia da esperança.
161
Como podemos observar, a pedagogia freireana ainda é muito pouco utilizada
pelas pesquisas em EA, embora possua vários elementos que possam contribuir para a
realização de uma EA crítica e transformadora. Sem a pretensão de esgotar o assunto,
esperamos que os dados aqui apresentados possam contribuir para análises futuras,
que representam uma primeira aproximação para um estudo mais aprofundado acerca da
utilização de Paulo Freire como referencial teórico nas pesquisas em EA.
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AMBIENTAL, 15., 2015, Guarapuava. Anais [...]. Guarapuava, PR: UNICENTRO,
2015.
162
O trabalho interdisciplinar integrado à formação de licenciandos na área de
ciências da natureza
Rodrigo Magalhães ARENA
Leticia dos Santos MARCHESINI
Paula Sabrina Martins de SOUZA
Maria Terezinha Siqueira BOMBONATO
Silvia Regina Quijadas AROZULIANI
Introdução
Muitos pesquisadores (JAPIASSU, 1974; 1994; MINAYO, 1994; WEIGERT et
al., 2005; ROCHA FILHO et al., 2006) afirmam que a interdisciplinaridade é uma
condição fundamental de ensino e pesquisa em nossa sociedade. Entretanto, a prática
interdisciplinar ainda está longe das perspectivas de ensino, pois sequer venceu o
reduto da universidade, que continua refratária às mudanças de atitude em relação ao
conhecimento. Para Japiassu, buscar a interdisciplinaridade é uma questão ainda
distante, pois nem mesmo compreendemos seus princípios. Em suas palavras,
Evidentemente, não se trata de tentarmos buscar uma superdisciplina
ou uma espécie de super-ciência capaz de dar conta da complexidade
dos problemas. Os “óculos” de uma disciplina são totalmente
impotentes para estudar os problemas em sua complexidade. Creio
ser ilusória a atitude pretendendo que uma abordagem
interdisciplinar construirá uma nova representação do problema que
seria muito mais adequada no absoluto, vale dizer,
independentemente de todo critério particular (JAPIASSU, 1994,
s/p).
Ainda hoje, a epistemologia do conhecimento científico em vigor no ambiente
universitário, calcada apenas no “critério do particular”, inviabiliza uma formação
diferenciada do futuro professor, possibilitando apenas uma visão limitada do
conhecimento científico. Assim, o sujeito não percebe a necessidade de utilizar
conhecimentos de diversas áreas para compreender e explicar fenômenos complexos,
utilizando conhecimentos de forma interdisciplinar.
A palavra interdisciplinar, segundo o Dicionário Michaelis (sem data) é:
comum a diversas disciplinas. Nesta perspectiva, para algo ser classificado como
interdisciplinar, deveria integrar de forma adequada explicações em mais de uma
disciplina, onde os métodos e os conceitos seriam utilizados de maneira interligada,
163
para explicar fenômenos cuja complexidade limita a compreensão por apenas uma
área. Trabalhar com a ciência de forma interdisciplinar demanda negociações de
significados e sentidos que na maioria das vezes é tarefa árdua. A fragmentação do
conhecimento científico dificulta uma visão mais holística e globalizada do saber.
Segundo Japiassú (1994)
Por toda parte surge a exigência de, pelo menos, um diálogo
ecumênico entre as rias disciplinas científicas. Porque ninguém
mais parece entender ninguém. Mas esta exigência nada mais faz que
revelar a situação patológica em que se encontra o saber. A
especialização sem limites culminou numa fragmentação crescente
do horizonte epistemológico. Chegamos a um ponto que o
especialista se reduz àquele que, à causa de saber cada vez mais
sobre cada vez menos, termina por saber tudo sobre o nada
(JAPIASSU, 1994, s/p).
Elaborar atividades de forma interdisciplinar partindo de diferentes pontos de
vista é um grande desafio a ser enfrentado pelos professores ao planejar suas aulas.
Normalmente, o professor não consegue visualizar ligações entre os conceitos
disciplinares, aos quais está acostumado pelas especificidades da formação, às demais
áreas do conhecimento. Sob esta perspectiva, a interdisciplinaridade configura-se como
uma proposta para o ensino que avança para além da diferenciação hierárquica entre
disciplinas, que, entretanto, é de difícil operacionalização. Para estas dificuldades
contribuem a formação recebida, a falta de vivências de propostas interdisciplinares, as
dificuldades pessoais dos sujeitos e principalmente, sua resistência natural à mudanças,
entre outras. Segundo Weigert et al.,
[...] as mudanças que envolvem grupos interdisciplinares de
professores são mais lentas e despendem mais energia para se
efetivarem. Ou seja, é mais difícil constituir um grupo de trabalho
eficiente com professores que falam “línguas diferentes”. A
metodologia interdisciplinar prevê a integração de áreas diferentes,
portanto, necessitam de um tempo maior de diálogo entre os
membros do grupo, mais disponibilidade para aceitar a diferença e
para conhecer as contribuições que cada disciplina pode dar na
construção, ou na reconstrução, de um conhecimento contextualizado
(WEIGERT; VILLANI; FREITAS, 2005. p. 145).
Investir em programas conjuntos, envolvendo profissionais da educação
visando maior eficiência dos processos de ensino, pode viabilizar a aprendizagem dos
alunos da educação básica, produzindo uma compreensão menos
compartimentalizada dos diversos saberes. Entretanto, se torna mais difícil ao
professor trabalhar de maneira colaborativa com os colegas de diferentes áreas se
164
durante sua formação acadêmica esta experiência não lhe foi proporcionada. Ações
formativas que visem superar estas dificuldades devem ser objeto de trabalho nos
cursos de formação.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)
desenvolvido na Faculdade de Ciências, UNESP, Campus de Bauru, no âmbito das
Licenciaturas ligadas à área de Ciências da Natureza e Matemática, vem atuando neste
sentido. As Licenciaturas em Química e Ciências Biológicas têm se voltado para a
formação inicial de professores, numa proposta interdisciplinar, em parceria com as
licenciaturas em Física e Matemática.
Ao ingressar no programa, os licenciandos são integrados num processo de
formação contínua para atuar de maneira interdisciplinar, na elaboração de diversas
sequências didáticas, acompanhando o professor supervisor da escola parceira e
colaborando com este em atividades diferenciadas. Sob esta perspectiva, o professor
supervisor torna-se parceiro na formação dos licenciandos. As atividades formativas
ocorrem em grupos por área de conhecimento, e interdisciplinares envolvendo
licenciandos, professores supervisores e docentes de todas as áreas, ou seja, os alunos
de todas as licenciaturas trabalham juntos no planejamento e aplicação de uma aula
denominada “super-aula”- onde são abordados temas geradores amplos (FREIRE,
1974), que deverão ser explicados pelas diferentes disciplinas.
Um exemplo simples seria aprender sobre os elementos químicos. Os alunos
normalmente não conseguem perceber que o carbono estudado na Química é o mesmo
que aparece nas aulas de Biologia, ou então não identificam uma equação matemática
aplicada a uma demonstração realizada durante as aulas de Física. Quando se oferece
uma aula interdisciplinar, permite-se ao aluno observar claramente que, em um estudo
ou análise mais aprofundada, as áreas se entrelaçam e na maioria das vezes se
completam.
É considerada “super-aula” o desenvolvimento de um tema gerador a partir de
diferentes contribuições nas áreas das Ciências da Natureza e Matemática, em
atividades interligadas por eixos que levem à concordância e entrelaçamento dos
saberes. Os bolsistas utilizam pesquisas, experimentos investigativos e os
conhecimentos prévios dos alunos (TEIXEIRA; SOBRAL, 2010), preparando uma
série de atividades para abordar o conhecimento e mostrar, não necessariamente de
forma explícita, que determinado assunto está intrinsecamente relacionado à Física,
Matemática, Química e Biologia, promovendo a interdisciplinaridade de forma
165
natural. Neste trabalho apresentamos o relato da atividade de planejamento e
aplicação de uma “super-aula”, analisando os resultados de sua aplicação a quatro
turmas de segunda série de Ensino Médio da escola parceira.
Material e métodos: descrição do planejamento e construção da “super-aula”
Respeitando o planejamento escolar, de forma a corroborar com as atividades a
serem desenvolvidas, a cada semestre se desenvolve uma nova “super-aula”. Todas
elas são elaboradas coletivamente pelo grupo de dez licenciandos, formado por pelo
menos dois de cada uma das áreas supracitadas. O tema da “super-aula” é decidido de
forma democrática nas reuniões semanais do grupo, onde os bolsistas apresentam
ideias para a escolha do tema da aula. O tema é escolhido por votação, levando-se em
consideração uma discussão sobre o seu potencial interdisciplinar, ou seja, se as quatro
áreas poderão trabalhar de forma a abordar conceitos específicos relacionados ao
assunto principal, a fim de oferecer aos alunos da escola a oportunidade de construir
conhecimentos e compreensões mais adequadas. O tema em questão deve fazer parte
do currículo daquela série.
A priori, foi proposto centralizar as atividades na matemática, haja visto a
recente atribuição da Medalha Fields ao brasileiro Artur Ávila, pesquisador do Instituto
de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro. Entretanto, com o passar das
discussões, os bolsistas envolvidos transportaram seu olhar para o cotidiano e
interesses dos próprios alunos que receberiam a atividade preparada. Discutiu-se de
“água” a “corpo humano”, passando por “contágio”, “geometria” e outros. Após a
escolha do assunto principal, cada área se reúne separadamente fazendo um
brainstorm”, escolhendo subtemas a serem trabalhados, construindo um mapa de
conceitos a serem abordados pela área.
Após a elaboração do mapa de conceitos por área, antes de continuar o
planejamento da aula, os bolsistas se reuniram novamente nos grupos
interdisciplinares, para propor um mapa conceitual geral (MOREIRA, 2006), incluindo
todas as áreas. Neste momento, avaliam os conceitos a serem abordados, e realizam as
adequações em termos de quantidade e qualidade desses conceitos, para atender à
escolha temática realizada. Moreira afirma que:
Mapas conceituais podem ser uma ferramenta importante para
focalizar a atenção do planejador de currículo para o ensino de
166
conceitos e para distinção entre conteúdo curricular e conteúdo
instrumental. Ou seja, entre o conteúdo que se espera que seja
aprendido e aquele que servirá de veículo para a aprendizagem
(STEWART et al., 1979). Um bom planejamento de currículo
implica uma cuidadosa análise de quais são os conceitos centrais
para o entendimento da disciplina, ou parte da disciplina, que está
sendo considerada. Mapas conceituais podem ser extremamente úteis
nessa tarefa (MOREIRA, 2006, p. 26).
Por fim, todos os grupos das quatro áreas juntos, planejam, constroem e
lapidam coletivamente a forma e as estratégias a serem utilizadas nas atividades
propostas. Assim, os licenciandos buscam organizar o assunto a ser apresentado aos
alunos, em um tempo específico, ou seja, um período de aula, ocupando as cinco aulas
para cada turma/dia de aula.
A escolha da série a ser atendida pela “super-aula” é determinada em conjunto
com os professores supervisores, com os coordenadores das quatro áreas, e com os
docentes colaboradores da Universidade, num processo de avaliação coletiva, que tem
por base os conteúdos trabalhados anteriormente com as turmas, a fim de determinar o
nível de aprofundamento a ser atingido, além de levar em consideração os
conhecimentos prévios dos alunos (TEIXEIRA; SOBRAL, 2010), levantados em cada
disciplina.
A apresentação da “super-aula” utiliza, além de slides em power point, da
realização de atividades experimentais de diversos tipos, atividades interativas e
atividades que privilegiam a ação dos alunos, além de exercícios dinâmicos em grupos,
para a melhor aprendizagem de conceitos. Cada área propõe como serão realizadas
essas atividades. A “super-aula” é apresentada antes na universidade com a
participação de supervisores, colaboradores e coordenadores de área, para realização
das adequações necessárias, além da observação do tempo, para que este seja utilizado
da melhor forma possível.
A “super-aula” guerra e desenvolvimento científico.
Na “super-aula”, que é aqui descrita, o tema escolhido foi “A Guerra e o
desenvolvimento científico” e cada área elaborou o mapa de conceitos para sua
disciplina. No caso da Química, os principais conceitos abordados foram o lançamento
de projéteis e o impacto de sua utilização no ambiente. Coube à Biologia tratar do
fenômeno da bioacumulação e da relação entre o nitrogênio e os vegetais.
167
A aplicação da “super-aula” foi realizada com o auxílio de slides, onde o tema
foi abordado de acordo com o planejamento decidido pelos bolsistas. Buscou-se
mostrar uma continuidade entre os conceitos, com os bolsistas das diferentes áreas
trabalhando de forma natural e interdisciplinar. Durante a aula, os experimentos
selecionados foram aplicados para promover a interação com os alunos, estimulando a
construção de hipóteses explicativas para os resultados obtidos nos experimentos,
relacionados diretamente ao tema principal. A “super-aula” “A guerra e o
desenvolvimento científico”, utilizou as cinco aulas do período. O grupo de bolsistas
apresentou o tema e a proposta de trabalho para a aula. Passou- se então a uma breve
apresentação histórica dos conceitos abordados no tema. Durante o trabalho foram
explorados pelos bolsistas diversos recursos tecnológicos, como por exemplo slides e
recursos áudiovisuais, como vídeos, imagens ou softwares interativos.
Os exercícios e atividades propostas foram avaliados e discutidos durante a
aula, e em alguns casos foi possível uma maior interação devido à variação das
respostas nos diferentes grupos de alunos. Para cada atividade os bolsistas se
organizaram para auxiliar-se mutuamente com as dúvidas e dificuldades sobre a prática
ou sobre os conceitos.
A proposta investigativa (CAÑAL, 2007) parte do princípio de que é necessário
um questionamento constante para a condução do processo de aprendizagem. Os
bolsistas evitaram as “respostas prontas”, buscando conversar e questionar os alunos
sobre cada atividade realizada, mantendo a atenção e o interesse destes para o tema.
As atividades desenvolvidas pela Química na “super-aula” trabalharam
conceitos apresentados desde o início da mesma, partindo da utilização de um canhão
(Figura 1) (construído pelos bolsistas e docentes colaboradores), que foi o experimento
base para todo o processo investigativo. Enquanto a Física e a Matemática trabalharam
os conceitos relacionados à trajetória do projétil, a Química explorou os conceitos que
fazem o projétil ser expelido: os explosivos e a lei dos gases.
168
Figura 1: O canhão construído pelos bolsistas para a super-
aula Guerra
Fonte: autoria própria.
Quando atentamos para a composição dos principais explosivos e munições,
deparamo-nos com dois elementos químicos recorrentes: o Chumbo (Pb) e o
Nitrogênio (N). O que eventualmente não se tem em mente, principalmente por parte
dos estudantes de ensino médio, para quem a “super-aula” foi planejada e ministrada,
é que os processos de explosão não tem seu fim em si mesmo ou seja, um explosivo
ao ser detonado não faz com que todo seu conteúdo se desintegre de imediato, as finas
partículas que o compõem tendem a se dispersar pelo meio, atingindo e estabelecendo-
se nos mais diversos sistemas naturais e níveis tróficos, inclusive no próprio organismo
humano, o que foi explorado pela Biologia.
Quando se tratou do segundo fator responsável pela viajem do projétil, discutiu-
se o conceito de gás, partindo das variáveis de estado, ou seja, pressão, volume e
temperatura e a relação que existem entre elas (as leis de Boyle-Mariotte, Charles,
Gay-Lussac e Avogrado) que levam a formulação da equação de estado (Equação de
Clapeyron).
O explosivo utilizado para a explosão do canhão foi a azida de chumbo (Figura
2), explosivo este de uso militar e que os alunos não têm acesso (isso é muito
importante para os mesmos não tentarem replicar o experimento em casa e causar
algum tipo de acidente; Essa é a razão de não ser utilizado um explosivo mais simples,
como por exemplo a pólvora). Durante o processo mostrou-se a reação química
envolvida na decomposição da azida de chumbo - abrindo espaço para as atividades
propostas pela Biologia (produtos da reação) - e a partir daí o conceito de quantidade
de matéria (mol) para ser utilizado na Equação de Estado.
169
Figura 2: Reação química envolvida na decomposição da
azida de chumbo.
Pb(N
3
)
2 (S)
→ Pb
(S)
+ 3N
2(G)
Fonte: autoria própria.
Os conceitos biológicos trabalhados sob esta perspectiva foram a
bioacumulação e a relação entre o nitrogênio e os vegetais, interligando e integrando a
Química e a Biologia. Para a discussão do conceito de bioacumulação, a questão
motivadora utilizada para
levantamento de conhecimentos prévios foi: “o que acontece
com o aquele N
2
e Pb liberados
durante o lançamento do projétil visto no início da
aula?”.
A partir desta questão foram apresentadas imagens de contaminação de corpos
d’água por efluentes industriais ricos em metais pesados e a consequência para os
organismos aquáticos; O uso de pesticidas a base de arsenato de chumbo, sua absorção
pelos vegetais e a relação com a cadeia alimentar, bem como os efeitos e processos de
bioacumulação do chumbo no próprio organismo humano.
Quanto ao nitrogênio, evidenciou-se sua relação com o ambiente (composição
atmosférica, composição dos ácidos nucleicos, seu aproveitamento por parte dos
organismos), bem como o processo de fixação deste elemento a partir de seu ciclo
biogeoquímico. Trazer ao aluno o processo de fixação do nitrogênio e da síntese da
amônia segundo as vias naturais, acompanhado na sequência do trabalho desenvolvido
na Química, permitiu a comparação deste processo com a síntese artificial de amônia
no processo de Haber-Bosch, possibilitando a discussão sobre a efetividade biológica
ante as ações antrópicas industriais.
A utilização do conhecimento científico pela sociedade foi também foi uma
preocupação tomada pelo grupo. Após a abordagem dos conceitos relacionados à
produção da amônia, incluindo o conceito de Equilíbrio Químico, os alunos foram
questionados sobre o processo de produção desenvolvido pelos químicos Haber e
Bosch. O processo de produção (amônia) rendeu ao químico Fritz Haber um prêmio
Nobel de Química, apesar do avanço bélico em massa gerado pela produção industrial
da substância. Além disso, Haber também foi responsável pelo desenvolvimento de
inúmeros agentes químicos utilizados durante a guerra. Os alunos foram convidados a
refletir sobre esta premiação e sobre a importância da produção de amônia para a
expansão da agricultura e a produção de alimentos em grande escala.
170
Ampliando ainda os conceitos discutidos em aula e relacionando-os à realidade
cotidiana dos alunos, foram trazidos para a discussão exemplos de contaminação por
metais pesados, que ocorreram na região de Bauru (São Paulo), e as consequências
desses problemas para a saúde da população e para o ambiente. Muitos dos alunos
relembraram e reconheceram a gravidade do caso, e discutindo o tema com base nos
conhecimentos apreendidos durante a aula, exemplificaram com casos de pessoas
conhecidas ou parentes que foram contaminados.
Após a aplicação da “super-aula” todos os bolsistas se reúnem novamente para
discutir e avaliar a experiência, analisando de forma crítica a aplicação das atividades e
experimentos, além da aprendizagem dos conceitos. Esta avaliação é realizada à luz do
referencial teórico (FREIRE, 1974; CAÑAL, 2007; ROCHA FILHO et al., 2006) de
forma a melhorar o planejamento para futuras propostas.
Percebeu-se que quanto mais diferenciadas e dinâmicas as atividades propostas
na “super-aula”, mais os alunos interagem e participam. Nos momentos em que as
atividades estiveram centradas nos professores, tornando-se mais expositivas, a sua
resposta não foi tão positiva. Isso foi observado por todos os bolsistas, gerando um
momento de avaliação, reflexão e discussão sobre as atividades desenvolvidas e
permitindo a reorientação do planejamento (FUSARI, 1990).
Percebeu-se também que os alunos abdicaram do uso do telefone celular
durante o período da “super-aula”, dificuldade enfrentada e bastante apontada pelos
professores da escola. Com isto percebe-se que o nível de interesse em compreender o
conteúdo, contornando um dos problemas em sala de aula. Foram poucos os alunos
desinteressados durante as atividades desenvolvidas, entretanto, quando as atividades
experimentais foram realizadas, todos os alunos participaram na tentativa de
compreender os conceitos vinculados a elas, tirando as dúvidas com os colegas e com
os bolsistas.
Considerações finais
As atividades desenvolvidas no planejamento e aplicação da “super-aula”
“Guerra e o desenvolvimento científico” vinculadas aos subprojetos PIBID, pelos
bolsistas da Faculdade de Ciências, UNESP, campus de Bauru, se mostraram muito
eficazes para promover o interesse dos alunos, apresentando os resultados esperados.
Pesquisas realizadas pelo grupo mostram sua eficácia também na aprendizagem dos
171
alunos, dos licenciandos e formadores (LOPES et al., 2011; PRADO et al., 2011;
SILVA et al., 2012; TONON et al., 2011; ZULIANI et al., 2011). Anteriormente a esta
“super-aula”, três outras haviam sido desenvolvidas, com resultados interessantes.
Estas foram avaliadas com base nas reflexões realizadas pelos bolsistas, professores da
escola, docentes e pelos próprios alunos.
Podemos reafirmar que produzir uma aula interdisciplinar é bastante complexo
e exige um alto grau de conhecimento, além do desejo e interesse do professor que
planeja contextualizar suas aulas de forma integrada às demais áreas. Facilitar o
entendimento de conceitos e conteúdos, partindo do princípio de que cada área da
ciência tem sua importância e exerce um papel fundamental, possibilita ao aluno
construir seus conhecimentos de forma coerente e coesa. Por fim, os alunos conseguem
perceber a forma como as disciplinas se relacionam e se complementam, percebendo a
construção evolutiva das explicações científicas, que dependem não de um, mas de
vários conceitos. Esta proposta de ensino rompe o paradigma do isolamento das áreas,
defendendo a sua integração com as demais e favorecendo uma visão holística do
conhecimento.
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789, 2011.
173
Sobre Autores
Ariel Cristina Gatti Vergna, Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (PPGE/UFSCar/São
Carlos). São Carlos – SP - Brasil. E-mail: arielvergna@gmail
Caroline Raniro, Departamento de Psicologia Faculdade de Ciências e Letras
Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho FCLAr/UNESP. Araraquara SP -
Brasil. E-mail: carolraniro@yahoo.com.br
Claudia Regonha Suster, mestranda em Educação pelo Departamento de Educação da
Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - Unesp/ Instituto de
Biociências. Rio Claro - SP - Brasil. E-mail: claudia_suster@hotmail.com
Débora Cristina Fonseca, Docente do Programa de Pós-graduação em Educação do
Departamento de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho” UNESP Campus Rio Claro. Rio Claro SP Brasil. E-mail:
deboracf@rc.unesp.br
Dierlem Cristina de Oliveira, Graduanda em Pedagogia, Faculdade de Ciências e
Letras de Araraquara. Araraquara SP Brasil. Integrante bolsista do Programa de
Educação Tutorial (PET Pedagogia) MEC/SESu. E-mail: dierlemcdo@gmail.com
Elaine Sampaio Araújo, Professora Doutora Departamento Educação - Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto- USP/Ribeirão. E-mail:
esaraujo@usp.com.br
Elisiane Spencer Quevedo Goethel, Mestranda do Programa de Pós-graduação em
Educação do Departamento de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de
Mesquita Filho” UNESP Campus Rio Claro. Rio Claro SP Brasil. E-mail:
lisispencer@gmail.com
Fernanda O. D Valentim, Universidade Estadual Paulista. Bolsista OBEDUC/CAPES,
professora da rede municipal de ensino de Marília SP Brasil. E-mail:
ferdourado2008@hotmail.com
Geovana Zamboni Pazetto, Professora de Química. E.E. Prof. Marcelo de Mesquita.
Ipeúna/SP. E-mail: gizamboni@bol.com.br
Isadora A. Garla, Universidade Estadual Paulista. Bolsista OBEDUC/CAPES, aluna
do Curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília SP Brasil. E-
mail: isadora.garla@gmail.com
João Eduardo Ramos, Instituto de Física Universidade de São Paulo IF/USP SP
– Brasil
Kátia Aparecida Da Silva Nunes Miranda, Mestre em Estudos de Linguagem.
Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagem (MeEL/UFMT), doutoranda em
Educação pela Universidade Federal de São Carlos UFSCar/S´P, integrante do grupo
de pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos; linha de pesquisa Educação de
Jovens e Adultos em situação de restrição e privação de liberdade. E-mail: katia-
nmiranda@hotmail.com
174
Leticia dos Santos Marchesini, Depto. de Química - Faculdade de Ciências UNESP.
E-mail: santosmarchesini@gmail.com
Leticia Karoline Ferreira, Graduanda em Pedagogia, Faculdade de Ciência e Letras
Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,
UNESP. E-mail: leticiakaro@hotmail.com
Luciene Regina Paulino Tognetta, Docente do Departamento de Psicologia,
Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara, Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, UNESP. Araraquara SP Brasil. E-mail:
lrpaulino@uol.com.b
Lucinalva Almeida, Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) Núcleo de Formação Docente Caruaru Pernambuco Brasil. E-mail:
nina.ataide@gmail.com
Luís Paulo Piassi, Escola de Artes, Ciências e Humanidades Universidade de São
Paulo – EACH/USP – SP – Brasil.
Maria Aparecida Miranda, Mestranda Departamento Educação - Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto- USP/SP Brasil. E-mail:
airamat@uol.com.br
Maria Cecília Luiz, Professora associada da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Departamento de Educação Ded/UFSCar. São Carlos SP Brasil. E-
mail: cecilialuiz@ufscar.br
Maria Cristina de Senzi Zancul, Professora do Departamento de Ciências da
Educação. Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. FCLAr/UNESP/Araraquara. Araraquara SP
Brasil. E-mail: mczancul@fclar.unesp.br
Maria Eliza B. Arnoni, Professora Assistente Doutora na UNESP/Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" IBILCE/Instituto de Biociências, Letras e
Ciências Exatas - Campus de São José do Rio Preto - Professora Permanente do
"Programa de Pós Graduação em Educação Escolar" da UNESP de Araraquara (desde
2007). Possui Doutorado (2001) em Educação pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP); Mestrado (1992) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-
mail: melizaarnoni@hotmail.com
Maria Josefa B. Canela, Mestranda em educação, na linha Educação Escolar pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Araraquara/SP.
Possui Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (2011),
Pós Graduação Lato Sensu em Educação Infantil, Alfabetização e Letramento
(Aprendizagem e Desenvolvimento no Processo de Escolarização/UEM, 2013). E-mail:
josefa.mestradounesp@gmail.com
Maria Julia Melo, Mestre em Educação Contemporânea pela Universidade Federal de
Pernambuco/ Centra Acadêmico do Agreste (UFPE /CAA), doutoranda em Educação na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Recife PE Brasil. E-mail:
melo.mariajulia@gmail.com
Maria Piedade Resende da Costa, Departamento de Psicologia- Programa de Pós
Graduação em Educação Especial Universidade Federal de São Carlos. São Carlos
SP- Brasil. E-mail: piedade@ufscar.br
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Maria Terezinha Siqueira Bombonato, Depto. de Ciências Biológicas - Faculdade de
Ciências – UNESP. Bauru – SP –Brasil. E-mail: mtsb@fc.unesp.br
Marina Andrade Pinheiro, Pós-graduação em Psicopedagogia, Fundação Hermínio
Ometto – FHO, Araras – SP - Brasil. E-mail: marina_apinheiro@yahoo.com.br
Marina Andrade Pinheiro, Pós-graduação em Psicopedagogia, Fundação Hermínio
Ometto – FHO, Araras – SP - Brasil. E-mail: marina_apinheiro@yahoo.com.br
Miryan Cristina Buzetti, Departamento de Psicologia- Programa de Pós Graduação
em Educação Especial Universidade Federal de São Carlos. São Carlos SP- Brasil.
E-mail: miryan_05@hotmail.com
Patricia De Oliveira, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial,
Universidade Federal de São Carlos. São Carlos SP Brasil. E-mail:
patriciaoliveira.eduesp@gmail.com
Paula Sabrina Martins de Souza, Depto. de Ciências Biológicas - Faculdade de
Ciências – UNESP. Bauru – SP – Brasil. E-mail: paulasabrinams@gmail.com
Priscila Carla Cardoso, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação do
Departamento de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho” – UNESP. Rio Claro – SP – Brasil. E-mail: priscilacarlacardoso@gmail.com
Rafael Kobata Kimura, Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia Universidade
Paulista – ICET/UNIP. E-mail: rafael.k.kimura@gmail.com
Rodrigo Magalhães Arena, Depto. de Química - Faculdade de Ciências UNESP. E-
mail: rodrigoarena@hotmail.com
Rosebelly Nunes Marques, Pesquisadora do Depto.de Economia, Administração e
Sociologia - ESALQ/USP/Piracicaba. E-mail: rosebelly.esalq@usp.br
Rosimar B. Poker, Professora do Departamento de Educação Especial, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Universidade Estadual Paulista UNESP/Marilia. E-mail:
poker@marilia.unesp.br
Silvia Regina Quijadas AroZuliani, Depto. de Educação - Faculdade de Ciências
UNESP. Bauru – SP – Brasil. E-mail: silviazuliani@fc.unesp.br
Sílvia Regina Ricco Lucato Sigolo, Departamento de Psicologia Faculdade de
Ciências e Letras Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho UNESP.
Araraquara – SP – Brasil. E-mail: sigolo@fclar.unesp.br
Solange Maria de BARROS, Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo PUC/SP (2005). Pós-doutorado no Instituto de
Educação (IOE) da Universidade de Londres, sob supervisão de Roy Bhaskar, com
apoio financeiro da CAPES (2012-2013), Professora do Programa de Mestrado em
Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso (MeEL/UFMT). E-
mail: solbip@yahoo.com.br
Talita Mazzini Lopes, Doutoranda em Educação Escolar. Faculdade de Ciências e
Letras de Araraquara. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”.
FCLAr/UNESP. Araraquara – SP – Brasil. E-mail: Talita_lopes6@yahoo.com.br
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Tamyres Vituri, Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista “Julio
de Mesquita Filho” UNESP/Instituto de Biociências. Rio Claro SP - Brasil. E-mail:
tamyres.vituri@gmail.com