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Edições
EDUCAÇÃO E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
José Luís Bizelli
Luci Regina Muzzeti
(Organizadores)
Itapetininga
2019
Bizelli, José Luís.
Educação e formação de professores/ José Luís Bizelli e Luci Regina
Muzzeti. 1. ed. Itapetininga, SP: Edições Hipótese, 2019
227 p.
ISBN: 978-65-80428-03-8
Inclui bibliografia
1. Educação. 2. Formação de professores. 3. X EIDE. I. José Luís Bizelli. II.
Luci Regina Muzzeti. III. Título.
CDU 37/49
DOI: 10.21723/978-65-80428-00-7
Ficha Técnica
Organizadores
Prof. Dr. José Luís Bizelli
Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
Departamento de Antropologia, Política e Filosofia
Profa. Dra. Luci Regina Muzzeti
Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
Departamento de Didática
Equipe Técnica
Editoração, diagramação e organização
Coordenação
Prof. Me. José Anderson Santos Cruz
Editor
Doutorando em Educação Escolar, Faculdade de Ciências e Letras,
FCLAr/UNESP
Prof. Departamento Pós-graduação Faculdade Anhanguera de Bauru/SP
Revisor
Gramática e ortografia
Thaís Conte Vargas
Mestra em Educação Escolar
Faculdade de Ciências e Letras, FCLAr/UNESP
Assistente de diagramação e normalização
Marcus Vinicius Tomasi Cruz
Julio Cesar Tomasi Cruz
Capa
Elvis de Souza Baldoino
Editora
Edições Hipótese
Contato: contato.riaee@gmail.com
ISBN: 978-65-80428-03-8
Editorial
Aqui estamos apresentando mais uma obra organizada por
José Luís Bizelli & Luci Regina Muzzeti. Vimos, neste livro, parte
do esforço de ambos para melhorar a educação.
O foco é a “formação de professores”, uma linha de trabalho
fundamental, ao mesmo tempo tão complexa, que requer
constantes pesquisas, análises e práticas, pois, enquanto houver
educação, haverá a necessidade de se refletir sobre a docência e
sua formação inicial e continuada.
Neste livro, a formação docente é tratada na relação com as
tecnologias e com o ensino à distância. Mas, também sua
historicidade, políticas, carreira são colocadas em evidência.
capítulo dedicado ao movimento da Escola Moderna de Portugal,
no qual se discute a questão da autoformação. Assim como
capítulo que se debruça sobre um tema palpitante, que é a
identidade profissional.
Outros capítulos vão desenhando a delineada
complexidade que envolve a docência: ética, cotidiano, currículo,
didática, produção científica, aprendizagem, bullying,
sexualidade, sociologia, ensino superior... Enfim, temos em mãos
um belo livro, que somente ajuda no desenvolvimento e no
fortalecimento de uma área que, paradoxalmente, recebe tanta
atenção por parte dos pesquisadores, mas ainda permanece tão
carente.
Este é o primeiro editorial que escrevo não mais como editor,
mas como representante do conselho das Edições Hipótese,
formado por um coletivo de colegas pesquisadores que se dedicam
voluntariamente à tarefa de deliberar sobre as obras a serem
publicadas. O tempo que permaneci coordenando as edições foi de
aprendizado ótimo, contudo, a gestão que ora assume tem
condições de cuidar dos processos editoriais de maneira muito
mais ágil e com um profissionalismo que foge da minha alçada.
Ainda assim, o princípio continua: publicação de livros digitais,
de acesso livre e gratuito aos leitores. Exatamente como é este
livro.
Excelente leitura,
Itapetininga, maio de 2019
Prof. Dr. Ivan Fortunato, em nome do conselho editorial das Edições Hipótese
Apresentação
Mesmo nas sociedades mais complexas, quando se pensa na tarefa de educar vale
refletir sobre a frase Navegar é preciso, viver não é preciso. Para além dos múltiplos
sentidos dados por Pompeu, por Petrarca, por Fernando Pessoa ou por Caetano
Veloso, como oferecer ferramenta de precisão para que seres humanos aprendam como
navegar na imprecisão da vida que estamos concretamente construindo?
Estaria, assim, esboçado o desafio para quem quer formar o professor,
que a tarefa do educador é interpretar quais habilidades a vida exigirá do cidadão, ou
quais as competências que o mercado exigirá do trabalhador?
Educar um professor é processo contínuo sem data para sua conclusão,
processo que sofre influência de transformações econômicas, políticas e sociais; que se
desafiado a absorver inovações tecnológicas que encurtam tempos e superam
barreiras do espaço através das plataformas digitais disponíveis às relações pedagógicas;
que exige conhecimento histórico sobre as unidades de ensino, sobre suas autonomias
para regular atividades a partir do exercício de apreender, sistematizar e absorver
rapidamente o universo de experiências vividas; que está aberto às teorias
interpretativas e aos novos temas; processo que se retroalimenta na construção
pedagógica da escola.
Em um pequeno livro como este, não pretensão de enfrentar o desafio da
formação de professores, mas apenas tocar em aspectos que desenhem contornos da
temática através da contribuição de autores que se dedicam a analisar unidades escolares
brasileiras.
Assim, os dois primeiros textos dão um panorama de como a formação de
professores vem absorvendo inovações tecnológicas nas escolas as quais têm que
enfrentar mares revoltos. Em Formação para a docência e as tecnologias
contemporâneas, José Anderson Santos Cruz e José Luís Bizelli abordam a questão
comparando a rapidez com a qual a cultura absorve as tecnologias de informação e
comunicação e os perfis da graduação e da pós-graduação brasileira que não conseguem
acompanhar esse processo. Daniela Dermínio-Posterare Santos e Sebastião de Souza
Lemes no texto Novas demandas para o ensino a distância: formação profissional
da tutoria detém-se nas habilidades necessárias para que docentes atuem em cursos de
ensino técnico e superior oferecidos na modalidade de ensino a distância da Rede
Escola Técnica Aberta do Brasil e do Sistema Universidade Aberta do Brasil.
No entanto, a instabilidade da vida cotidiana eivada por determinantes da
aceleração do tempo e da ruptura com a presencialidade física tem na história seu
timão. Neide Pena Cária e Sandra Maria da Silva Sales Oliveira, em A formação de
professor e a profissão docente no contexto histórico, mergulham na gênese e evolução
histórica da constituição da identidade do professor e da profissão docente para pensar
políticas de formação docente como discussão tensa, sujeita a questões de relações de
poder. Da mesma forma, o texto Autoformação cooperada e a formação de
professores: reflexões acerca do movimento de Júlia Carolina da Costa Santos e
Maria Silvia Rosa Santana para discutir a profissionalidade docente no enfoque
Histórico-Cultural, analisa o Movimento da Escola Moderna que emerge em Portugal,
na década de 1960 como espaço cooperativo e democrático de formação de
professores. A profissionalidade docente também é o tema de Nívea Roberta Moraes B.
Lemos, Crislainy de Lira Gonçalves e Lucinalva Andrade Ataíde de Almeida, em A
relação entre currículo, identidade e profissionalidade docente: uma análise a partir
da produção discursiva da ANPED. Os resultados encontrados pelas autoras apontam
que a identidade profissional não é dada ou imutável, assim como a profissionalidade
não é homogênea, visto que compreendem instâncias de criação e de recriação
possibilitadas pelos currículos, assim como pelos múltiplos contextos e sujeitos.
O timoneiro, porém, ao decidir sobre os caminhos a serem percorridos deve
estar pautado por princípios de uma ética da existência. Segundo Célia Smarjassi em
A formação do professor: um estudo a partir da concepção de ética em Paul Ricoeur
a prática docente reclama por essência e por vocação de atuação eminentemente ética,
que o professor forma humana a valores. Através da leitura de Ricoeur, a autora
mostra a importância de que a formação ética do profissional absorva a postura singular
de ser e estar no mundo de cada professor. Rebeca Pizza Pancotte Darius, Augusta
Padilha e Marta Silene Ferreira Barros reforçam a contribuição da formação para a ética
como instrumento de análise das sociedades concretas, em Cotidiano, ética e formação
de professores: algumas aproximações.
Decidir o rumo é uma das tarefas do ator: controlar os imperativos do
ambiente exige instrumentos. Em Grupo focal: atividade de percepção teórica para
docentes, Rosangela Miola Galvão de Oliveira e Sandra Aparecida Pires Franco
demonstram, em projeto de intervenção, como a técnica do Grupo Focal auxiliou os
participantes a agirem na busca de mudanças em instituições de ensino. Os dois outros
textos, As políticas-práticas curriculares na formação de professores: um olhar para
componente curricular didática, de Maria Angélica da Silva, Geisa Natália da Rocha
Silva e Lucinalva Andrade Ataíde de Almeida, e As necessidades formativas de
professores na produção científica: encontros com a(s) didática(s), de Camila José
Galindo e Ivete Cevallos, analisam a Didática como local de encontro entre as políticas
e as práticas curriculares. O primeiro texto traz como lente analítica a abordagem
teórico-metodológica da Análise de Discurso, que possibilita abordar o currículo e a
didática enquanto produções discursivas. O segundo aponta para a necessidade
formativa na produção científica das Didáticas e das Ciências.
Importante destacar que segmentos de atuação o priorizados. Dois textos
enfrentam a formação de professores para a educação básica. Em A concepção de
aprendizagem na formação de professores da educação básica: as contribuições da
psicologia histórico-cultural, Ana Claudia de Oliveira G. Merli, Cristiane Mara
Rajewski e Ivete Janice de Oliveira Brotto percorrem a legislação buscando o lugar que
ocupa o conhecimento sobre aprendizagem nas leis, através do filtro da Psicologia
Histórico-Cultural. Christiane Bellório Stevão, Lígia M. V. Trevisan, Guaracy Tadeu
Rocha, Marcela F. Fossey e Tânia Cristina A. Macedo de Azevedo em Perfil do
professor da educação básica do estado de São Paulo tomam os resultados do
SARESP e do TALIS (Teaching and Learning International Survey) para identificar o
perfil de competência dos professores de Matemática, Língua Portuguesa, Ciências,
Biologia, Física e Química, bem como habilidades para as quais são necessárias ações
de formação.
Da mesma forma, temáticas específicas estão focalizadas. Em Formação
docente em serviço: reflexões anti-bullying, Ivone Pingoello defende que é essencial
aumentar a capacidade de intervir nos problemas ocasionados pela prática de bullying
nas escolas, através de educação continuada. Maria Angela Barbato Carneiro, em
Cooperar, refletir e formar, com base na pedagogia da cooperação, indica ações
fundamentais para o trabalho em grupo: respeitar a ideia do outro e compreendê-la;
evitar julgamentos apressados; escuta ativa (opinar); complementar as opiniões;
organizar as ideias e oferecer contribuições ao grupo; e auxiliar os colegas nas
dificuldades apresentadas. Mauro Meirelles, Maria Regina Momesso, Luciana Hoppe e
Carina Pozzebom, em Sobre as ruínas do velho nasce o novo: deambulando sobre
sexualidade, formação de professores e uso de metodologias inovadoras em sala de
aula, buscam instar o professor a refletir sobre sua prática docente, objetivando
reavaliar sua postura acerca da temática sexualidade, evitando as metodologias mais
tradicionais. Evelin Oliveira de Rezende, Cristina Yoshie Toyoda e Luci Pastor Manzoli
em Resgate da historicidade da formação de professores no Brasil: impasses entre a
formação geral e específica na pedagogia à luz da educação especial procuram
traçar o quadro de iniciativas governamentais referentes à formação de professores, que
estão atreladas ao campo da Educação Especial.
Finalizando, projetos específicos de intervenção na área de formação
docente também são analisados. Em O curso de formação específica de docentes da
secretaria da educação do estado de São Paulo: necessidades docentes, José Carlos
Constantin Junior e Maristela Angotti abordam a temática sob a ótica das necessidades
de professores iniciantes que se vincularam à Escola de Formação e Aperfeiçoamento
de Professores “Paulo Renato Costa Souza” EFAP. Já Renata de Almeida Vieira em
Programa permanente de desenvolvimento profissional e formação pedagógica
docente PRODOC debruça-se sobre o referido programa da Universidade Federal
de Alfenas (UNIFAL-MG), cujo trabalho coaduna-se com a atual exigência de
formação continuada para a docência na Educação da região sul de Minas Gerais.
Andressa de Oliveira Martins, rcia Regina Onofre e Aline Sommerhalder em
Formação continuada de professoras de educação infantil: o projeto de extensão
“Veredas” analisam os caminhos, políticas e práticas de profissionais que atuam com
crianças de 0 a 3 anos de idade em uma instituição de educação infantil na cidade de
São Carlos/ SP. Na mesma região, Eva Aparecida da Silva em Reflexões preliminares
sobre práticas, metodologias e formação de professores para o ensino de sociologia
traz à luz a formação contida nas disciplinas Prática e Metodologia de Ensino em
Ciências Sociais e Estágio Supervisionado de Prática de Ensino em Ciências Sociais,
ministradas na licenciatura do Curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Ciências e
Letras, Unesp, Campus de Araraquara. O suporte didático dos cursos são os Cadernos
de Sociologia, elaborados para implantar a Proposta Curricular do Estado de São Paulo
para a Disciplina de Sociologia, e o livro Sociologia para o Ensino Médio, de Nelson
Dácio Tomazi. Em Formação docente e prática pedagógica no ensino superior em
enfermagem, Carla Natalina da Silva Fernandes e Maria Conceição Bernardo de Mello
e Souza identificam a relação entre formação docente e seu reflexos na prática
pedagógica no ensino superior de enfermagem entre professores de instituições públicas
municipais ou estaduais em Goiás.
Assim, são estes os contornos desenhados por este livro sobre a temática da
formação de professores. Cabe um agradecimento a cada um dos autores que confiaram
seus textos aos organizadores e o desejo de frutífera leitura aos que se interessam pelo
tema.
José Luís Bizelli
Luci Regina Muzzeti
SUMÁRIO
Formação para a docência e as tecnologias contemporâneas ................................... 13
José Anderson SANTOS CRUZ e José Luís BIZELLI
Novas demandas para o ensino a distância: formação profissional da tutoria ....... 27
Daniela Dermínio-Posterare SANTOS e Sebastião De Souza LEMES
A formação de professor e a profissão docente no contexto histórico ..................... 36
Neide Pena CÁRIA e Sandra Maria da Silva SALES OLIVEIRA
Autoformação Cooperada e a Formação De Professores: reflexões acerca do
Movimento da Escola Moderna em Portugal a partir do enfoque Histórico-
Cultural ......................................................................................................................... 46
Júlia Carolina da COSTA SANTOS e Maria Silvia ROSA SANTANA
A relação entre currículo, identidade e profissionalidade docente: uma análise a
partir da produção discursiva da ANPED ................................................................. 56
Nívea Roberta Moraes B. LEMOS, Crislainy De Lira GONÇALVES e Lucinalva
Andrade Ataíde DE ALMEIDA
A formação do professor: um estudo a partir da concepção de ética em Paul
Ricoeur ........................................................................................................................... 64
Célia SMARJASSI
Cotidiano, ética e formação de professores: algumas aproximações ....................... 73
Rebeca Pizza Pancotte DARIUS, Augusta PADILHA e Marta Silene Ferreira BARROS
Grupo focal: atividade de percepção teórica para docentes ..................................... 89
Rosangela Miola GALVÃO DE OLIVEIRA e Sandra Aparecida PIRES FRANCO
As políticas-práticas curriculares na formação de professores: um olhar para
componente curricular didática .................................................................................. 99
Maria Angélica da SILVA, Geisa Natália da ROCHA SILVA e Lucinalva Andrade
Ataíde de ALMEIDA
As necessidades formativas de professores na produção científica: encontros com
a(s) didática(s) ............................................................................................................. 107
Camila José GALINDO e Ivete CEVALLOS
A concepção de aprendizagem na formação de professores da educação básica: as
contribuições da psicologia histórico-cultural ......................................................... 117
Ana Claudia de Oliveira G. MERLI, Cristiane Mara RAJEWSKI e Ivete Janice de
Oliveira BROTTO
Perfil do professor da educação básica do estado de são Paulo ............................. 127
Christiane Bellório STEVÃO, Lígia M. V. TREVISAN, Guaracy Tadeu ROCHA,
Marcela F. FOSSEY e Tânia Cristina A. Macedo De AZEVEDO
Formação docente em serviço: reflexões anti-bullying ............................................ 142
Ivone PINGOELLO
Cooperar, refletir e formar ........................................................................................ 152
Maria Angela BARBATO CARNEIRO
Sobre as ruínas do velho nasce o novo: deambulando sobre sexualidade, formação
de professores e uso de metodologias inovadoras em sala de aula ......................... 161
Mauro MEIRELLES, Maria Regina MOMESSO, Luciana HOPPE e Carina
POZZEBOM
Resgate da historicidade da formação de professores no brasil: impasses entre a
formação geral e específica na pedagogia à luz da educação especial ................... 170
Evelin Oliveira de REZENDE, Cristina Yoshie TOYODA e Luci Pastor MANZOLI
O curso de formação específica de docentes da secretaria da educação do estado de
são paulo: necessidades docentes .............................................................................. 180
José Carlos CONSTANTIN JUNIOR e Maristela ANGOTTI
Programa permanente de desenvolvimento profissional e formação pedagógica
docente - PRODOC .................................................................................................... 186
Renata de ALMEIDA VIEIRA
Formação continuada de professoras de educação infantil: o projeto de extensão
veredas. ........................................................................................................................ 193
Andressa de OLIVEIRA MARTINS, Márcia Regina ONOFRE e Aline
SOMMERHALDER
Reflexões preliminares sobre práticas, metodologias e formação de professores
para o ensino de Sociologia. ....................................................................................... 203
Eva Aparecida da SILVA
Formação docente e prática pedagógica no ensino superior em enfermagem ...... 213
Carla Natalina da SILVA FERNANDES e Maria Conceição Bernardo de MELLO E
SOUZA
Sobre os autores .......................................................................................................... 222
13
Formação para a docência e as tecnologias contemporâneas
José Anderson SANTOS CRUZ
José Luís BIZELLI
A contemporaneidade nos impõe caminhar num ritmo acelerado. Em pouco
tempo, mudanças transformam qualquer novidade em algo superado: novidade hoje,
amanhã não mais! Como operar, então, o processo de formação de professores para o
Ensino Superior se prazos de preparação são longos e processos de escolarização se
desenvolvem de forma lenta desde a graduação até a pós-graduação? A reflexão sobre a
formação para docência em Universidades, de fato, esbarra em questões que dizem
respeito a habilitar profissionais que naveguem nas redes de inovações enfrentando
constantes e rápidas transformações culturais e tecnológicas.
Os dois aspectos estão imbricados: a Cultura responde sensivelmente às novas
relações que se dão a partir do universo criado pelas Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação (TDIC). Na sala de aula, o comportamento de estudantes
não é o mesmo: faz pouco tempo, os conteúdos seguiam o ritmo da exposição do
professor e sua capacidade de síntese revelada com giz sobre a lousa; muitas vezes
havia ditados e alunos transcreviam ensinamentos em cadernos. Hoje, a lousa digital
empacota os conteúdos para serem acessados via rede sem fio; os textos importantes
podem ser lidos em tablets, smartphones, notebooks; as pesquisas são feitas em
plataformas de busca pela internet, sendo praticamente impossível delimitar o volume
de informações disponíveis, em verdade a fronteira é a capacidade intelectual de
processamento do aluno. Se um professor desavisado utilizar a lousa e o giz, os alunos
eternizarão o conhecimento através de uma foto, feita por em celular e colocada para
circular na rede da classe. Assim, é possível levar a aula analógica para casa. Nesse
ambiente:
A Tecnologia Digital tem impulsionado intensas transformações em
todos os setores da sociedade, implicando em mudanças em nossos
hábitos, relações sociais e afetivas e criando novas formas de nos
comunicarmos, de ensinar e de aprender. Toda essa evolução, que
possui íntimas ligações com os ideais capitalistas e neoliberais, desafia
cada vez mais os paradigmas educacionais tradicionais e,
consequentemente, afeta diretamente o trabalho dos professores
(KALLAJIAN, 2012 [online].
14
Logo, exercer a docência exige do profissional olhar mais preparado para poder
interagir em sala de aula, que em um mesmo cenário coexiste uma multiplicidade de
apropriações
1
sobre o acesso às inovações tecnológicas possíveis: os que têm acesso e
habilidade para apropriar-se das informações; os que têm baixa oportunidade de acesso
e pequena habilidade; os que estão fora do pensar e agir digital, ou seja, os que precisam
rapidamente educar-se para refletir sobre suas vantagens, criticar seus limites e criar
novas formas de utilização.
A forma de encarar o exercício da aprendizagem muda, como já afirmava Delors
(1998), em fins do culo passado. Deve haver, portanto, um docente formado para
mediar através das tecnologias: capaz de inovar métodos e didáticas que explorem
fronteiras das descobertas humanas. Ganha complexidade a tarefa de formar docentes:
No sentido formal, docência é o trabalho dos professores; na
realidade, estes desempenham um conjunto de funções que
ultrapassam as tarefas de ministrar aulas. As funções formativas
convencionais como: ter um bom conhecimento sobre a disciplina,
sobre como explicá-la, foram tornando-se mais complexas com o
tempo e com o surgimento de novas condições de trabalho (VEIGA,
2005 [online]).
Se a graduação é ponto de partida para o início da carreira acadêmica no Ensino
Superior, é na pós-graduação que o educador se especializa na profissão. Diante das
exigências acadêmicas e da dedicação quase que exclusiva à carreira universitária, o
sistema de pós-graduação criou a categoria lato sensu com o intuito de desenhar um
nicho facilitador para os que optam pela docência universitária. Diante da crescente
oferta de cursos de pós-graduação lato sensu em Didática e Metodologia do Ensino,
como se a preparação do docente para lidar com as TDIC, ou seja, como as
especializações tratam a formação para a utilização dos novos meios tecnológicos
disponíveis na sociedade contemporânea?
Novas habilidades docentes
Para deter um domínio sobre o uso de tecnologias digitais, o professor o
necessita deixar de ser artesão do saber e do conhecimento baseando a prática de educar
em sua experiência concreta. No entanto, que se agregar a tudo isso dois
1
Para além do acesso, é o grau de Educação que permite maior ou menor apropriação sobre os meios
digitais (BIZELLI, 2015).
15
ingredientes: por um lado, a habilidade de compartilhar e absorver experiências de
outros colegas; e, por outro lado, a capacidade de se relacionar com profissionais de
outros campos do saber
2
.
A predisposição para o diálogo produtivo também se estabelece com discentes
que, não tendo o espaço de aula e os conteúdos ministrados como única fonte de
aprendizagem, exigem uma postura docente mais mediadora entre o mundo dos dados, a
seleção de informações relevantes e o conhecimento reflexivo, crítico e criativo em
busca da construção de uma vida mais cidadã, sustentável e justa.
De acordo com Zabalza (2004), três direções podem ser atribuídas ao exercício
da profissão docente: o ensino, a pesquisa e a administração de diversos cenários
acadêmicos e organizativos da Instituição de Ensino Superior (IES). Além disso, faz
parte do cotidiano a orientação em trabalhos como: de conclusão de curso (TCC),
monografias, artigos, Iniciação Cientifica (IC), dissertações, teses e demais produtos
acadêmicos que influenciam na carreira de professor.
Seja a qual atividade se volte o cotidiano de um docente universitário, haverá
que se considerar o impacto provocado pelas TDIC. A formação deste profissional,
portanto, exige habilitação para interagir com inovações tecnológicas que possam
mediar o processo ensino e aprendizagem; mediar a comunicação nas redes de pesquisa;
e mediar os procedimentos voltados à administração através de plataformas e
dispositivos. Aprender permanentemente sobre a mediação que se estabelece entre
conteúdos e meios é necessário para enfrentar a educação de um público-alvo que
incorpora inadvertidamente inovações que permitem consumo imediato de informações
3
em diversas formas de comunicação. Segundo a percepção de Litwin:
Além do conceito de qualidade, o melhoramento associa-se ao
conceito de inovação que propõe hoje, geralmente, a utilização de
novas tecnologias em aula e que implica novos projetos muitas vezes
fundamentados em concepções de ensinar e aprender diferentes das
propostas nos modelos curriculares. Requer-se nesses casos
reconhecer qual é a concepção de ensinar e aprender contida na
inovação, para analisar possíveis contradições ou dificuldades na
prática (1997, p. 9).
2
Bizelli (2013, p. 168-170) aponta para as diferenças de paradigmas que regem as atividades dos diversos
atores envolvidos profissionais de Educação, comunicadores e especialistas em computação na
produção e difusão de saberes, o que resulta em dificuldades de trabalho compartilhado e colaborativo
para ensinar e aprender.
3
É interessante perceber que as Metodologias Ativas (MAs) como a Sala de Aula Invertida (SAI), por
exemplo buscam usar essa aparente desvantagem em favor do aprendizado do aluno (CRUZ; ARXER;
BIZELLI, 2016).
16
Para aplicar novos projetos e identificar a concepção de ensinar e aprender,
portanto, o docente precisa agregar às novas plataformas e aplicativos suas habilidades
acadêmicas e conhecimentos didáticos adquiridos, ou seja, sua historicidade e sua visão
subjetiva, criadas em decorrência de processos socioculturais, socioeconômicos e de
escolhas educativas feitas ao longo da vida. Apropriar-se dos meios tecnológicos é parte
do desafio de ensinar e tem que ser aprendido no processo de formação docente.
Trata-se de absorver conteúdo específico que necessariamente esteja contido na
grade de formação docente, ou seja, absorver conjunto de conceitos e práticas que
ajudem a modelar a práxis pedagógica específica, possibilitando, assim, melhorias
durante os diferentes estágios da carreira acadêmica do professor do Ensino Superior.
Conforme Perrenoud (2000), novas tecnologias contribuem para uma
transformação espetacular nas formas de trabalhar, na tomada de decisões, no ato de
pensar e de comunicar-se. Nesse sentido, é preciso que haja uma formação baseada no
uso das tecnologias, uma educação para os meios. O uso das tecnologias, todavia, tem
que se tornar um referencial da formação inicial e da formação contínua do professor.
Essas competências permitem autonomia ao docente para conscientemente interferir na
formação de seus alunos.
O professor deve ser alfabetizado e letrado nas TDIC. Sua destreza e domínio
sobre o tema vão favorecer o desenvolvimento de métodos para uma nova didática
voltada ao Ensino Superior na era digital, respondendo aos desafios postos ao processo
de ensino-aprendizagem na sociedade contemporânea. Constitui-se, portanto, em
importante preocupação para com a formação do docente, resultado de profícuas
discussões no âmbito da educação sobre o desenvolvimento de habilidades e
competências para a utilização pedagógica de TDIC e seus impactos na qualidade da
formação dos profissionais de amanhã.
No que tange ao Ensino Superior, a demanda que se coloca é por profissionais
adequados às inovações tecnológicas, às novas plataformas de comunicação e
informação e aos aplicativos que tragam possibilidades de facilitar acessos e
apropriações ao mundo do conhecimento. Os traços aqui delineados podem, inclusive,
ser vistos na preocupação dos gestores de políticas públicas para com a Educação
Superior brasileira.
A formação do docente visando o exercício profissional torna-se um campo em
que muito por fazer, tanto na consolidação de áreas para a pesquisa acadêmica,
quanto para o estudo de práticas pedagógicas, ou seja, para a própria Didática. No
17
campo disciplinar, é na área de conhecimento referente à Metodologia do Ensino
Superior que se encontra um conjunto de conteúdos que atende à disciplina Tecnologias
Educacionais, conjunto de conteúdos que promoveriam habilidades para o manuseio das
TDIC e para a interação das mesmas com os outros campos disciplinares, promovendo
reflexões e críticas para a criação de novos conhecimentos.
No âmbito das políticas públicas, a formação de docentes universitários ainda
merece pouca atenção, permanecem lacunas e omissões quanto a métodos e práticas
didáticas para ensinar. O docente embora detenha o conhecimento precisa de método e
técnica de ensino, os quais não podem ser demonstrados apenas pela aprovação na
prova didática de um processo seletivo. A IES não pode se isentar da responsabilidade
em promover amplas possibilidades para o desenvolvimento de novas competências
didáticas para seus docentes no exercício da atividade profissional.
Ferenc e Mizukami (2005 [online]) mostram que a instituição compreende o
espaço da formação como lugar de autonomia do profissional, onde ele se sente
desafiado e cobrado a investir na sua permanente formação. Logo, recai sobre o
professor o ônus de assumir, de forma individual, os compromissos de seu
desenvolvimento de competências e habilidades didáticas.
Assim podemos compreender que o saber para ensinar saber das
ciências da educação, saberes metodológicos por muito tempo foi
visto como um simples adereço aos saberes disciplinares. Portanto, os
processos de aprendizagem e os saberes próprios à docência eram
relegados a segundo plano, deixados para o contexto de prática,
fundados, talvez, na tese do “aprender fazendo” ou na concepção de
que quem tem domínio do conhecimento especifico sabe ensinar.
Ainda hoje sabemos pouco sobre os processos pelos quais o professor
passa para aprender a ensinar (FERENC; MIZUKAMI, 2005
[online]).
Dentro da perspectiva de formação para a docência, a pluralidade de
conhecimentos torna-se indispensável que eles são construídos ao longo da
experiência do professor ator e sujeito de sua trajetória delineada nos caminhos
percorridos entre a vida e os cenários da escolarização, numa determinada
temporalidade histórica.
Podemos analisar que estes professores, em seus cursos de formação e
inicial ou complementar, foram expostos a situações, estratégias e
conhecimentos que favoreceram a aprendizagem do ensinar. Grande
parte das vezes, esses professores tiveram que ter autonomia,
competência técnica, pedagógica, política para fazer escolhas e
seleções nos conhecimentos e estratégias a que foram expostos, pois,
18
às vezes, não tiveram explicitamente orientações sobre que saberes,
estratégias devem ser usadas na transformação de um conhecimento
em ensino (FERENC; MIZUKAMI, 2005 [online]).
Caminhos através da pós-graduação
De acordo com Pachane (2005 [online]), a pós-graduação privilegia a formação
para a docência, priorizando atividades didáticas e conduzindo a pesquisa de forma
responsável. A promoção da formação é baseada nas experiências e no diálogo reflexivo
com todos os envolvidos.
Ao se pensar na LDB Lei 9394/96 como amparo jurídico para o
aprofundamento sobre o processo de formação de profissionais para a docência
universitária, chegar-se-ia à conclusão de que a normativa é relativamente tímida, como
é possível perceber na redação do Art. 66: “A preparação para o exercício do magistério
superior far-se em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de
mestrado e doutorado.” (BRASIL, 1996). Ressalte-se que não exigência quanto à
formação pedagógica.
A formação docente para a educação superior fica, portanto, a cargo
das iniciativas individuais e dos regimentos das instituições
responsáveis pela oferta de cursos de pós-graduação. O governo
(MEC/SESU/CAPES/INEP) determina os parâmetros de qualidade
institucional, e muitas instituições de educação superior organizam e
desenvolvem um programa de preparação de seus docentes, orientadas
por tais parâmetros. Assim, as políticas públicas não estabelecem
diretamente orientações para a formação pedagógica do professor
universitário (VEIGA, 2005 [online]).
Desta maneira, é necessário ter maior direcionamento sobre o processo de
formação, não basta apenas adentrar no mestrado e doutorado, é preciso identificar o
que os programas oferecem concretamente para preparar docentes universitários. Como
é tratada, por exemplo, a questão das disciplinas, seus conteúdos são suficientes para
formar profissionais aptos a lidar com a sala de aula? facilitadores disciplinares que
ajudem o profissional a mediar a relação educativa com e entre os alunos, a superar em
favor da convivência cidadã a diversidade cultural, étnica e de condições materiais de
existência dos alunos? É possível pedagogicamente criar habilidades para a utilização
de plataformas e aplicativos digitais?
Pachane (2005 [online]) chama a atenção para outros fatores, tais como:
processo de educação continuada o que significa compreender que a formação não se
19
encerra na graduação ou na pós-graduação, mas no aprender cotidianamente na práxis ;
processo de educação particularizado, ou seja, moldado para oferecer e para atender as
diferentes necessidades de cada docente; processo de educação crítico, reflexivo e
voltado à superação de desafios concretos.
É importante acrescentar que a formação pedagógica não se limita ao
desenvolvimento dos aspectos práticos (didáticos ou metodológicos)
do fazer docente, porém engloba dimensões relativas a questões
éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência dimensões
por nós categorizadas em trabalho anterior, a partir dos pressupostos
teóricos da literatura específica [...] (PACHANE, 2005 [online]).
Alvorado-Prada et al. (2008) e Pimenta (2008) reforçam a ideia de construção
cotidiana através da reflexão sobre a práxis, considerando o conhecimento tácito que se
torna conhecimento explícito. Nas palavras de Pimenta:
[...] uma formação baseada numa epistemologia da prática, ou seja, na
valorização da prática profissional como momento de construção de
conhecimento por meio de reflexão, análise e problematização dessa
prática e a consideração do conhecimento tácito, presente nas soluções
que os profissionais encontram em ato (PIMENTA, 2008, p. 48).
um elo entre a profissão e a construção da identidade do educador.
Formaliza-se a dinâmica social do trabalho docente, de forma que a lida cotidiana de
cada docente interaja com o conjunto da classe educativa com vistas à melhoria da
qualidade do ensino. Rumo ao alcance dos objetivos docentes, constrói-se enquanto
função social instrumentalizada pela Escola uma educação para a vida, ou seja, o que
se aprende na escola é útil para a vida fora da instituição.
Com o surgimento de novas formas criativas de produção, de pesquisas e
inovações conduzidas pela informática e da globalização dos mercados mundiais, as
inovações tecnológicas avançaram no setor da educação
4
. Novos paradigmas invadem a
ciência revolucionando áreas do conhecimento e propondo mudanças educativas que
têm influência na formação docente
5
.
Segundo
Silva (2003), são pontos positivos das mudanças na metodologia
pedagógica: elevada quantidade de opções de comunicação; acesso universal;
independência na disponibilidade de tempo do usuário; administração central quanto à
4
Como apontava Toralles: “Vivemos um momento de crise e transição na educação” (TORALLES; 1996,
p. 1).
5
“A necessidade de disseminar conhecimento é cada vez mais presente na sociedade brasileira, tanto que
um propósito da UNESCO em nosso país é o incentivo à publicização do conhecimento” (SOUZA;
BIZELLI, 2011 [online]).
20
qualidade do conteúdo.
Teixeira e Nunes (2007) apontam a necessidade do
planejamento como ferramenta indispensável para a gestão pedagógica, organizando
a ação reflexiva em torno das aulas, envolvendo os sujeitos: professores, alunos,
gestores educacionais, comunidade, investidores educacionais e políticas públicas.
Segundo Borges:
[...] os alunos se tornaram mais interessados no conteúdo, aprendem
mais rápido e fazem mais conexões entre disciplinas distintas. Para o
professor, o livro passou a ser mais usado e explorado nas aulas. Além
disso, a postura dos docentes mudou. “O professor tem de ouvir mais
o aluno, que confronta os conteúdos”, pondera. Ele acredita que os
colégios não podem perder a oportunidade de usar a ferramenta na
rotina escolar. “O aprimoramento que ele permite para o
conhecimento didático impressiona. A grande mudança do modelo é a
construção colaborativa do conhecimento” (BORGES, 2013 [online]).
No processo educativo, portanto, a sociedade tem papel de mediação,
determinando fatores importantes na formação do sujeito educador. Ampliando-se a
visão, busca-se o conhecimento e o entendimento. Assim, a Educação descentraliza-
se permitindo uma gestão democrática que obtém o reconhecimento e a identidade
institucional.
[...] todo o processo de mudança depende em parte dos conhecimentos
dos professores, habilidades, cultura colaborativa, pensamento criativo
e ação comprometida e apaixonada. Nesta perspectiva, é de opinião
que a formação em de reabilitação constituirá uma fonte de inspiração
para que se criem novas possibilidades para que o processo de ensino-
aprendizagem se adapte e enriqueça a todos os intervenientes
(ANGOP, 2013[online]).
A reflexão sobre pesquisas, leituras e experiências profissionais orientam os
procedimentos e os processos educativos e permitem a construção de espaços para o
aprendizado continuado e permanente dos docentes. O
avanço da informática e as
inovações tecnológicas são um elemento a mais nesta disposição para o aprendizado
didático. A
convergência tecnológica vem como um facilitador para a mediação do
processo ensino-aprendizagem.
Gil (2009) acrescenta que as plataformas tecnológicas,
ao serem incorporadas, incentivam as práticas de mediação desde que os professores
estejam formados para apropriar-se dos meios disponíveis. Como reforça Luchin:
Rede de computadores vira aliado no avanço do sistema educacional.
Lousa, caderno, carteira, sala de aula o instrumentos e espaço que
estão sendo substituídos na hora de estudar. O computador e suas
ferramentas passaram a ser o novo local para muitas pessoas fazerem
21
uma graduação. É assim que mais de 200 mil estudantes, de acordo
com o Ministério da Educação (MEC), estão frequentando
universidades (LUCHIN, 2008 [online]).
Segundo Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010, p. 369), a formação “é um
processo de aprendizagem que acontece de forma individual ou coletivamente dentro da
cultura, incorporando-a, criando e recriando-a”. Formar é mais do que receber ou
adquirir informações, é necessário processá-las para o conhecimento ou para
compreendê-las. Para Veloso (2012, p. 67), “a formação profissional tem um papel
importante para uma adequada incorporação das TIC ao trabalho, e precisa dar conta
das principais questões referentes não do uso operacional, mas também da
desmistificação e superação da resistência em relação ao seu uso”.
Assim, fica cada vez mais claro que a universidade tem um papel fundamental
na construção do ser para a sociedade, uma formação cidadã, que auxilie o profissional
a avaliar todo o contexto historicamente construído, além de promover o conhecimento
através da informação, da pesquisa e da extensão universitária. Não dúvida, porém,
que as TDIC estão mescladas a esse contexto histórico:
Actualmente las Tecnologías de la Información y la Comunicación
TICs están sufriendo un desarrollo vertiginoso, esto está afectando a
prácticamente todos los campos de nuestra sociedad, y la educación
no es una excepción. Esas tecnologías se presentan cada vez más
como una necesidad en el contexto de sociedad donde los rápidos
cambios, el aumento de los conocimientos y las demandas de una
educación de alto nivel constantemente actualizada se convierten en
una exigencia permanente. Durante todo el desarrollo de este trabajo
estaré abordando los temas que a nuestro juicio, son de gran
importancia para conocer las tecnologías de la información y la
comunicación y su uso como una herramienta para fortalecer el
desarrollo de la educación (ROSARIO, 2005 [online]).
É todo esse processo que, no caso do educador, vai direcionar sua formação
para uma IES através da pós-graduação como foi dito, muitas vezes através de uma
especialização em Didática e Metodologia do Ensino Superior marcando momento
decisivo da carreira, no qual se torna fundamental a incorporação dos princípios éticos
que regem a profissão. Esse tipo de especialização é oferecido principalmente pelas
Instituições Privadas de Ensino Superior.
Mas essa formação não se restringe somente aos muros universitários, pois é
preciso que o educando possa ultrapassar as fronteiras da universidade e estar inserido
22
na sociedade com um pensar reflexivo. A LDB 9394/06 no capítulo IV mostra isso de
forma clara: o Ensino Superior tem como finalidade a construção do cidadão crítico e
com conhecimento cultural, social, político e econômico
6
(BRASIL, 1996).
A construção da cidadania por meio do Ensino Superior deve levar em conta a
formação do profissional da educação superior. Contudo, não basta apenas à formação
dentro do ensino superior nos limites da universidade. É preciso estar a campo,
vivenciar as teorias, descobrir um olhar para a sociedade e contribuir com a construção
de conhecimentos outros. A especialização docente, portanto, deve levar o docente à
reflexão mais crítica.
Com a Educação tem um compromisso com a cidadania ampla e o docente é o
elo reflexivo a interagir com seus alunos através da didática, através dos métodos,
através das TDIC em sala de aula na sociedade contemporânea. Exercício complexo a
ser feito na sociedade brasileira:
No contexto de uma sociedade globalizada e do conhecimento,
orientações de organismos multilaterais levam o sistema de educação
superior SES à expansão, privatização, a diversificação
administrativa e acadêmica, a centralização estatal nas políticas de
avaliação da qualidade e da regulação e a busca do desenvolvimento
cientifico e tecnológico com marca da inovação. A educação superior
brasileira na contemporaneidade tem como marco legal diferenciador
a LDB (1996) e medidas complementares que apontam para uma
transformação no SES do país. Este passa a ser caracterizado pela
expansão, privatização, diversificação, busca da qualidade através da
avaliação e da regulação, bem como, mais recentemente, por políticas
afirmativas e de recuperação das universidades públicas (MOROSINI,
SANTOS, 2012, p. 14[online]).
A formação continuada, portanto, não deve ser apenas uma exigência para
mudança de cargo ou melhoria de salário, como acentua Silva (2000) afirmando que a
6
Art. 43º. A educação superior tem por finalidade: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do
espírito científico e do pensamento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da
sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e
investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da
cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a
divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e
comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o
desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente
concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual
sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do
mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e
estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da
população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa
científica e tecnológica geradas na instituição.
23
especialização continuada constitui-se apenas como condição de progressão na carreira.
No entanto, do outro lado, os cursos têm que oferecer mais que um diploma que cumpra
seu caráter legal para a progressão. A qualidade é decisiva e abrange todos os aspectos
que foram trabalhados até aqui, inclusive o que diz respeito à apropriação dos meios
digitais, como reforça Setton:
Com o avanço da tecnologia e das técnicas de comunicação, com a
sofisticação da publicidade e de um estilo de vida em que o consumo
tem um papel preponderante, os meios de comunicação de massa
assumem expressiva importância. É preciso, pois, estarmos preparados
para a compreensão e análise desse fenômeno que diz respeito a todos
nós. É momento de refletir sobre o papel pedagógico e muitas vezes
ideológico das mídias (SETTON, 2011, p. 130).
A docência é mais do que estar presente em sala de aula. Diz respeito a mediar o
processo ensino e aprendizagem. As IES devem estar preparadas para dar respaldo às
necessidades dos professores universitários em responder às demandas de seus alunos
em sala de aula:
Numa sociedade repleta de novas tecnologias da comunicação e da
informação, nenhum educador hoje pode ignorar a presença das
mídias, seu papel, sua utilização em sala de aula. Em função disso, os
professores precisam preparar-se para serem consumidores críticos
das mídias, e para ajudar os seus alunos a se relacionarem criticamente
com elas (LIBÂNIO, 2002, p. 163).
Considerações finais
A formação continuada acompanha toda a vida de quem escolhe a docência.
Muitas são as formas que revelam essa prática, entre elas a pós-graduação em suas
diferentes modalidades e, particularmente hoje, as especializações pós-graduação lato
sensu. Impactam em todas as fazes os estágios de desenvolvimento econômico, político,
social, cultural e tecnológico da sociedade concreta na qual se encontra o docente. Por
mais que pareça que a formação é um ato solitário que diz respeito ao profissional da
área, não é assim que acontece, que as próprias instituições onde se trabalha e onde
se ganha novas habilidades estão eivadas por processos históricos de construção. Por
tudo isso, faz parte das atribuições daqueles que educam e daqueles que estão
empregados em Instituições educadoras atentar para as habilidades em TDIC.
Na era digital, até mesmo a TV Digital deveria estar voltada para a Educação
Assistida, tornando-se ferramenta mediadora para a educação, promovendo formação
24
continuada, provocando o crescimento profissional (BIZELLI, 2013). Por isso, no
desenvolvimento de uma didática específica para o Ensino Superior que se estar
atento aos desenvolvimentos permitidos pelos meios digitais.
Dominar os meios digitais; circular crítica e reflexivamente no mar de
informações disponíveis na rede; compreender os paradigmas que regem o seu campo
de saber; desenhar os conteúdos que devem estar ao alcance de seus alunos; estabelecer
relações de troca com colegas dentro e fora da Instituição; estar ligado a redes de
pesquisa e desenvolvimento científico e pedagógico; aprender fazendo, organizar seu
conhecimento, sistematizá-lo e compartilhar com outros colegas a sua práxis; tudo isso
caracteriza a atividade de um docente no seu caminho contínuo rumo ao conhecimento
no ambiente social contemporâneo.
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27
Novas demandas para o ensino a distância: formação profissional da tutoria
Daniela Dermínio-Posterare SANTOS
Sebastião De Souza LEMES
Introdução
O desenvolvimento ocorrido no meio educacional brasileiro, principalmente, a partir
dos anos 90, ocasionou o grande aumento de cursos na modalidade de educação a distância
como meio de democratização do ensino superior e técnico. Lemes e Ribeiro (2010) sugerem
que uma das possíveis maneiras de garantir o direito à educação seria aperfeiçoar a utilização
da tecnologia, por permitir o acesso àqueles que se encontram geograficamente distantes de
instituições de ensino.
As novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDII) romperam
barreiras de espaço e possibilitaram maior flexibilidade na organização do tempo, deixando o
ensino a distância bastante atrativo para um público considerável.
Assim posto, as práticas de ensino que utilizam as tecnologias encontram respaldo na
flexibilidade e descentralização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB
(lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), que oficializou a educação a distância no Brasil,
caracterizando-a como
[...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos
processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e
tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores
desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos
(BRASIL, 1996).
Neste contexto, um dos maiores desafios no ensino a distância é definir como
acontece a mediação da aprendizagem, que a função e até mesmo a nomenclatura do
professor sofreram modificações nessa modalidade de ensino, na qual pode ser chamado de
tutor, difusor e mediador, como os vários papéis desempenhados nos dispositivos
midiatizados (ALAVA, 2002). Além dessas reorganizações, Alava (2002) estabelece que os
processos e as práticas de ensino devem estar no centro das ações, que giram com o apoio dos
recursos tecnológicos como “elementos organizadores da ação formadora e das práticas de
28
aprendizagem” “e não mais considerar a aprendizagem como resultante de uma relação
homem-máquina” (ALAVA, 2002, p. 56).
É nesse cenário que se coloca a questão da formação de professores para atuar em
ambientes midiatizados. Pesquisas na área de ensino a distância indicam ser necessários
treinamentos contínuos ao tutor, ou seja, formação continuada, para que ele se sinta seguro ao
desenvolver as atividades de tutoria, que são peculiares às atividades docentes no ensino
presencial. Isso se deve, em grande parte, à defasagem de profissionais qualificados para atuar
na modalidade de ensino a distância, principalmente pelo fato de ainda não existir uma
formação inicial própria para esse profissional.
A bibliografia atual ressalta a importância da formação continuada dos profissionais
que atuam no ensino a distância, para que sejam capazes de atuar com destreza utilizando-se
de meios digitais e tecnológicos, os quais compõem a prática educacional contemporânea.
Para Palloff e Pratt (2013) necessidade de maior investimento no aprimoramento do tutor,
já que isso se relaciona diretamente com a qualidade do trabalho realizado por ele.
Além da formação continuada, que possibilita a integração do tutor à instituição de
ensino a qual está vinculado e a compreensão de fundamentos teóricos e operacionais próprios
da modalidade de ensino a distância, faz-se necessário a formação inicial em nível superior,
por configurar a base da profissão docente. (CASTILHO ARREDONDO, 2003).
Ao falar de formação inicial em nível superior, encontramos uma parte da
bibliografia que afirma que, muitas vezes, os tutores o atuam no ensino a distância na
mesma área de sua formação inicial (CARVALHO, 2007). Essa é uma questão que reafirma a
imprescindibilidade da formação continuada, pois, caso esta não ocorra, o tutor estaria sem
qualquer tipo de contribuição formativa para exercer suas atividades típicas de tutoria.
Os recursos tecnológicos disponíveis no ensino a distância são os meios pelos quais a
comunicação e a realização de tarefas tornam-se possíveis. Por isso, a formação continuada
deverá formar o tutor para a utilização eficiente de tais recursos. Palloff e Pratt (2013)
confirmam que a maioria das práticas para capacitação que as instituições de ensino a
distância oferecem aos profissionais estão relacionadas à utilização das tecnologias e dos
recursos materiais e digitais, porém ressaltam que essas práticas o suprem as reais
necessidades dos tutores, pois não contemplam as habilidades pedagógicas necessárias para
atuar nos ambientes virtuais de aprendizagem.
Surge, nesse contexto, o termo mentoria, como um trabalho de aprimoramento
contínuo e coletivo em mediação da aprendizagem, o qual se por meio de auxílio dos
29
profissionais mais experientes no treinamento dos profissionais novatos dessa função no
ensino a distância (PALLOFF; PRATT, 2013). No entanto, cabe ressaltar que, embora pareça
uma boa possibilidade, existem entraves na prática. Palloff e Pratt (2013) dizem que
resistência nos novos tutores pelo medo de algo desconhecido, que pode estar relacionado aos
recursos tecnológicos ou ao receio de exposição a situações embaraçosas em um ambiente que
eles ainda não dominam.
No entanto, mesmo com algumas dificuldades, a formação continuada mais eficaz,
segundo os autores acima citados (2013), é a mentoria em grupo por estabelecer entre os
docentes uma comunidade de aprendizagem. Assim, nessa formação estarão inseridos os
assuntos da rotina da tutoria, como o gerenciamento do tempo e o uso de tecnologias
(PALLOFF e PRATT, 2013). Para Mill (2012), a experiência é que possibilita aprendizagem
a esses profissionais, que “estão aprendendo a ser professores sendo professores, isto é, por
tentativa/erro/reflexão/acerto” (MILL, 2012, p. 47).
Acerca do conteúdo, a formação continuada do tutor no ensino a distância deve
contemplar três dimensões, são elas: a pedagógica, a tecnológica e a didática. A pedagógica
refere-se às atividades de orientação, aos conhecimentos sobre os processos de aprendizagem
e de metodologias. Essa dimensão privilegia a aprendizagem sobre as ciências cognitivas,
humanas e a experiência como forma de aprendizagem docente, que a experiência que o
tutor teve como aluno será considerada e levada ao atual ambiente profissional. A dimensão
tecnológica corresponde à seleção, à avaliação e à utilização dos recursos tecnológicos que
estão à disposição do tutor. E, por último, a dimensão didática está relacionada à formação
específica em algum campo científico (BELLONI, 2001).
Palloff e Pratt (2013) julgam essencial que os aspectos pessoais dos tutores sejam
valorizados pela instituição de ensino, ou seja, que esta importância ao que diz respeito às
experiências e aos saberes do tutor, considerando-se que cada um desses profissionais possui
conhecimentos variados acerca da modalidade de ensino a distância, sobre a utilização de
recursos tecnológicos e sobre a disciplina que ministrará. Portanto, a prática docente deve ser
reconhecida e valorizada, ainda que em outra modalidade de ensino. Os autores ressaltam que
a formação continuada deverá possibilitar a independência do profissional, permitindo que se
comporte de forma ativa para que coloque os conhecimentos obtidos em prática (PALLOFF;
PRATT, 2013).
Assim, este trabalho tem como foco o treinamento que o tutor recebe para atuar em
cursos e ensino a distância e é fruto de fragmentos da dissertação de mestrado intitulada “O
30
tutor no ensino a distância: considerações sobre o elemento humano da mediação educativa
com tecnologia” da Universidade Estadual Paulista, campus de Araraquara.
A formação será abordada como um processo de longo prazo, em que é enfatizado o
desenvolvimento de competências cognitivas e do conhecimento, tal qual a formação inicial
em nível superior. a formação continuada, como no nome diz, é uma formação
permanente e relacionada ao desenvolvimento de habilidades específicas para o cumprimento
de determinada tarefa.
Caminhos da pesquisa
A pesquisa, de abordagem metodológica qualitativa, utilizou a revisão documental e
bibliográfica para a proposição do projeto e como etapa inicial para a coleta de dados. Para a
coleta dos dados foi elaborado um questionário semiestruturado, o qual foi aplicado aos
tutores presenciais e virtuais atuantes nas universidades e institutos federais públicos que
oferecem os cursos por meio da Universidade Aberta do Brasil e Rede e-Tec Brasil.
Utilizou-se o questionário pelas vantagens que ele oferece (MARCONI; LAKATOS,
2003), ao respeitar o anonimato e, assim, tornar-se mais seguro. Permite ainda o seu envio a
um número razoável de informantes, fato que abre a possibilidade de se ter uma abrangência
grande e, em geral, possibilitar a obtenção de respostas rápidas e precisas.
Goode e Hatt (1960), tradicionais referências nesse assunto, orientam que o
questionário deve selecionar questões como se o pesquisador estivesse dentro do processo que
investiga; deve partir de supostas implicações lógicas do problema de acordo com a revisão
bibliográfica levantada, e “desenvolver um questionário pode ser imaginado como mover-se
de dentro para fora” (p. 176).
Por isso, o questionário foi construído com questões abertas e fechadas. “A
combinação de respostas de múltipla escolha com as respostas abertas possibilita mais
informações sobre o assunto [...]” (MARCONI E LAKATOS, 2003, p. 207).
O questionário foi enviado pela ferramenta do Google docs
7
, tendo em vista a
praticidade para aplicação, uma vez que as respostas do questionário são enviadas
7
O Google Docs é um processador on-line que possibilita a formatação e edição de documentos de texto. Esta
ferramenta permite a visualização do documento por pessoas convidadas e estas podem colaborar adicionando
alguma informação, por meio de respostas e comentários. Optou-se pelo uso do Google Docs pelas
possibilidades citadas anteriormente, além de ser uma ferramenta conhecida mundialmente e de fácil manuseio.
Disponível em https://support.google.com/docs/answer/49008?rd=1. Acesso em 20/04/2014
31
imediatamente para o e-mail da pesquisadora, assim que o tutor termina de respondê-lo.
Marconi e Lakatos (2003) afirmam que o questionário deve ser constituído por uma série de
perguntas ordenadas e deve ser enviado ao informante, o qual, após responder, devolverá ao
pesquisador pelo mesmo meio que recebeu, no caso desta pesquisa, pela Internet.
O questionário foi aplicado à amostra disponível de tutores, abrangendo as cinco
regiões do Brasil. Embora não tenha sido possível precisar o número de tutores em exercício e
embora não seja possível fazer generalizações, essa pesquisa nos permite conhecer situações
que precisam ser consideradas.
Com os dados em mãos, procedeu-se à sua tabulação e na sequência, foi realizada a
análise e interpretação dos dados, por meio de discussão quantitativa e a análise comparativa e
crítica dos conteúdos com vistas às percepções sobre a formação do tutor.
Resultados
Como dito anteriormente, a atual pesquisa tem como foco a formação dos
profissionais que atuam na modalidade de ensino a distância e é um fragmento da dissertação
de mestrado que analisou o trabalho do tutor nos cursos dessa modalidade de ensino. Tal
dissertação constatou que
no que se refere a área de fomação acadêmica, 47.4% são oriundos da área
das Ciências Humanas, o que coincide com a área de atuação. Quanto a àrea
de atuação efetiva, 56.3% dos tutores atuam em Ciências Humanas, apesar
de não serem todos oriundos dessa área de formação. A maioria possui sua
formação em nível de pós-graduação, na qual prevalecem a especialização e
o mestrado, com cerca de 84% dos tutores respondentes (DERMÍNIO-
POSTERARE, 2015, p. 72).
O instrumento questionário, utilizado para a coleta de dados, foi encaminhado aos
coordenadores de curso a distância nas instituições de ensino e foi solicitado o repasse aos
tutores vinculados, tanto presenciais, quanto virtuais. Trabalhou-se com a população
disponível de sujeitos respondentes, ou seja, com o total de respostas, 87 tutores, conforme
distribuição das regiões ilustradas no quadro abaixo:
32
Região do país
Porcentagem quanto ao
total de respostas
Norte
13.8%
Nordeste
19.6%
Central
26.4%
Sul
16.1%
Sudeste
24.1%
Total
100
Fonte: Adaptado da dissertação de mestrado.
Segundo os teóricos da área, a formação para o exercício da atividade de tutoria de
maneira satisfatória é imprescindível e, de acordo com Mill (2012), existem poucos
profissionais qualificados para atuar no ensino a distância, o que representa uma carência de
formação inicial neste contexto. Por isso, nesta pesquisa, o foco está na formação continuada.
Assim, foi perguntado aos tutores se receberam treinamento para atuar como tutor e 78.2%
responderam que sim, somando apenas 21.8% o percentual que não participou de treinamento
para exercer a atividade de tutoria.
Considerando a afirmação de Belloni (2001), de que o profissional do ensino a
distância encontrará necessidade de se atualizar constantemente, “tanto em sua disciplina
específica, quanto em relação às metodologias de ensino e novas tecnologias” (p. 82),
questionamos sobre treinamento, se houve ou o formação continuada para atuar no
exercício de sua função no ensino a distância.
A partir de nossa experiência como e com tutores, observamos que, mesmo quando
existe algum tipo de treinamento, determinadas dificuldades não são trabalhadas, muitas vezes
devido à constância e à pequena carga horária destinada a estes. Nesse sentido, questionou-se
sobre a frequência do treinamento recebido e a grande maioria, 92%, afirmou que os cursos de
formação continuada acontecem semestral ou anualmente, com predomínio para os
treinamentos anuais, com 57.3%.
33
Solicitou-se, em forma de pergunta não obrigatória, que os tutores comentassem a
respeito do treinamento, recebido ou não, para a atuação como tutor. Das respostas positivas,
a maioria, 67%, disse que o treinamento foi oferecido pela instituição de ensino com a qual
existe vínculo, nas mais variadas formas. Alguns, 9%, mencionaram que a capacitação foi
sobre a plataforma Moodle, e, desses, um respondente fez um curso específico para
navegação no Ambiente Virtual de Aprendizagem.
Outros 16% dos tutores que tiveram treinamento para atuar nessa função disseram
que a capacitação foi online ou na própria plataforma de ensino e aprendizagem, contra 7%
que fizeram treinamento presencialmente. Nessas respostas, houve menções a treinamento
sobre a metodologia do curso; sobre a utilização de material de apoio; 3% fizeram cursos por
conta própria; e 5% afirmaram que houve treinamento sobre o ensino a distância.
Diferente das demais respostas, apenas 1% citou treinamento sobre afetividade em
EaD; houve também quem mencionasse que o treinamento para atuar como tutor se deu na
prática, com 7% do nosso universo de pesquisa, por meio de conversa com os formadores,
com a equipe gestora do EaD, com os outros tutores e com o coordenador do polo, ou seja,
informalmente. Apenas 1% afirmou que teve um momento para tirar dúvidas sobre a forma de
utilização da plataforma Moodle, sem a formalidade de um treinamento.
A partir das respostas, verificou-se que não houve julgamento de valor, embora
muitos demonstrassem que o treinamento não foi satisfatório, mas algo informal que não
condiz com a necessidade prática dos tutores.
Quanto à carga horária dos treinamentos recebidos, foi constatado que a maioria,
63.5%, recebeu treinamento superior a 4 horas.
Autores como Belloni (2001), Palloff e Pratt (2013) e Mill (2012) sugerem a
importância de uma formação para a atuação na tutoria. Belloni (2001) escreve que, como se
pensa em formar o aluno para que exerça funções ainda não conhecidas, o mesmo acontece
quando se trata de formação de profissionais da educação, os quais devem ser preparados para
a revolução no uso das tecnologias, “prepará-los para a inovação tecnológica e suas
consequências pedagógicas e também para a formação continuada, numa perspectiva de
formação ao longo da vida” (BELLONI, 2001, p. 85).
Mill (2012) afirma que o tutor aprende sua atividade exercendo-a, sem ter
participado de uma formação de fato, “aprender fazendo ou se formar formando” (MILL,
2012, p. 47). No entanto, de acordo com este autor, essa forma de treinamento coloca em
questão “a noção de autonomia docente, o domínio de uma base de saberes docentes, uma
34
visão de todo o processo de produção na educação e na coletividade no trabalho” (MILL,
2012, p. 47).
Palloff e Pratt (2013) também defendem a importância do preparo do profissional
que vai trabalhar no ensino a distância, considerando que o tempo necessário ao treinamento
do tutor poderá variar se a sua experiência profissional for considerada. Para esses autores, o
aprimoramento contínuo em grupo sobre mediação da aprendizagem contribuiria para o
trabalho do tutor no exercício da tutoria.
Pensamos que a ideia da formação do tutor não deva ser uma imposição, mas sim
algo natural, como ocorre nas demais profissões e faz parte das mudanças globais da
sociedade contemporânea. Assim, haveria um treinamento para lidar com as novas
tecnologias digitais da informação e interação no âmbito educacional como parte da formação
docente.
Considerações finais
Uma componente fundamental na discussão sobre tutoria é a formação continuada de
tutores, a qual, segundo o referencial teórico abordado e as contribuições dos tutores em
exercício, ainda não se encontra disseminada de forma adequada. Encontramos uma
quantidade nima de tutores que afirmaram que o aprendizado para o desenvolvimento da
atividade de tutoria se deu na prática e com o auxílio de outros tutores. Essa questão pode ser
compreendida de forma mais completa com os estudos de Palloff e Pratt (2013), que utilizam
o termo mentoria para caracterizar o modelo de formação de tutores.
O que existe para os profissionais do ensino a distância são capacitações e
treinamentos para quem está em exercício, os quais não atendem às reais necessidades dos
tutores para atuar no EaD. Os profissionais da tutoria consideram fundamental conhecer e
saber utilizar a plataforma Moodle e os outros recursos disponíveis.
De acordo com Palloff e Pratt (2013), os treinamentos estão relacionados ao uso dos
recursos tecnológicos disponíveis na atividade de tutoria, mas, segundo apontado pelos
tutores desta pesquisa, não suprem suas reais necessidades, pela baixa frequência em que
ocorrem e pela ineficácia do treinamento quanto à utilização do ambiente virtual de
aprendizagem.
Nesse sentido, é preciso buscar formas e conteúdos específicos para resolver essa
situação. Como poderia ser esse treinamento para que fosse mais eficaz? Acreditamos que
muitas das dificuldades que os tutores encontram na prática de tutoria seriam solucionadas se
35
houvesse, na grade curricular dos cursos de licenciatura, atenção especial à atividade de
tutoria.
REFERÊNCIAS
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Porto Alegre: Artmed, 2002.
BELLONI, M. L. Educação a distância. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2001.
BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm#art80. Acesso em: 25 set. 2012.
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abordagem centrada na aprendizagem. In: ENCONTRO DE PESQUISA EDUCACIONAL
DO NORTE E NORDESTE EPENN, 18, 2007, Maceió.
CASTILHO ARREDONDO, S. Formación/capacitación del profesorado para trabajar em
EAD. Revista Educar. Curitiba, n. 21, p. 13 27, 2003. Editora UFPR.
DERMÍNIO-POSTERARE, D. S. O tutor no ensino a distância: considerações sobre o
elemento humano da mediação educativa com tecnologia. 2015. 135 f. Dissertação (Mestrado
em Educação Escolar) Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, Universidade
Estadual Paulista, Araraquara, São Paulo, 2015.
GOODE, W. J.; HATT, P. K. Métodos em Pesquisa Social. 3. ed. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional, 1960.
LEMES, S. de S.; RIBEIRO, R. A questão da escolarização enquanto um processo educativo
complexo e o necessário apoio tecnológico: Algumas pistas de sua dimensão para
entendimento e reflexões. In: SOUZA, Cláudio Gomide de; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal.
(Org.). Desafios educacionais para o século XXI: contribuições dos contextos espanhol e
brasileiro. 14 ed. Araraquara: Laboratório Editorial FCL- UNESP, 2010, v. único, p. 345
351.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de Metodologia Científica. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2003.
MILL, D. R. S. Docência virtual: uma visão crítica. Campinas: Papirus, 2012.
PALLOF, R. M.; PRATT, K. O instrutor online: Estratégias para a excelência profissional.
Porto Alegre: Penso, 2013. Trad. Fernando de Siqueira Rodrigues.
36
A formação de professor e a profissão docente no contexto histórico
Neide Pena CÁRIA
Sandra Maria da Silva SALES OLIVEIRA
Vivemos um momento de grandes discussões sobre a questão da formação do
professor e, desde as últimas décadas esta tem sido uma questão mundial. No caso do Brasil,
diante do processo de redefinição do trabalho docente que vem se dando desde a publicação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDDB), nº 9.394, de 1996, a formação de
professores passou a demandar políticas e estudos, principalmente, em face da crescente
democratização da educação, em todos os níveis.
Em um cenário, descrito por Nóvoa (2013, p. 2) como tempos de mudança e de
combate em que o valor econômico vem se sobrepondo a todos os demais, as discussões para
a melhoria dos serviços da educação básica, bem como as diretrizes das políticas
educacionais, têm sido balizadas por novos princípios e concepções com “muito discurso e
pouca prática” e, por consequência, a questão da formação do professor e da profissão
docente, sendo a UNESCO um dos principais mediadores.
Este artigo trata-se de um ensaio analítico sobre a constituição da identidade do
professor e da própria da profissão docente, sua função e nuances ao longo da história. Fruto
das discussões promovidas no Grupo de Pesquisa em Educação e Gestão (GPEG), certificado
pela Universidade do Vale do Sapucaí, cadastrado no CNPQ, o ensaio tem como objetivo
contribuir para o debate mais consciente em torno da formação de profissionais para o
exercício da docência. Muitas imagens, concepções e representações que permeiam a
profissão docente se formaram ao longo do tempo, sendo importante refletir sobre como elas
se estabeleceram e como marcam ainda hoje a identidade do professor. Essas reflexões visam
ajudar a compreender a genealogia dessa profissão no contexto da sociedade e da
democratização da educação e parte do pressuposto de que esta compreensão é condição sine
qua non para discutir a formação do professor no contexto das políticas atuais, possibilitando
um olhar crítico sobre a profissão e, ao mesmo tempo, mais positiva.
À luz de estudos desenvolvidos por Nóvoa (1991, 1995, 1999) e Tardif (2013), bem
como, de pesquisas desenvolvidas por Tanuri (2000) e Gatti (2010), entre outros, procura-se
articular o processo histórico de constituição da profissão docente com a história da educação
37
e a formação de professores, a fim de permitir ultrapassar a concepção vocacional, que ainda
permeia o trabalho educativo e as políticas de formação docente na atualidade.
Relativamente ao conceito de docência, ampara-se na concepção de docência de Tardif
(2002), que compreende o professor como um ator competente e sujeito ativo, cercado de
saberes, que, em seu desempenho, frequentemente, depara-se com situações problemáticas
para as quais o basta a simples aplicação de conhecimentos oriundos das Ciências da
Educação, ou de saberes específicos ao conteúdo que desenvolve em sua disciplina.
Compreendido como tal, no exercício da profissão, o docente necessita de saberes que
emergem das múltiplas interações entre as fontes de seus saberes e de natureza diversas.
Considera-se neste ensaio que as políticas, até então adotadas, de formação para a
docência, em todos os níveis, são inerentes à constituição histórica da profissão docente,
tomada neste ensaio como uma discussão tensa, sujeita a questões a relações de poder. O
ponto de partida deste texto é a educação básica pública, sendo a formação de professor de
responsabilidade do poder público, como uma condição da sua profissionalização, prevista na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), n.º 9.394/1996.
A necessidade de discutir a formação do professor tem seu sentido e relevância no
próprio contexto histórico da educação, uma vez que, desde seu início, na educação sempre se
privilegiou a vocação para o magistério, o ensino como sacerdócio (NOVOA, 1991, 1999), o
domínio conhecimentos e experiências como únicos requisitos para a docência, entre outros.
Ensinar, historicamente nunca foi considerado tarefa para profissionais e ainda hoje é uma
questão de âmbito mundial.
Alguns aspectos históricos da formação do professor e da profissão docente
Desde a construção dos modernos sistemas de ensino de massa, iniciada na Europa no
trânsito do século XVIII para o culo XIX, a escola tornou-se um espaço central de
integração social e de formação para o trabalho. A massificação dos sistemas de educação
para “Todos” conduziu a uma mudança de forma da escola (TEODORO, 2003) e trouxe, em
sua esteira, novos desafios também para os professores que passaram a receber em suas salas
de aula alunos oriundos de todos os níveis sociais e de diversos locais, o que por sua vez,
forçou também mudanças no perfil do professor e no processo de sua formação.
A perspectiva teórica que sustenta e orienta esta análise compreende a educação como
um processo histórico, contínuo e complexo, de importância determinante no processo de
reprodução social. Nesta perspectiva, a formação do professor é compreendida no seio de um
38
conjunto de políticas econômicas, sociais e religiosas, como é o caso de algumas
congregações religiosas que se transformaram em verdadeiras congregações docentes, como
por exemplo, a dos jesuítas e oratorianos que, ao longo dos séculos XVII e XVIII foram
progressivamente configurando um corpo de saberes e técnicas, bem como constituíram um
conjunto de normas e valores específicos da profissão docente, dentro dos princípios das
respectivas congregações (NÓVOA, 1991).
Desde o início do século XVII, como apontado por Tanuri (2000), havia uma
diversidade de grupos que encaravam o ensino como ocupação principal, mas é somente a
partir do século XVIII, com a intervenção do Estado, que a vocação docente dá seus primeiros
passos rumo à profissionalização, normatizando a profissão e fazendo o “enquadramento
funcional” dos professores ao transformá-los em funcionários estatais e, pelo menos em tese,
em agentes promotores de uma nova ordem social e política que ansiavam por suportes de
legitimação. Como descrito por Nóvoa (1999, p. 17), “é o enquadramento estatal que institui
os professores como corpo profissional e não uma concepção corporativa de ofício”.
A intervenção do Estado, ao longo dos anos, provocou uma homogeneização bem
como uma unificação e hierarquização desses profissionais, mas tornou-se questão central
para os reformadores do ensino a seleção e a nomeação de professores. A partir de então e, ao
longo da história, o modelo ideal de professores passou a situar-se entre o funcionalismo e a
profissão liberal. A partir do final do século XVIII, não mais é permitido ensinar sem uma
licença ou autorização do Estado, a qual somente era concedida somente aos indivíduos
interessados que preenchessem certo número de condições, tais como: habilitações, idade,
comportamento moral etc. Esta licença constituiu um verdadeiro suporte legal ao exercício da
atividade docente, uma espécie de “aval” do Estado aos grupos docentes, os quais adquiriam,
por esta via, uma legitimação oficial da sua atividade, na medida em que contribuía para a
delimitação do campo profissional do ensino e para a atribuição ao professorado do direito
exclusivo de intervenção na área (NÓVOA, 1991,1995, 1999; TANURI, 2000).
Com a Revolução Francesa, a escola se impôs como instrumento privilegiado de
estratificação social e os professores tornaram-se protagonistas no processo histórico de
escolarização formal, assumindo tarefas de promover o valor da educação, a mobilidade
social de diversas camadas da população. Este movimento criou condições para a valorização
das suas funções e, portanto, para a melhoria do estatuto socioprofissional amparados em dois
argumentos sistematizados, a saber: o caráter especializado da sua ação educativa e a
realização de um trabalho da mais alta relevância social[...] (NÓVOA, 1999). um
39
consenso entre autores, como Nóvoa (1999) e Tanuri (2000) de que esta etapa foi decisiva no
processo de constituição da profissão docente, pois permitiu a consolidação do estatuto e da
imagem dos professores, bem como o processo de sua formação, com reflexos nas politicas de
formação de professor ainda nos dias atuais.
Porém, no que se refere às instituições de formação de professores, as condições
propícias para tal se realizará em pleno XIX (NÓVOA, 1999; TANURI, 2000), graças à
conjugação de vários interesses, nomeadamente o Estado, por meio da criação das Escolas
Normais. As Escolas Normais estão na origem de uma verdadeira mutação sociológica do
corpo docente: o “velho” mestre-escola é definitivamente substituído pelo “novo” professor
de instrução primária (NÓVOA, 1999, p. 18). Mais do que formar professores, “as Escolas
Normais produziram a profissão docente”, contribuindo para a socialização dos seus membros
e para a gênese de uma cultural profissional, pois a partir de então, entre avanços e recuos, as
instituições de formação de professores passaram a ocupar um lugar central na produção e
reprodução do corpo de saberes e do sistema de normas da profissão docente, desempenhando
um papel crucial na elaboração dos conhecimentos pedagógicos e de uma ideologia comum.
A formação para a profissão docente no Brasil
A formação de professor para as primeiras escolas, no Brasil Império, está
estritamente relacionada ao modelo europeu e ao método de ensino utilizado o método de
ensino denominado “Mútuo” ou “Lancasteriano”. Tanuri (2000), citando Bastos (1997), relata
que antes que se fundassem escolas especificamente destinadas à formação docente no Brasil,
encontra-se nas primeiras escolas de ensino mútuo instaladas a partir de 1820 a
preocupação não somente de ensinar as primeiras letras, mas também a de preparar docentes,
instruindo-os no domínio do método, utilizado na Europa, que era o método Mútuo ou
Lancasteriano.
Este método já havia revolucionado as escolas de primeiras letras destinadas às classes
desfavorecidas, na Europa, não pelo aumento do número de crianças escolarizadas, mas
também pela diminuição significativa das despesas com a instrução, tornando-o acessível a
todos os países, pois se diferenciava do método individual até então utilizado. Diante, desses
resultados, considerados positivos no que se refere à eficiência e ao custo, a sua adoção nas
escolas brasileiras mostrava-se profícua naquele momento. Esta forma, exclusivamente
prática, sem qualquer base teórica, foi a primeira forma de preparação de professores no
40
Brasil, como apontado pelos autores mobilizados neste ensaio (NÓVOA, 1991, 1995, 1999;
TANURI, 2000).
Segundo Tanuri (2000), em de março de 1823, por um decreto oficial criou-se a
primeira Escola Normal na corte, instalada no Rio de Janeiro, pelo método de ensino Mútuo,
destinada à instrução de corporações militares, vindo esta a funcionar também com o objetivo
de instruir pessoas acerca do método de Lancaster, sendo esta uma das primeiras medidas
tomada por D. Pedro I com o objetivo de criar uma estrutura educativa no Brasil. Com a
consagração do método mútuo no Brasil, as primeiras escolas normais reduziam o preparo
didático e profissional para o exercício do magistério à compreensão do referido método, a
partir do currículo mínimo de ler e escrever. Ou seja, os mestres deveriam saber ensinar as
quatro operações e proporções, a língua nacional, elementos de geografia e princípios de
moral cristã. Em 1840, havia escolas espalhadas por diversos estados do Brasil, mas, por
volta de 1846,não havia mais escolas com este método no Brasil, conforme explicitado por
Tanuri (2000). Como ressalta a autora, em todas as províncias as Escolas Normais tiveram
uma trajetória incerta e atribulada no Brasil, submetidas a um processo contínuo de criação e
extinção, para lograrem algum êxito a partir de 1870, quando se consolidam as ideias
liberais de democratização e obrigatoriedade da instrução primária, bem como a de liberdade
de ensino.
Diante do apresentado, evidencia-se a impossibilidade de desvincular o processo
histórico da formação de professor do processo histórico de institucionalização da escola,
como instituição formal de educação que está vinculada às políticas de organização do campo
educacional pelo Estado. Ou seja, a história da formação e da constituição da profissão
docente no Brasil está imbricada com ao histórico da organização e regulação do campo
educacional, enquanto política pública. Entretanto, a década de 1970 é considerada por
diversos autores como sendo o marco do surgimento da docência como profissão no Brasil e
do reconhecimento da profissão professor, no contexto de lutas pela democracia, ao ser
retomado o debate da relação entre educação e sociedade ou educação e Estado (WEBER,
2003).
A década de 1970 é também considerada como o marco de luta pela educação pública,
pois foi um momento que selou a vinculação da educação escolar a projetos de ordem social,
deu relevância à dimensão política da atividade educativa e identificou o professor como
educador. Já a década de 1990 é considerada a “década da reforma”, em que a profissão
docente e a formação do professor passam a ser discutidas e, também, direcionadas a partir
41
das prerrogativas da Emenda Constitucional 53, de 2006, e da LDB, n. 9394/1996, na
direção da profissionalização do professor. Criticada por autores como Saviani (2010), ao
analisar que a década de 1990 foi marcada pela reorganização do processo produtivo, tendo
como consequência a introdução do neotecnicismo na educação, esta década também foi
palco do início de um processo de mudanças na estrutura e organização do campo
educacional, intitulado como “Reforma”, com repercussões diretas na profissão docente e na
redefinição do trabalho do professor.
No aspecto legal, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, publicada no bojo
desse movimento de reforma, reforça e imprime o caráter oficial da profissão docente,
estabelece as características dos profissionais da educação, concebendo a formação para a
docência como formação continuada e formação em serviço, um direito a todo educador de
diferentes níveis e modalidades de ensino, cabendo às instituições educacionais garantir as
condições necessárias de materialização do que determina a lei:
Art. 61- A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características
de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:
I- a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em
serviço.
Art. 67- Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na
carga de trabalho (BRASIL, 1996).
A década de 1990 tem sido apontada como início de um processo de redefinição do
trabalho docente e da sua profissionalização em um contexto de busca pela universalização e
democratização da educação pública e de qualidade para “Todos”, com inúmeros desafios a
serem enfrentados diante da busca pela qualidade e democratização da educação, com
destaque à questão da formação docente. As discussões se concentram principalmente nos
cursos de formação de professores, como Pedagogia e Licenciaturas que formam os
profissionais para a educação básica, principalmente ao curso de Pedagogia que formam o
professor para as primeiras séries do ensino fundamental e educação infantil.
Referindo-se ao Brasil, Nóvoa (2011, p. 2), cita dois momentos fundamentais que têm
sido ignorados ao longo das últimas décadas, não no Brasil, mas em muitos países, o que
revela bem a confusão que hoje existe nas políticas e nos programas de formação de
professores:
42
O primeiro momento corresponde à entrada num curso que habilita para a
docência. O atual processo, burocrático e administrativo, não faz qualquer
sentido. É urgente introduzir um recrutamento mais individualizado, que
permita perceber as inclinações e as disposições de cada um para se tornar
professor. E é preciso criar as condições para que os melhores alunos do
ensino médio escolham a profissão docente. Ser professor não pode ser uma
segunda escolha. O outro momento é a transição de aluno (como dizia no
passado, de aluno-mestre, isto é, de aluno que aprende para ser mestre) para
professor principiante.
Gatti (2010) sinaliza um cenário preocupante no que tange à formação de professores
diante das ambiguidades das normatizações vigentes, a fragmentação da formação entre e
intracurso, bem como no que se refere à parte curricular dedicada à formação específica para
o trabalho docente, incluindo os estágios na forma como hoje se apresentam na maioria das
instituições de ensino superior. Outras questões significantes permeiam as interrogações no
tocante à formação de docentes, que não têm merecido a atenção devida dos governantes e
dos promotores de políticas públicas, que é a questão da relação da qualidade com a educação
de formação dos professores.
Em entrevista à Revista Educação (2013), ao ser perguntado sobre o coração do
problema dos professores no Brasil, Nóvoa defende que é preciso fazer uma revolução na
formação de professores, pois o que “existe é frágil”. Além disso, ele defende ainda “a
interligação entre as questões do ensino, da investigação e das práticas escolares e a
participação efetiva dos profissionais na formação dos futuros professores” [...] para que se
crie um novo modelo de formação de professores, uma vez que não nascemos professores e,
sim, nos tornamos professores.
Indo mais além, referindo-se à quantidade de estudos sobre a formação de professores,
Nóvoa (2011) denuncia a falta de políticas sólidas para formação e valorização do professor,
atribuindo os problemas da educação à inadequada formação dos professores, inclusive por
parte das organizações multilaterais, como a UNESCO. A Conferência de Jontiem, ocorrida
em 1990, em Tailândia, por exemplo, duas décadas e meia reconhece e registra a
importância do papel do professor enquanto “agente de mudança, no relatório de Delors et al.
(2001, p. 152) se prescrevia que este papel seria ainda mais decisivo no século XXI. No
entanto, a situação ainda não foi alterada.
Por fim, pode-se observar como consenso entre os especialistas da educação que a
afirmação da profissão docente no Brasil tem sido um percurso repleto de incongruências, de
hesitação, avanços e recuos; lutas e conflitos, e, assim como a própria educação. Daí a
relevância de mais aprofundamento na teorização da formação docente e de retorno à
43
trajetória histórica da profissão para compreender as condições que delineiam as políticas
educacionais contemporâneas, incluindo a formação de professores.
Considerações finais
Procuramos demonstrar neste ensaio que a profissão professor constitui-se a partir da
intervenção do Estado, que substituiu a igreja como entidade de tutela do ensino e também o
enquadrou na sua ideologia, impondo não ao ensino mas também à ação docente contornos
específicos que repercutem ainda hoje no cenário e na profissão docente.
À semelhança do que ocorreu em outros países, a profissão e a função docente foram
sendo normatizadas no Brasil a partir do momento em que o Estado evoca a si o controle da
escola, até então entregue aos jesuítas.
A partir do histórico da constituição da profissão docente, pode-se inferir que as
tensões históricas que permearam a trajetória da constituição da educação refletem ainda hoje
na formulação das políticas de formação e valorização de profissionais para o exercício da
docência. Pode-se tomar como consenso que a discussão e a formulação de políticas para
aproximar o nível da qualidade da educação brasileira ao nível de países desenvolvidos
passam necessariamente por políticas eficazes de formação de professores e valorização da
carreira docente. Entretanto, a formação de professor, independentemente do nível de ensino,
não pode ser pensada isoladamente, fora das transformações que estão ocorrendo em outros
setores da sociedade.
Assim, um dos grandes desafios para que os professores possam agir como
profissionais, desde o início do processo de formação é a necessidade de ter reconhecido o seu
lugar e aquilo que é de sua responsabilidade profissional, entre elas a de sua formação
continuada, entendida por Nóvoa (2009) como desenvolvimento pessoal, humano e
profissional, processo permanente e integrado no dia a dia dos professores e da escola. Daí, é
possível considerar que alarga-se a concepção de formação para o exercício da profissão
docente para além de uma perspectiva tecnocrática, podendo vislumbrar o lugar de
profissional da educação que possa projetar um novo cenário para a educação. Com este
ensaio esperamos ter contribuído com o debate reflexivo em torno da formação de professor
na perspectiva da sua profissionalização além do reducionismo técnico.
44
REFERÊNCIAS
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aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das
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45
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46
Autoformação Cooperada e a Formação De Professores: reflexões acerca do Movimento
da Escola Moderna em Portugal a partir do enfoque Histórico-Cultural
Júlia Carolina da COSTA SANTOS
Maria Silvia ROSA SANTANA
Introdução
A formação de professores tem como finalidade preparar o professor para que este
transmita apropriadamente seus conhecimentos de forma que estes possam ser integrados a
diferentes contextos de ensino, considerando que “[...] o processo formativo envolve o
progressivo desenvolvimento das potencialidades de cada professor, a construção de novos
saberes, sendo fortemente marcado pelas dinâmicas sociais e colectivas(PONTE, 1999, p.
6).
Neste contexto, a formação contínua apresenta-se entendida como a formação dos
professores dotados de formação inicial profissional, visando o aperfeiçoamento dos saberes,
técnicas e das atitudes necessárias ao exercício da profissão de professor. Por ter como objeto
o professor já licenciado e em serviço, não se limita a atividades pontuais e possui caráter
permanente, constituindo-se pelas atividades que o professor/educador realiza com finalidade
formativa, focado no seu desenvolvimento profissional (FORMOSINHO, 1991).
Entendemos, entretanto, que a formação vai além desta dimensão da capacitação,
ocorrendo também em outros tempos e espaços diferentes deste, sendo um processo que
ocorre ao longo da vida pessoal e profissional dos sujeitos, nos quais o professor é preparado
para o exercício da docência. É importante ressaltarmos que o processo formativo pela qual os
professores passam e pela qual se apropriam da docência vai além dos conhecimentos
específicos relativos à profissão, mas também aos elementos próprios da cultura e do seu
tempo.
Pretendemos, neste texto, discutir sobre o Movimento da Escola Moderna de Portugal
(MEM) e o seu modelo de formação continuada, a autoformação cooperada, assim como
levantar possíveis reflexões a partir do enfoque Histórico-Cultural. Para isso, no primeiro
tópico deste texto, abordamos brevemente o Movimento da Escola Moderna (MEM), seus
princípios e seu desenvolvimento enquanto associação que tem por finalidade formar
professores e criar meios para a (re) construção das práticas pedagógicas em Portugal. A
seguir, no segundo tópico, tratamos do modelo formativo do MEM, a autoformação
47
cooperada, seguido, no terceiro tópico, de nossas considerações acerca deste modelo, a partir
de seu referencial teórico, para, por fim, encerrarmos com nossas reflexões a partir desta
temática.
O Movimento da Escola Moderna em Portugal
O Movimento da Escola Moderna português é uma associação e um movimento de
formação de professores, que se autodenomina como um projeto democrático de
autoformação cooperada, direcionado à construção de um modelo de cooperação educativa
nas escolas. Nas palavras de Sérgio Niza (2009, p. 349):
O Movimento da Escola Moderna (MEM) é uma associação de profissionais
de educação que se assume como movimento social de desenvolvimento
humano e de mudança pedagógica e que se propõe construir respostas
contemporâneas para uma educação escolar intrinsecamente orientada por
valores democráticos de participação directa, através de estruturas de
cooperação educativa.
Fundado em Portugal na década de 1960, a proposta do MEM originou-se a partir da
fusão de três práticas pedagógicas convergentes, todas com a participação direta de Sérgio
Niza: a experiência do educador em uma escola Primária em Évora, no período de 1963/64, a
partir da concepção do municipalismo da proposta de António Sérgio; a prática de integração
de crianças deficientes visuais do centro de Hellen Keller e o curso de aperfeiçoamento
profissional, orientado por Rui Grácio entre os anos de 1963 e 1966 com o apoio dos
sindicatos dos professores (FOLQUE, 2011; NIZA, 1998).
Autores como Folque (1999; 2011), Niza (1997; 1998) e Nóvoa e Vilhena (2012)
apontam que a partir da década de 1990 o MEM alcançou estabilidade, sendo reconhecido
como movimento incontornável de formação de professores na história da formação de
professores em Portugal e na capacidade de intervenção a nível nacional, adentrando e
compondo o ensino oficial.
Segundo Folque (2011), a matriz teórica que orientava o trabalho do MEM até a
década de 1980 baseava-se na pedagogia do trabalho de Freinet, na qual o aprendizado ocorre
“[...] envolvendo-se em trabalho útil e produzindo serviços úteis; o trabalho cooperativo; a
vivência da democracia as crianças participavam nas estruturas de governo da escola
(idem, p. 52). A partir da década de 80, as teorias de Bruner e Vigotski foram integradas no
48
que a autora chama de uma perspectiva sócio-construtivista, para fundamentarem
teoricamente o trabalho de formação cooperada e o modelo pedagógico de intervenção escolar
(FOLQUE, 1999).
Segundo Sérgio Niza (1998), a cultura, categoria utilizada tanto por Vigotski quanto
Bruner em suas teorizações, é peça-chave para a pedagogia do MEM. O autor destaca que é
por meio da cultura que toda ação é orientada, e logo transformada pela reflexão crítica. A
cultura pedagógica do MEM pode ser entendida como
[...] um instrumento social da ação educativa que, no caso vertente, se
institui, enquanto ação democrática, entre professores e alunos: os projetos
de conhecimento e de intervenção são concebidos e desenvolvidos
democraticamente, em trabalho contratualizado de cooperação (NIZA, 1998,
p. 3).
Para Antônio Nóvoa (1998), é a cultura pedagógica do movimento, baseada na
responsabilização profissional e no compromisso com a educação o que melhor caracteriza o
MEM, e orienta os profissionais a construírem a profissionalidade com compromisso, através
da cooperação, assentada em valores democráticos, refletindo as práticas e dando um sentido
ético ao trabalho educativo. De acordo com este mesmo autor, é esta cultura pedagógica que
[...] permite avanços, novas iniciativas e projetos, que definem uma atitude de
procura e de inquietação intelectual que não se confunde nunca com o efêmero das
modas e das novidades. Não são apenas palavras. É um modo de ser e de estar.
(NÓVOA, 1998, p. 16)
Como princípio educativo, o Movimento da Escola Moderna defende a formação das
crianças para a intervenção social. Neste sentido, os docentes do MEM encaram a escola
como um espaço onde se iniciam as práticas de cooperação e de solidariedade de uma vida
democrática, onde todos os envolvidos, tanto alunos, quanto professores e outros funcionários
devem contribuir para a criação de um ambiente com condições sociais, materiais e afetivas,
que permitam organizar o espaço educativo de forma que todos possam apropriar-se dos
conhecimentos, dos processos e dos valores morais que a humanidade preconiza no seu
percurso histórico-cultural (FOLQUE, 2011).
A formação de professores e educadores a partir dos fundamentos do MEM preconiza
a “[...] construção cooperada da profissão docente, por retroacção do acto pedagógico, que se
(re) constrói continuadamente, por meio da reflexão crítica e avaliativa de práticas no
colectivo, de onde resulta, consequentemente, a construção de uma pedagogia.
49
(SERRALHA, 2009, p. 5, grifo nosso). É sobre o modelo formativo do Movimento da Escola
Moderna portuguesa que avançamos neste texto.
Autoformação Cooperada: a formação de professores no Movimento da Escola
Moderna
A Autoformação Cooperada promovida no MEM propõe-se a alavancar o
desenvolvimento profissional e a mudança pessoal de forma intencional a partir de um
contexto de socialização. Neste contexto, a cooperação social é estruturante. É através do
conceito de Kurt Lewin que Sérgio Niza (2009, p. 348, grifos do autor) define a cooperação
que assenta o modelo formativo do MEM: Cada um pode alcançar os seus objectivos
se, e se, os demais conseguirem alcançar os seus, por oposição às da competição em que
cada uma pode alcançar os seus objectivos se, e se, todos os demais não
conseguirem alcançar os seus.
É por meio da cooperação que as condutas dos formandos e formadores são
delineadas. Os membros de comunidades de práticas profissionais, assim como o MEM, têm a
sua atuação profissional determinada pela estrutura e organização destas comunidades, e não
pelas características pessoais dos indivíduos que as compõem. Niza (2009, p. 349) destaca
que a autoformação cooperada ocorre “[...] sujeita às regras sociais da cooperação”, o que
significa, neste contexto, que cada elemento envolvido atinge os objetivos da formação
quando cada um dos outros os tiver atingido também, o que para o autor indicaria que a
formação ocorre num viés duplo e dialético, marcada pela intencionalidade, responsabilidade
e socialização dos sujeitos que dela fazem parte, numa lógica em que todos buscam o
desenvolvimento do grupo, que, através da cooperação, os sujeitos “[...] formam uns aos
outros” (NIZA, 2009, p. 349).
Assim como a cooperação, o isomorfismo pedagógico é um conceito fundamental para
a formação e a prática dos profissionais que constituem o MEM. O isomorfismo pedagógico é
entendido como
[...] a estratégia metodológica que consiste em fazer experienciar, através de
todo o processo de formação, o envolvimento e as atitudes; os métodos e os
procedimentos; os recursos técnicos e os modos de organização que se
pretende que venham a ser desempenhados nas práticas profissionais
efectivas dos professores (NIZA, 2009, p. 352).
50
A formação dos professores por meio de uma pedagogia isomórfica implica a
utilização de um sistema baseado nos mesmos princípios e conceitos que o
professor/educador em formação adotará com os seus próprios alunos (NIZA, 1997). De
acordo com Folque (2011), para que haja coerência na transferência das aprendizagens da
maneira de ser professor é necessário que as práticas escolares e a formação de professores
sejam reconstruídas. Essa é uma das principais premissas nas quais a formação de professores
no MEM se sustenta. Segundo a autora “[...] no MEM, buscamos fazer que os princípios que
procuramos viver com os nossos alunos nas escolas sejam vividos por nós no nosso modelo
de formação.” (FOLQUE, 2011, p. 54).
Os princípios estratégicos que norteiam as práticas do MEM baseiam-se em três
orientações pedagógicas que direcionam o processo formativo: a) o conhecimento é produzido
na ação; b) que a comunicação é fundamental para a formação e para a aprendizagem; e c)
interação dialética entre a experiência pessoal e a teorização (NIZA, 1997).
O primeiro princípio apregoa que a construção do conhecimento ocorre pela
“consciência do percurso da própria construção” (NIZA, 1997, p. 33), sendo a que partir da
reflexão sobre a ação, pela tomada de consciência do processo que a verdadeira aprendizagem
ocorre. A comunicação, destacada por Niza na segunda orientação, é o que dá sentido social à
aprendizagem e ajuda a estruturar o conhecimento, assim como nos processos de validação e
regulação da aprendizagem. Já a terceira orientação diz respeito à [...] necessidade de uma
construção e reconstrução pessoal dos conhecimentos e habilidades técnicas enquanto práticas
individuais ou grupais pontuadas por apoios reflexivos ou teóricos proporcionados pelos pares
e pelos formadores.” (NIZA, 1997, p. 33).
Os projetos são considerados peças fundamentais para a autoformação cooperada, e
como “princípio estratégico central para a formação” (NIZA, 2009, p. 354). De acordo com a
autora, o uso de projetos nas ações formativas envolve três condições: que os formandos
façam parte do planejamento do projeto a ser desenvolvido, que este projeto seja aplicado e
aperfeiçoado progressivamente e que o trabalho realizado por meio do projeto seja
configurado e acordado como processo de formação colaborativa entre os participantes do
processo.
A autoformação cooperada acontece por meio dos projetos, o que possibilita a
participação ativa e colaborativa por parte dos sujeitos em formação, organizando-se como
uma prática de produção cultural durante a formação (FOLQUE, 2011; SERALHA, 2006).
Assim, de acordo com Peças (1999, p. 58):
51
[...] o projecto surge como sentido, como cultura, e esse sentido é o de
organizar o olhar, a escuta, as energias, os sujeitos e as acções para
responder a desejos e aspirações que são sempre necessidade de
desenvolvimento inter e intrapessoais. Projectos que comprometem,
descobrem os obstáculos e procuram os meios de os vencer. Esta cultura de
projecto remete o acto de educar para um outro paradigma: o
transmissão de informação sem ligação como o vivido, mas o aprender
como meio de compreensão e acção sobre os quotidianos, orientado para a
resolução dos problemas e das dificuldades, provocando novas e mais
intensas questões para nos fazermos todos (educadores e educandos,
animadores e animados) mais cultos e melhores cidadãos.
A autoformação cooperada é estruturada pelo MEM a partir de atividades
desenvolvidas regionalmente e em contexto nacional, que contemplam sócios e não sócios,
nos quais os instrumentos de trabalho pedagógico são construídos e compartilhados, as
práticas são partilhadas e teorizadas, assim como os materiais teóricos utilizados para
fundamentar os debates. Tais atividades buscam promover o modelo pedagógico, por meio da
reflexão e o aprofundamento interno sobre a pedagogia do MEM. As atividades do MEM são
geridas e reguladas por Comissões Coordenadoras existentes em cada núcleo regional, em
reuniões mensais.
O MEM, Construtivismo Social, Vigotski e as impossibilidades desta relação
Toda teorização de Vigotski (2004) foi para a construção de uma psicologia marxista,
baseada no materialismo histórico dialético, e, portanto, ao nos utilizarmos deste teórico, não
podemos, como bem aponta Newton Duarte (2001), descaracterizá-la enquanto uma teoria
marxista, como acreditamos que ocorre quando o MEM se utiliza dos pressupostos
vigotskianos, como a mediação e a cultura (FOLQUE, 1999) e associa Vigotski à Bruner
como um autor sócio-construtivista, que partilha de uma mesma concepção de cultura
(FOLQUE, 2011; NIZA, 2009).
Segundo Rabatini (2010, p. 96), a cultura para Bruner é “[...] como um sistema
simbólico a ser interpretado e negociado pelos indivíduos [...], o desenvolvimento psicológico
é particular, sem apresentar traços de universalidade entre os demais sujeitos.” A concepção
de Bruner aproxima-o de um modelo educacional pós-moderno e pragmático, já que com esta
concepção de cultura “[...] ele debruça-se apenas no sujeito empírico reflexo de sua aparência
individual, preterindo-o como síntese de múltiplas determinações” (RABATINI, 2010, p.
111). para Vigotski ocorre ao contrário, pois “[...] a cultura, é fruto da produção social
52
humana por meio do trabalho. [...] O homem, por essa perspectiva, quando nasce é apenas um
animal e torna-se humano com a apropriação da cultura.” (RABATINI, 2010, p. 97).
A apropriação da cultura que nos referidos acima é possível pela aprendizagem, e
nesse contexto salientamos que para o materialismo histórico e dialético, e, portanto, para
Vigotski, o trabalho “[...] é o mediador do processo dialético de transformação da natureza em
cultura social. Com base nesse postulado Vigotski entende a cultura como produto do trabalho
humano e, portanto expressão do processo histórico.” (RABATINI, 2010, p. 78).
É nesse sentido que os conceitos defendidos por Vigotski não coadunam com a
formação do "[...] sujeito empírico reflexo de sua aparência individual [...]", conforme
citado acima, uma vez que para ele o movimento de humanização ocorre por meio da
apropriação da cultura histórico e socialmente constituída, encerrando uma relação entre o
singular, o particular e o universal.
Neste contexto, defendemos, conforme entende Saviani (2003, p. 17) que a finalidade
da educação seja
[...] produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à
identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos
indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro
lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para
atingir esse objetivo. (grifos nossos).
A escola possui o papel de mediar à apropriação da cultura, sendo o ambiente
privilegiado para a promoção de desenvolvimento ideal, de modo a permitir que os sujeitos
atinjam suas máximas potencialidades. Mas para que possamos nos apropriar adequadamente
dos elementos culturais produzidos historicamente pelo homem e assim, nos desenvolvermos
potencialmente, como preconiza Vigotski e outros autores da Psicologia Histórico-Cultural,
como Leontiev (1978), precisamos atentar que a aprendizagem antecede o desenvolvimento.
E o desenvolvimento, segundo Vigotski (2001), é resultado das aprendizagens que acontecem
pela atividade do sujeito com os produtos da cultura, por meio das relações sociais, sendo um
processo ativo.
Tais concepções são também fundamentais para a formação continuada. Vigotski foi
enfático em pontuar que “[...] o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”
(2001, p. 114), e esse ensino deve ser organizado, sistematizado, de maneira que promova o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos sujeitos, incluindo os professores
que se encontram em formação contínua. Apenas a reflexão sobre a prática não basta. A
53
reflexão deve existir, mas fundamentada por um conhecimento teórico consistente, que
permita aos profissionais a compreensão de suas realidades para além das aparências, das
formas alienadas de apropriação da cultura, a fim de que essa compreensão possa embasar o
planejamento e a execução das ações pedagógicas.
Seguindo esta lógica, a formação docente que defendemos é uma formação promotora
do desenvolvimento, articulada à prática, mas referenciada pelos conhecimentos
historicamente produzidos pelos homens de maneira que estes se constituam em processo
formativo, superando a formação que busque promover competências e que considere apenas
a capacidade de aprendizado dos sujeitos calcada nos conhecimentos cotidianos.
Considerações finais
Pretendemos com este texto contribuir, ainda que de forma incipiente, para a discussão
a respeito da formação continuada de professores a partir do modelo formativo utilizado pelo
Movimento da Escola Moderna de Portugal, a Autoformação Cooperada. Para isso,
apresentamos sucintamente o MEM e o modelo formativo, assim como discutimos parte de
aspectos que consideramos críticos no referencial teórico, como a utilização superficial e
equivocada da teoria vigotskiana, que aproxima Vigotski do Construtivismo Social,
movimento do qual este teórico não faz parte, assim como o seu conceito de cultura, que é
essencialmente diferente do de Bruner.
Entendemos que o modelo pedagógico e formativo do MEM volta-se apenas às
necessidades imediatas, práticas, dos profissionais em formação, assim como dos alunos que
são atendidos em seu modelo pedagógico, não considerando o sujeito concreto e histórico que
está além deste sujeito abstrato que tem por objeto em sua formação.
O papel da escola e dos educadores, segundo o enfoque Histórico-Cultural,
considerando que Vigotski tencionava uma sociedade universal com bases no socialismo e,
assim, uma ciência marxista, é a socialização sistematizada dos conhecimentos científicos,
políticos, éticos e filosóficos visando à humanização dos sujeitos. Esta formação não ocorre
senão por meio de uma prática pedagógica intencionalmente elaborada para tal, por meio de
uma didática científica.
Então, a formação dos professores precisa ter como referência esse conhecimento, para
que o docente, no exercício de seu trabalho, possa desenvolver as máximas capacidades
humanas dos escolares.
54
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56
A relação entre currículo, identidade e profissionalidade docente: uma análise a partir da
produção discursiva da ANPED
Nívea Roberta Moraes B. LEMOS
Crislainy De Lira GONÇALVES
Lucinalva Andrade Ataíde DE ALMEIDA
Introdução
O presente artigo se insere nas discussões acerca do currículo da formação profissional de
professores. No âmbito dessas discussões, tratamos de forma associada neste artigo as temáticas sobre
o currículo da formação, identidade e profissionalidade de professores.
Para tanto, partimos do entendimento de que o currículo é “seleção, organização e distribuição
dos conteúdos formadores e eixos norteadores da formação” (ALMEIDA, 2008, p. 62), assim, ao
selecionar, organizar e distribuir os conhecimentos, o currículo delimita os conhecimentos
profissionais teóricos e práticos, que estão estritamente relacionados às funções específicas da
profissão professor. Estes saberes pré selecionados para compor a formação inicial dos professores,
contribuem dentre outros aspectos para a construção de uma identidade profissional, influenciando
diretamente a vivência da profissionalidade dos professores em seu campo especifico de atuação: a
sala de aula.
Com base neste entendimento, coadunamos que nos currículos circulam discursos e
representações que orientam os modos de ser dos professores, ou seja, a sua identidade profissional
(FRANGELLA, 2006). Tais discursos e representações a respeito da identidade profissional, incidem
diretamente na profissionalidade do professor, uma vez que, a profissionalidade diz respeito ao que “é
específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, destrezas, atitudes e valores que
constituem a especificidade de ser professor (SACRISTÁN,1999, p. 65).
Portanto, compreendemos que o currículo da formação, através da socialização de
conhecimentos e saberes profissionais, teóricos e práticos, inerentes a delimitação das funções e
competências especificas da profissão, se apresenta como elemento central na configuração do ser
professor (identidade profissional) que se materializa nas atividades, práticas, fazeres e ões
profissionais (profissionalidade).
Dessa forma, buscamos analisar a relação entre as categorias currículo da formação,
identidade e profissionalidade docente presente nas publicações da formação discursiva da Associação
Nacional de Pós - Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd. Espaço discursivo que fora escolhido
pelo fato de se configurar como um campo de referência nacional e por se tratar de um evento que
apresenta um significativo reconhecimento conceitual de pesquisa em educação. Com isso,
objetivamos situar e contextualizar a discussão das temáticas em foco frente ao que se tem produzido.
57
Para isso, tomamos como marco temporal o período de 10 anos na ANPEd com início no ano
de 2005 até o ano de 2013 e pesquisamos os GT’s referentes ao currículo, formação de professores e
didática. Dentre as produções analisadas, elencamos treze (13), por estarem relacionadas ao nosso
estudo. O acesso as publicações se deu inicialmente através da leitura dos títulos, resumos e palavras-
chaves e da introdução quando julgávamos necessário maiores esclarecimentos. Posteriormente foram
escolhidos deste quantitativo um total de nove (09) trabalhos, os quais realizamos a leitura do texto na
íntegra por corresponderem ao objeto da pesquisa. Destacamos que foram selecionadas apenas
comunicações orais pelo fato de apresentaram pesquisas científicas completas ou em andamento na
área da Educação.
No que se refere a discussão na ANPEd a respeito do currículo da formação de professores e
sua relação com a construção da identidade profissional dos professores, encontramos um quantitativo
de sete trabalhos. Tratando-se da profissionalidade, foram encontramos um total de sete trabalhos
publicados sobre o tema. Nota-se um mero reduzido de trabalhos sobre a temática nas primeiras
reuniões dentre as que foram analisadas, isto porque, no Brasil, mais especificamente no campo da
educação, a profissionalidade consiste em um campo de estudo relativamente recente, porém, que vem
conquistando espaço entre as discussões acadêmicas.
Os trabalhos que trataram da profissionalidade docente, estavam relacionados a
profissionalidade de gestores, dos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental,
profissionalidade dos professores na Educação Superior, e profissionalidade dos Estudantes
licenciandos nos cursos de Graduação. No entanto, seguindo nossos critérios de escolha para análise
dos trabalhos, elencamos do quantitativo total três trabalhos que trataram especificamente da
construção da profissionalidade docente na formação inicial.
Ressaltamos ainda que, analisamos os trabalhos com base na perspectiva teórico-metodológica
da Análise de discurso (2010), analisando os ditos presentes nas publicações a respeito das concepções
de currículo, identidade e profissionalidade, evidenciando as relações estabelecidas entre os discursos,
haja vista que um discurso remete a outro, os quais acabam, de algum modo, imbricados numa rede
discursiva.
As produções da anped: diálogo entre currículo da formação e sua relação com a identidade e
profissionalidade de professores
Na última década, publicações discursivas da ANPEd têm discutido a importância da vivência
do currículo da formação de professores como um momento imprescindível à entrada dos professores
na profissão, no qual são construídos e partilhados sentidos sobre o que é ser professor e seu trabalho
e, portanto, sobre os elementos constituintes indispensáveis ao exercício, atividade e ação profissional
(FRANGELLA, 2005; 2007; GARCIA E SUSSEKIND, 2010).
58
No centro dessa discussão, o currículo é apontado como uma produção cultural, política e
multifacetada, aonde se encontram diferentes culturas que manifestam suas intenções e disputam pela
legitimação de seus interesses a respeito da configuração dos modos de ser estar na profissão, através
do estabelecimento limites e possibilidades de atuação na profissão (FRANGELLA, 2005; 2007).
O que nos permite pensar que, no currículo circulam diferentes grupos culturais que produzem
e significam o que é ser professor, estabelecendo o lugar e o não lugar ocupado e a ocupar pelos
sujeitos, as suas funções, importância e utilidade educacional e social. Compartilhando essa ideia,
Garcia e Sussekind (2010) entendem o currículo da formação de professores como currículo-
composição evidenciando seu caráter dialogado, complexo, multi-situado, multirreferenciado e
polissêmico aonde circulam discursos e práticas curriculares do ser professor e fazer-se professor na
prática cotidiana da sua profissão. O que demonstra que os modos de ser professor o sociais,
culturais e, tecidos nos discursos e práticas curriculares de formação.
Ao tratar a perspectiva do hibridismo no que se refere as categorias do currículo e da
identidade profissional dos professores, os autores Frangella (2005, 2007), Garcia e Sussekind (2010),
discutem no interior dos seus trabalhos sobre a abordagem teórico-analítica do Ciclo de políticas de
Ball com a qual reafirma as influências do global e local na composição das políticas educacionais-
curriculares, evidenciando que as políticas instituídas passam por ressignificações de outros espaços, o
que nos leva a entender que embora contribuam para o delineamento da identidade profissional dos
professores, as políticas
8
não são aplicadas tal qual foram pensadas, mas sofreram recontextualizações
diversas, tornando-se híbridas.
De modo específico, a perspectiva de hibridismo concebe o currículo como prática cultural e
política que se constrói na negociação entre diferentes contextos sociais. Desse modo, o currículo é
pensado no âmbito de um ciclo político onde sofre a interferência do contexto de influência, contexto
da produção do texto e contexto da prática conforme aponta o ciclo de políticas. Dentro dessa
perspectiva, D’Ávila (2010) corrobora na compreensão de que diferentes contextos que compõem a
formação profissional vão contribuindo na composição de diferentes identidades e profissionalidades,
como o contexto pedagógico, profissional, sociocultural e político.
Nesta direção, é possível pensar o currículo da formação de professores no que se refere a
construção da identidade e profissionalidade de professores, como uma construção híbrida que traz as
marcas de diferentes culturas em conflito e tensas negociações. Dentro dessa perspectiva, podemos
pensar em identidade e profissionalidade como híbridas e fluidas, uma vez que estas são construídas
no interior das relações culturais. Dessa forma, não é possível a perspectiva de identidade e
profissionalidade como fechamento, mas como elementos que se constroem de forma permanente.
Portanto, sendo o currículo uma negociação entre diferentes contextos, a própria formação
profissional passa a fazer parte destas negociações entre contextos múltiplos. Frente a isto, os
8
Para aprofundar estudos acerca das Políticas Curriculares para os cursos de formação de professores, ver o
trabalho de Almeida; Leite; Santiago (2013).
59
trabalhos na ANPEd evidenciaram que a profissionalidade, assim como a identidade dos professores,
por estarem em constante movimento e elaboração, devem ser analisadas com base na compreensão
destes contextos inseridos em uma dimensão histórica, onde se estabelecem as relações sociais.
Nesta direção, o cotidiano das instituições formativas não pode passar despercebido, na
medida em que, ele é espaço ativo de inventividade e criação de práticas curriculares próprias de cada
instituição formativa, fugindo do espaço pré-fabricado pelas práticas curriculares prescritivas e
normativas. Deste modo, entendemos que o currículo vivenciado no cotidiano dos cursos de formação
inicial incide diretamente na identidade e profissionalidade dos futuros professores, visto que desde o
cotidiano da formação, estes passam a desenvolver modos individuais e coletivos de ser e estar na
profissão.
O curriculo vivido no cotidiano da formação inicial e a construção coletiva de identidades e
profissionalidades individuais
No contexto da prática do cotidiano, o currículo é tecido por uma rede de sujeitos situados em
diferentes instâncias que acionam e encarnam o/no currículo e perspectivam determinadas percepções
sobre o que é ser professor (GARCIA; SUSSEKIND, 2010). São estas percepções sobre a atuação do
professor oportunizadas pela vivência do currículo no cotidiano, que influenciam os futuros
professores a adotarem a partir de uma construção coletiva (com os docentes do ensino superior e com
os pares em formação) uma identidade profissional. Assim, apesar desta construção ser coletiva, as
formas de delineamento das identidades e profissionalidades, não se dão de forma homogênea, mas
individualizada, visto que nesta construção existem influencias externas à formação, que estão
inerentes à vida de cada sujeito em formação.
Nesse sentido, o currículo da formação e as perspectivas de identidades e profissionalidades
subjacentes a ele, também são pensados como elementos que se constituem nas relações e interações
dialógicas promovidas por redes de significações, nas quais políticas e práticas cotidianas se
entrecruzam. Por via da consideração das redes de significações se considera tanto as influências das
histórias de vida dos sujeitos como a formação inicial na composição, produção e transformação das
características do professor (GENTIL, 2006).
Isto significa dizer que, os professores no seu processo formativo o influenciados pelo
currículo da formação, mas também são influenciados pelas suas histórias de vida, e pela identificação
com as práticas docentes dos professores não durante o ensino básico, mas também no ensino
superior. Isto nos leva a pensar que as orientações curriculares a respeito de determinada identidade
profissional do professor, assim como a profissionalidade, uma vez que estas, se configuram como a
concretude do ser professor, não são recebidas de forma passiva pelos graduandos. As identidades
profissionais não são imputadas pelas instituições aos sujeitos, mas são fruto de uma trajetória que
60
exige negociações entre o relacional (identidade para o outro) e o biográfico (identidade para si)
(DUBAR, 1997).
Nesta perspectiva, o currículo da formação aponta elementos constituintes da identidade
profissional do professor, entretanto, ele não garante a identidade tal como fora proposta, pois esta não
se reduz a elaboração de identidade predefinidas. A identidade profissional proposta pelo currículo
para o professor em formação pode ser legitimada no meio em que circula através de socializações
diversas com professores formadores, interações cotidianas nas instituições formativas, num complexo
movimento entre as prescrições institucionais e as experiências profissionais e de vida de cada pessoa.
A esse respeito, Rocha e Aguiar (ANPEd, 2012), destacam dentre os contextos de influência
presentes na formação, a “influência exercida pelos docentes sobre os discentes em formação, no que
tange à construção da noção de identidade e profissionalidade docente” (p. 1). Isto implica em dizer
que durante a formação, os futuros professores aprendem o que é ser professor e como ser professor.
Isto ocorre porque durante este período os licenciandos visualizam como os docentes do ensino
superior agem diante das situações inusitadas na sala de aula, como estes lidam com o planejamento,
as dinâmicas didático-pedagógicas, a avaliação, ou até mesmo como se relacionam com os alunos.
No que se refere ao pensar sobre a influência das experiências profissionais e de vida de cada
pessoa na construção da identidade e profissionalidade de professores, podemos argumentar que, ao
adentrarem nos cursos de licenciatura, os professores em formação possuem saberes pré-profissionais
adquiridos através das suas aprendizagens sociais individuais, seja na escola como alunos, ou até
mesmo de sua educação familiar, conforme assinala Tardif (2000). O que demonstra a complexidade
da tessitura da identidade e profissionalidade de professores, na qual o sujeito faz parte de uma
construção, não sendo unicamente determinado pelas prescrições e interesses do currículo.
Isto implica em um processo no qual o professor em formação é pessoa ativa na construção e
constituição de sua identidade, a qual, a partir de seus atributos constituintes, configura a
profissionalidade dos professores, ou seja, as qualidades profissionais destes sujeitos (MONTEIRO,
2008).
Entendemos assim, que os discursos presentes nas publicações da ANPEd, as identidades e
profissionalidades de professores, anunciam que, as mesmas se constroem de modo “estável e
provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural” (DUBAR, 1997, p. 105).
Nesse caso, o profissional professor se desenvolve e se forma continuamente na relação entre os atos
de atribuição e propostas do currículo da formação e as nas experiências pessoais de cada professor.
Desse modo, mesmo considerando que o currículo enquanto produção cultural produz e
apresenta discursos que orientam o posicionamento de identidades, entendemos que como a identidade
se trata de algo construído nas tramas das relações culturais e sociais, os sujeitos de forma subjetiva
dialogam com o currículo dando outros/novos sentidos à sua posição enquanto professores
(FRANGELLA, 2005, 2007). Portanto, a identidade de professores e sua profissionalidade podem ser
percebidas não como algo inato, mas como processos contínuos de se criar e de se recriar que são
61
históricos e sociais que se constituem nos processos de desenvolvimento das relações e interações
humanas, e dos homens e mulheres consigo mesmos.
Diante disso, entende-se que “os cursos de formação devem ter o cuidado de possibilitar
questionamentos das realidades atuais nas escolas” (PASCHOALINO, 2010, p. 11), a partir de
projetos curriculares que se aproximem da realidade da prática profissional dos professores, das suas
histórias e necessidades formativas, com a finalidade de uma maior aproximação entre teorias e
práticas profissionais.
Nesta perspectiva, Rocha e Aguiar (2012), discutem a necessidade de os currículos criarem
espaço para discussão e reflexão acerca dos problemas enfrentados no âmbito da profissão. Nesse
sentido, os currículos da formação de professores precisam oferecer conhecimentos específicos e
exercícios de práticas de experiência no campo da profissão, bem como, atender os saberes da
experiência acumulados pelos professores no seu cotidiano profissional, num processo de reflexão
crítica, para que os professores produzam conhecimentos a respeito da sua profissão.
Isto porque, o currículo da formação de professores consiste num elemento de fundamental
importância no processo de profissionalização e valorização social do professor. Atuando, conforme
apontam Shimizu, Gomes, Zechi, Menin e Leite (2008), na seleção e socialização de conhecimentos,
saberes, competências, normas e valores necessários ao exercício da profissão e desempenho de suas
funções, bem como reúne as expectativas que o grupo de pertença tem sobre os papéis,
responsabilidades e deveres a serem desempenhados pelos professores, assim como, o sentido de
responsabilidade e compromisso profissional.
Diante destas considerações sobre o currículo da formação dos professores com relação a
identidade e profissionalidade de professores, identificamos que o mesmo, enquanto campo de
produção cultural e política, atua diretamente na elaboração e legitimação de saberes e destrezas que
consistem no que é específico do ser professor e da sua ação no âmbito do seu exercício profissional,
ou seja, na sua identidade e profissionalidade.
Considerações
A partir da análise das produções discursivas da ANPEd, percebemos que o currículo na sua
relação com a identidade e profissionalidade de professores é produzido em várias esferas de poder,
desde instâncias globais a instâncias e contextos locais e particulares, demonstrando a impossibilidade
da admissão de uma visão de currículo construído por uma ordem linear e técnica que impõe uma
identidade profissionalidade a ser assumida de forma essencializada, imutável, que fixa a posição que
os sujeitos devem ocupar na sua trajetória e carreira profissional.
As publicações também assinalam que, a identidade e profissionalidade de professores em
formação são construídas para além das práticas curriculares institucionais, de modo que, essas
categorias são pensadas, incorporadas e vividas pelos professores em consonância com saberes
62
advindos de outras instâncias da vida pessoal, assim como dos saberes pré-profissionais. Deste modo,
podemos afirmar que embora o currículo, seja uma base teórica e prática para a construção da
identidade e profissionalidade dos professores, este não é determinante para tal construção, visto que
esta construção é permeada pelo movimento entre diferentes contextos.
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63
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Século XXI, Porto de Galinhas: UFBA e UNEB. P. 1 14.
64
A formação do professor: um estudo a partir da concepção de ética em Paul
Ricoeur
Célia SMARJASSI
Introdução
O motivo que me leva a propor este tema para pesquisa vem de minha trajetória
profissional e pessoal. Segundo Gusdorf (1987, p. 1) “dentre as recordações privilegiadas que
todo homem conserva de sua própria vida recordações de família, de amor, de guerra, de caça
as recordações escolares constituem uma categoria particularmente importante”. Quase todos
nós lembramos nossa primeira professora, do primeiro dia de aula, do primeiro caderno. “Cada
um de nós preserva imagens inesquecíveis do inicio da vida escolar e da lenta odisséia
pedagógica a que se deve o desenvolvimento do nosso pensamento e, em grande parte, a
formação de nossa personalidade” (GUSDORF, 1987, p. 1).
Muitos conteúdos não mais lembramos, ou, ao contrário, às vezes, ainda sonhamos
(quase pesadelo) fazendo provas daquelas disciplinas que tínhamos mais dificuldade. “Também
sobrevivem em nós, aureoladas pela gratidão de uma memória reconhecida, as feições de
mestres e professores” (GUSDORF, 1987, p. 1). Porém, na memória também ficam guardadas
palavras, sorrisos, elogios, injustiças, deselegância, imparcialidade que nos marcaram, muitas
vezes, como “profecias do que mais tarde viria a suceder coisas de que a vida depois nos traria a
confirmação ou que, pelo contrário, viria a desmentir totalmente...” (GUSDORF, 1987, p. 1).
Neste trabalho pesquisamos sobre a importância da formação ética do professor, porque
desse profissional se espera uma postura singular de ser e estar no mundo. Entendemos que a
prática docente reclama por essência e vocação uma atuação eminentemente ética, porque ele, o
professor, dá a forma humana aos valores. Para tanto buscamos responder a seguinte
problemática:
Quais são os princípios e as orientações do pensamento ético de Paul Ricoeur que
propiciariam uma análise adequada do que dispõem as Diretrizes Curriculares Nacionais para
o. Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura e das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de
graduação plena em torno da ética na formação de professores?
A partir dessa problemática objetivamos realizar um estudo dos princípios éticos
consignados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia,
licenciatura e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da
65
Educação Básica, em vel superior, curso de licenciatura, de graduação plena em diálogo com
as concepções éticas de Paul Ricoeur.
Ética e formação docente
Ética e formação docente, embora dificilmente associados, são dois temas que sempre
promovem discussões. Quanto à formação do professor, segundo Nóvoa:
Não ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação
pedagógica, sem uma adequada formação de professores. Esta
afirmação é de uma banalidade a toda prova. E, no entanto, vale a
pena recordá-la num momento em que o ensino e os professores se
encontram sob fogo cruzado das mais diversas críticas e acusações.
(NÓVOA, 1995, p. 9).
A formação do professor tem marcado presença no debate educacional, contudo, desde
sempre esbarrando em desafios. Por isso, a defesa pela melhor qualificação seja dos futuros
profissionais, seja dos já em serviço parece estar condicionada à implantação de uma política
educacional que dedique à educação a real importância que lhe é necessária no conjunto das
forças que interferem no desenvolvimento nacional (BRZEZINSKI, 1987). Ampliando nossa
linha de raciocínio recolocamos o domínio da ética na formação docente, pois esse trabalho, por
sua natureza, comporta importantes princípios como justiça, liberdade, equidade,
responsabilidade, solidariedade, etc.
Acreditamos que é preciso repensar a formação docente nesse momento em que
o homem parece ter perdido seus parâmetros éticos a ponto de deixar a humanidade em
situação de risco, sobretudo porque a humanidade encontra-se fragmentada,
desorientada, desestabilizada e isso não é tarefa fácil (GOERGEN, 2005). Ainda,
segundo o mesmo autor as exigências reclamadas pela educação ora puxam para um
lado, ou seja, para que o aluno se bem no sistema capitalista, ora para que esse
mesmo ser humano conviva em harmonia com seu próximo, seu concorrente em
potencial.
Postulamos então, que o desenvolvimento da humanidade exige uma educação
em que a ética seja sua parte vital, e que assuma os fins éticos como prioridade nos
projetos pedagógicos. Assim, torna-se premente pensar a educação como prática
intencionalizada, como tarefa mediadora do processo de humanização. Conforme alega
Severino (2005, p. 152) “[...] é à humanidade que cada um tem que prestar contas”.
Continua o autor: “a mais radical exigência ética que se faz manifesta, nesse quadrante
66
de nossa história, para todos os sujeitos envolvidos na e pela educação, é, sem alguma
dúvida, o compromisso de aplicação do conhecimento na construção da cidadania”.
Nessa mesma direção, Seiça (2011, p. 6) pondera que “[...] educar é uma tarefa
prospectiva e quem educa assume responsabilidade que o futuro questionará”.
No entanto, uma ligeira olhada para a evolução da legislação educacional sobre
formação de professores no Brasil a partir da década de 1990 mostra a questão da
formação docente cada vez mais se complexificando, voltando-se inteiramente para a
preparação de profissionais para atender a uma concepção produtivista onde os
professores são meros transmissores de informação para os novos adentrarem ao
mercado de trabalho, “distanciando-se do seu significado mais amplo da humanização,
de formação para a cidadania” (ENS, GISI, 2011, p.31 apud SCHEIBE, 2002, p. 53).
Por isso, segundo Seiça (2011, p. 6):
Ainda que uma parte significativa das competências requeridas aos
professores para o desempenho profissional seja de natureza técnica, a
diversidade e a heterogeneidade dos alunos e a afirmação do direito de
cada um ser apoiado no seu modo individual de aprender exigem do
professor o exercício de outro tipo de competências, de reflexibilidade
e de atenção aos outros, que são do domínio da sensibilidade e da
ética. É, portanto consensual que a identidade profissional dos
professores comporta dimensões éticas.
No entanto, contrário ao desprezo revelado para o aspecto humano, portanto para
o domínio da ética somos instigados a resgatar as palavras de Morin alertando para a
necessidade de que “os educadores se auto eduquem e eduquem escutando as
necessidades que o culo exige” e, está evidente que o mundo atual reclama
humanidade perdida. Desse modo, cabe a cada um “fazer um questionamento interior”
(MORIN, 2002, p. 21). Na mesma linha de raciocínio, Imbernon (2002, p. 39) assevera
que é preciso pensar para aprender a interpretar, compreender e refletir sobre a realidade
social e a docência. Essa reflexão extrapola o aspecto individual e deve contemplar
“todo tipo de interesses subjacentes à educação, à realidade social, com objetivo
concreto de obter a emancipação das pessoas” (IMBERNON, 2002, p. 40). Segundo
Coelho:
Cabe à universidade, lócus da formação do professor, preocupar-se
com a formação humana, em especial dos professores que pensem a
realidade e a recriem. No entanto, em geral ‘a maioria das instituições
não vai além da preparação de especialistas, de técnicos, de peritos
67
capazes de operar o mundo e a sociedade, de fazê-lo funcionar
(COELHO, 2006, p. 46).
Em consonância com as reflexões acima, somos instigados a repensar o caminho que
fundamenta a educação e a profissão docente contribuindo para que não desapareça “[...] a
marca essencial da docência: a formação” (CHAUÍ, 1999, p. 221). Ainda, segundo Gatti (2006,
p. 5) fica patente que “a instituição formadora dos professores é problemática e responsável pelo
problema, pois lhes falta uma concepção de ética social, de responsabilidade social”, além disso,
deve assumir “a ética da solidariedade como horizonte” (BRZEZINSKI, 2008, p. 65).
Conforme o exposto justifica-se nossa preocupação com a recuperação da filosofia em
seu campo da ética no sentido de resgatar o debate, a reflexão que não se conforma, mas que se
interroga sobre a realidade que a circunda. Afinal interrogar, refletir, problematizar parece ser o
papel da universidade como agência formadora por natureza e essência.
Resultados da pesquisa.
Em conclusão, podemos dizer que nossa investigação acentuou nossa confiança
na esperança que educação pode nos aventar. E a nossa esperança está depositada na
característica mais importante que nos torna diferentes de todos os outros animais: a
capacidade de, mediante a interação aprendermos a sermos humanos. A ética é marca
do ser humano, é o compromisso com o fazer a vida na convivência com o outro. Por
isso, nossa preocupação com a formação ética do professor, com o criar na convivência
dos formandos um mundo de eticidade.
Nossa investigação concentrou-se na tarefa de efetuar uma leitura crítica dos
Parâmetros Curriculares Nacionais sobre ética e Convívio Social, das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, Licenciatura e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,
sobre as orientações referentes à dimensão ética. No entanto, em diálogo com alguns
autores pudemos concluir que, ao tratar da formação ética do professor, os documentos
oficiais apresentam equívocos quanto ao conceito de ética e moral, prevalecendo uma
orientação com vistas à moral. Além disso, buscamos apresentar um preâmbulo sobre a
noção de ética distinguindo-a da moral. Finalmente, apresentamos nossa defesa em
favor de uma formação ética do professor.
Desenvolvemos a apresentação do pensamento ético de Paul Ricoeur, autor
adotado como referencial teórico da pesquisa. Acreditamos que a perspectiva de
humanidade que defendemos desde o início da pesquisa, em nossa compreensão,
68
encontrou guarida no pensamento ético de Paul Ricoeur. Buscamos evidenciar que
nosso autor desenvolveu seu pensamento a partir da tradição reflexiva, da
fenomenologia e da hermenêutica. A originalidade de seu pensamento revela-se por
arquitetar uma fenomenologia da ação sem abrir mão do espírito da dialética. Sua
atitude filosófica sempre evidenciando os laços que ele estabeleceu com a antropologia
e com a ontologia. Daí as linhas gerais de uma filosofia que privilegia a ontologia da
ação. Desse modo, como pensamento que privilegia a ontologia da ação pôde
estabelecer a ponte entre sua teoria hermenêutica com a ética ressaltando a possibilidade
de uma ética hermenêutica, pois nossas ões assim como os textos são abertas às
interpretações.
Tendo alcançado da biografia de Ricoeur e de sua hermenêutica aquilo que
julgamos importante para nossa investigação passamos a resgatar seu pensamento
antropológico ético que tem como ponto de partida a compreensão da identidade pessoal
revelada em duas dimensões, uma social denominada mesmidade que contempla
aspectos relacionados à genética, à espécie humana além do aspecto numérico relativo à
permanência no tempo. E a dimensão moral ou ipseidade que implica a singularidade da
pessoa, mas que é formada mediante intensa reflexão sobre si enquanto interage com
outro.
Todavia, pudemos observar que é por meio da sabedoria trágica que Ricoeur
chega à sabedoria prática, isto é, ao coração de sua pequena ética fundamentada na
estrutura triádica estima de si (indivíduo), solicitude (outro), instituição justa. Sobre
essas bases desenvolve sua ética de modo a alcançar uma ontologia da ação em que o
outro é solicitado a desenvolver a reflexão sobre a ação no trajeto da praxis. Assim, a
reflexão sobre si mesmo é desdobrada pela mutualidade. Contudo, o viver bem com e
para o outro se completa com o desdobramento na vida das instituições de modo a
agregar aos traços éticos estima de si e solicitude a exigência de igualdade e de
equidade. Daí sua formulação sobre ética que consiste em “viver bem com e para o
outro em instituições justas” (RICOEUR, 1991, p. 202).
A reflexão sobre o pensamento ético de Ricoeur também nos mostrou a
importância do reconhecimento e da compreensão de si mesmo e do reconhecimento do
sentido de ser e estar no mundo. Ao mesmo tempo, encorajou-nos a buscar princípios e
rumos para se pensar de modo reflexivo a formação docente como premissa ética que
promova, desenvolva e cultive a solidariedade na humanidade plural e universal
presente em cada um de nós. Os três momentos da ética ricoeuriana nos possibilitaram
69
encontrar bases para fundamentar a formação docente na e para a solidariedade de modo
a concretizar nosso desejo de ser um educador solidário com o outro, com o estranho,
com as gerações futuras e nosso e esforço para existir como educador que não se renda a
fazer da instituição educacional um simples meio de responder às necessidades
puramente econômicas da sociedade capitalista.
Seu pensamento ético encorajou-nos a crer que é possível, através da dimensão
ética da ipseidade com seu desdobramento entre a estima de si e o respeito de si
reavaliar o momento moral pela reflexão ética de modo a querer agir com sabedoria
prática quando a situação exigir uma resposta que não se esgota na objetividade da
norma.
Avançamos nossa caminhada objetivando responder à pergunta/problema e aos
objetivos que delimitamos para nossa caminhada. Para tanto, fizemos um levantamento
de trechos das DCNFPEB, DCNFP e dos PCNs que abordam sobre o tema da ética.
Nesse ponto buscamos verificar como esses textos tratam esse aspecto na formação do
professor. Mapeamos e agrupamos os elementos convergentes que configuraram numa
indicação do universo de informações, frequência e relações que os textos trazem,
posteriormente, reunidos em três temas analisados à luz do pensamento ético de Paul
Ricoeur.
Assim, focamos nossa atenção nos importantes aspectos que acreditamos existir
na sua reflexão. A saber: para a importância da compreensão do termo identidade
existencial do homem que só se desenvolve e progride na relação com o outro. Portanto,
entendemos que Ricoeur pensa numa ética que proporcione, ao mesmo tempo, liberdade
e autonomia, respeito e reconhecimento mútuo como prerrogativa para se estabelecer a
solidariedade entre indivíduo, espécie e sociedade, ou seja, entre o si, o outro e a
instituição. A liberdade e a autonomia levam à conduta de exercer a convicção, isto é, a
sabedoria prática como resultado de intensa e profunda reflexão. Ricoeur salienta
também a urgência de assumir uma postura ética que estimule no homem a
responsabilidade pelo futuro mais distante da humanidade e do planeta condenando a
indiferença e a incompreensão com o outro e com o meio ambiente.
Em conclusão podemos afirmar que a análise dos temas a partir do pensamento
ético de Ricoeur resultou numa fecunda reflexão que poderá contribuir para aprofundar
aspectos do pensamento de Paul Ricoeur como também para colaborar com os esforços
no sentido de aperfeiçoar a formação dos professores ressaltando a relevância da ética
nessa empreitada.
70
Finalizando, acreditamos que se pudéssemos resumir todo nosso trabalho
diríamos que compreender e conscientizar-se da responsabilidade e da seriedade do
papel do professor no genuíno trabalho de vivenciar e promover interações apresenta-se
como uma tarefa inadiável. Ricoeur apela à tragédia para explicar a sabedoria prática.
Nós também podemos recorrer aos trágicos problemas que envolvem a educação para,
mais que sensibilizar a todos sobre a importância da formação ética do professor, tomar
o pensamento de Ricoeur porque nos desinstala e nos tira da zona de conforto que nos
leva a crer que basta o domínio cognitivo e o domínio de técnicas pedagógicas para se
assumir a função docente. Para tanto, mais uma vez retomamos a linguagem metafórica
para melhor explicitar nossa convicção sobre a importância da ética com um poema de
William Butler Yeats, poeta, dramaturgo e místico irlandês escreveu para o seu amor e
que foi citado por Ken Robinson (2014):
Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrado com o ouro e a prata da luz,
Os tecidos azuis e turvos e de breu da noite e da luz e da meia luz,
Estenderia esses tecidos aos seus pés;
Mas eu, que sou pobre, apenas tenho sonhos;
São meus sonhos que estendo a seus pés;
Seja suave ao pisá-los, pois caminha sobre meus sonhos.
Finalizamos este trabalho com a leitura que Ken Robinson, em palestra sobre
educação, faz desse poema: “Todos os dias, em todos os lugares, as nossas crianças
estendem os seus sonhos aos nossos pés. Sejamos suaves ao pisá-los”.
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73
Cotidiano, ética e formação de professores: algumas aproximações
Rebeca Pizza Pancotte DARIUS
Augusta PADILHA
Marta Silene Ferreira BARROS
Introdução
O tema Formação de Professores é amplo e possibilita diversos enfoques de análise,
sendo que neste estudo as reflexões se pautam na ética e no cotidiano da prática desse
profissional que está em constante aperfeiçoamento. Considerando que os docentes são
profissionais essenciais na prática pedagógica, concebida também como social, uma vez que
envolve o fazer humano, refletir sobre a sua formação é relevante e imprescindível no
contexto atual.
Nesse sentido, discute-se o tema Formação de Professores, no presente artigo, em
relação a outras questões vinculadas com a organização social capitalista, cujos
desdobramentos afetam o processo de constituição das instituições sociais, em especial a
escolar.
Buscaram-se algumas aproximações do tema em questão a temáticas relevantes, tais
como o cotidiano e a prática pedagógica no contexto atual, a dimensão ética na educação e a
questão do educador e a formação humana.
Quanto ao cotidiano e à prática pedagógica no contexto atual, parte-se da compreensão
de que existe uma totalidade de determinações oriunda do modo como os homens se
organizam e produzem nas circunstâncias, que engendram a forma de vida nessa sociedade.
Considera-se, nesses termos, que toda a vida social é essencialmente prática, e que para
pensar a formação do professor a teoria deve buscar subsídios na compreensão dessa prática.
Concebe-se, no presente trabalho, o cotidiano e a prática pedagógicas como importantes
instâncias das circunstâncias, inclusive para se pensar sobre as vias de transformação social.
No que se refere à dimensão ética na educação, que é outro aspecto abordado neste
artigo, destaca-se sua importância para a formação de professores. Entende-se que a ética
pode ser um meio de explicação de determinada realidade sob a óptica da responsabilidade e
liberdade, por exemplo uma valorização expressa nas ações dos homens. Assim sendo, quais
são os valores que fundamentam a prática do educador ao educar o outro e a si mesmo? Que
ética ou que valorização a educação escolar reflete?
74
De acordo com Geglio (2003) a escola é por si um espaço privilegiado de formação
continuada do professor. Embora não seja foco deste estudo abordar este aspecto específico, é
oportuno mencionar que o ambiente de trabalho do professor é espaço de construção e de
educação do próprio educador. Sendo que ali existe a manifestação clara dos valores que
norteiam a prática educativa
Por fim, neste artigo trabalhar-se a questão do educador e a formação humana
entendendo-se que o processo de educação é condição para o devir humano. Discutem-se
algumas ideias a partir de questões como: O que é educar? Quem é o homem que se educa?
Educa-se em razão de quê? (MARTINS, 2004).
O cotidiano e a prática pedagógica no contexto atual
Ao mesmo tempo em que se desenvolvem leituras e discussões a respeito da educação
do homem contemporâneo, surgem preocupações e inquietações advindas do
(re)conhecimento das relações que se estabelecem entre a forma de organização social atual
capitalista e seus desdobramentos na constituição das instituições sociais, especialmente a
escolar. Essas inquietações tomam força porque exercemos atividades no campo da educação
como professores, como alunos, e nos questionamos a respeito do que vem a ser a educação
escolar neste momento do século XXI no qual a condução da vida humana que se encontra na
maior parte deste planeta é dirigida por organizações sociais sob a égide do modo capitalista
de produção.
Acredita-se que a educação escolar se centre na educação do homem (sempre inteiro) e
em sua essência como ser que se apropria de uma humanidade que a priori está fora dele. Sua
formação humana é derivada do que as gerações anteriores legaram, tanto de riqueza material
quanto intelectual, às novas gerações.
Nesse sentido, a educação escolar tem sob seu encargo planejar e realizar a educação
do ser humano mediada por um “modelo” de formação que pode conservar ou transformar a
orientação vigente para a educação. Assim, entende-se que a formação do professor é
elemento imprescindível para a definição de uma prática pedagógica que irá se limitar a
reproduzir a ordem atual ou que trabalhará pela transformação das orientações para a
educação do homem contemporâneo.
São inúmeras as fontes por meio das quais poder-se-ia orientar a trajetória da história
da formação de professores no Brasil, por exemplo, sob as determinações do modo capitalista
de produção. No âmbito deste texto, esforça-se pelo delineamento de algumas discussões que
75
estão a ocorrer sobre a formação de professores e o movimento de articulação entre esta e a
formação das novas gerações de homens.
Discutir o tema da formação de professores situa-se no rol das questões postas para o
entendimento das profissões bem como seu desenvolvimento e transformações como
resultado de processos sociais articulados. É nessa perspectiva que se procura compreender o
caso do profissional da educação.
Netto (1996, p. 88-9) chama a atenção para o fato de que:
[...] as transformações societárias, reconfigurando as necessidades sociais
dadas e criando novas, ao metamorfosear a produção e a reprodução da
sociedade, atingem diretamente a divisão sociotécnica do trabalho,
envolvendo modificações em todos os seus níveis (parâmetros de
conhecimento, modalidades de formação e de práticas, sistemas
institucional-organizacionais, etc.).
De acordo com Netto (1996), tanto o surgimento de novas atividades e ramos
profissionais quanto o redimensionamento de profissões consolidadas têm o seu
processamento sob o solo das conjunturas de transformações societárias. Portanto, qualquer
explicação sobre a formação de professores exige a compreensão do desvendamento das
transformações societárias e o exame do complexo da profissão, o que para nós se impõem
como desafio. Não podemos perder de vista o eixo histórico que é a totalidade da vida social,
entendida como o processo de produção e reprodução da vida sob determinadas condições ou
determinações nas quais se movimenta o trabalho humano e as possibilidades de novas
direções sociais.
Existe uma tendência atualmente para que a formação de professores esteja voltada e
pautada totalmente na prática, visando sobretudo a formação de habilidades e competências,
“[...] destacam-se os apelos em prol do desenvolvimento de competências, sem, muitas vezes,
perceber-se o quão ideológico é este discurso e o quanto contribui para que se estabeleçam
condições sócio-políticas relativas ao trabalho” (FERREIRA, 2011, p. 126). Para Ferreira
(2011), tal discurso defende a flexibilização do trabalho, o aprender a aprender, o aprender a
fazer. Isso revela uma ideologia dominante que esvazia em grande medida a formação do
professor, supervalorizando a sua prática e o fazer em detrimento do pensar, como se no
cotidiano da sua prática encontrassem todas as respostas para os problemas educacionais.
Se não houver a consciência da alienação que o cotidiano proporciona e da
necessidade de superação da mesma, corre-se o risco de reprodução das relações que o
próprio sistema capitalista nos coloca. Ao mesmo tempo em que o cotidiano nos domina, nos
76
permite enxergar mecanismos de superação, está a contradição que permeia a vida de cada
um.
Defende-se uma educação que consiga trabalhar nesse nível de consciência. Segundo
Carvalho e Netto (1996), a vida cotidiana, ou seja, “a vida de todos os dias e de todos os
homens em qualquer época histórica” (p. 24) é contraditória e repleta de complexidade. Deve,
portanto, ser considerada como prática social e fonte de conhecimento. Enquanto a vida
cotidiana é o centro das atenções para o capitalismo que pretende que o homem seja mero
robô, capaz de consumir, de produzir eficientemente para servir ao mercado de trabalho e que
não tenha consciência da sua condição de sujeito , ela é também um espaço para luta e
transformação:
[...] não são as relações de produção, mas sim as relações sociais de
dominação e poder que têm sua primazia na modernidade. Sendo assim, um
dos focos estratégicos da práxis revolucionária terá que ser o cotidiano
vivido pelas classes e grupos sociais oprimidos (CARVALHO; NETTO,
1996, p. 22).
De acordo com os autores acima citados, o desafio para a maioria das pessoas é
conseguir ir além do cotidiano, ou seja, daquilo que se torna mecânico e automatizado, para se
alcançar “a consciência do ser homem total” (CARVALHO; NETTO, 1996, p. 23). A prática
pedagógica se insere nesse contexto, uma vez que é considerada parte do cotidiano de muitas
pessoas. Tanto os profissionais da educação que trabalham com alunos e pais quanto os
próprios alunos frequentam a escola concomitantemente a inúmeras outras fontes de vivências
cotidianas.
São oportunos alguns questionamentos: Como desenvolver, na sala de aula, uma
prática pedagógica que os alunos e pais de alunos, por exemplo, situem para além do
cotidiano? Como abandonar o ensino mecânico de conteúdos muitas vezes
descontextualizados e pouco significativos para os alunos? Quanto à formação de professores,
como se trabalham os conhecimentos imprescindíveis para a formação humana? Qual a
função social da escola pública no atual momento do modo de produção capitalista?
Pensar em formação de professores que abarque uma concepção crítica de educação
seria uma possibilidade de enfrentamento das questões antes elencada. Concepção esta
fundamentada em uma pedagogia histórico-crítica, pois como defende Saviani (2003, p. 93)
“a relação entre a pedagogia histórico-crítica e a realidade escolar presente é muito íntima
[...]. É, pois, na realidade escolar presente que se enraíza a proposta da pedagogia histórico-
77
crítica”. Ainda segundo Saviani (2003), esta realidade escolar presente é histórica, é expressão
de como os homens produzem a sua própria existência, entendida nos seus vários aspectos da
realidade humana, o que incluiria o desenvolvimento intelectual.
Conforme Padilha (2002) a prática pedagógica está situada no todo da realidade social.
Assim sendo, poder-se avaliar que o trabalho pedagógico da escola pode ser entendido
como um reflexo da sociedade capitalista contemporânea, produzindo a mesma alienação que
as relações de trabalho imprimem no ser humano: fragmentação do saber, ausência de
reflexão, linguagem não crítica, entre outras. O cotidiano escolar privilegia muitas vezes
práticas que contradizem a formação do homem integral, privilegiando o sentido do ter em
detrimento dos sentidos do ser, querer, pensar, refletir, amar:
Isso faz pensar que a prática pedagógica garante, em grande parte, a
perpetuação segura e estável da forma de pensar fragmentada, do ensino por
doses, avaliado e descartado sem compromissos com a história. Prática
pedagógica cotidiana e comum a todos os homens que garante o ideário do
operário padrão, do vale-transporte, do vale-almoço, do vale-saber como
necessidades naturais, eternas (PADILHA, 2002, p. 11).
Padilha (2002) ainda considera de suma importância a leitura e apreensão da
conjuntura social, pois é nela que a prática pedagógica ocorre, refletindo e reproduzindo suas
contradições, pois a compreensão dos aspectos sociais e educacionais no atual contexto abre
caminhos para reflexões e estudos mais profundos, que devem ter aplicação prática. Assim,
aprendendo a analisar a escola em sua historicidade, bem como o exame de suas contradições
e necessidades, tem-se como possível um esforço na busca da reformulação da prática
pedagógica.
Entende-se que a formação do educador é contínua porque as situações e
circunstâncias, sendo um processo histórico e transitório, assim o exigem. Contudo, entende-
se também que o método de análise deve se delinear por esses elementos. Tanto a história
quanto as contradições das instituições que se põem em cada homem em particular serão alvo
de análise para se compreender o contexto atual. O que se pretende é ressaltar a importância
do método para a organização da prática pedagógica e o posicionamento dos educadores em
sentido social contrário ao hegemônico, atualmente.
Entende-se também que um dos elementos imprescindíveis para essa mudança na
prática pedagógica seja a formação de professores. Barros e Moraes (2002) tecem uma análise
crítica acerca dessa problemática destacando alguns aspectos relevantes, bem como algumas
propostas mostrando a importância de se pensar uma qualificação profissional sistematizada,
78
que possibilite uma articulação entre a formação inicial e em serviço. Mas o que significa esse
processo na prática?
Na visão de Schimidt, Ribas e Carvalho (2003), a prática pedagógica pode ser considerada
fonte do conhecimento. Inúmeros estudiosos têm se dedicado a essa reflexão. Consideram essencial
que o educador tenha compreensão do momento histórico, cultural, social e político para traçar rumos
que correspondam aos anseios das gerações a serem educadas. Para alcançar esse entendimento,
expõe-se que a formação do professor tem de ser repensada, e que a teoria e a prática devem ocupar
um papel fundamental, pois o que se busca é a construção de uma prática pedagógica crítica e criativa,
cujo valor esteja no conhecimento e sobre sua busca crítica.
As autoras defendem uma prática pedagógica para a formação de professores que busque
aproximação com as reais exigências da escola contemporânea e que possibilite a construção/formação
de um profissional capaz de lidar com o complexo contexto escolar, lembrando que a escola não é o
único meio de acesso à informação, mas deve ser considerada um elemento importante na socialização
dos conhecimentos científicos.
Assim, o cotidiano e a prática pedagógica são sempre focos de análise quando se pensa em
vias para transformação social, uma possibilidade para ir além do mecanicismo e das ações vazias e
sem reflexão que em nada alterarão o cotidiano das pessoas, incluindo o dos educadores. Isso porque,
segundo Heller (2008, p. 31), “a vida cotidiana é a vida de todo homem [...]. A vida cotidiana é a vida
do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua
individualidade, de sua personalidade”.
Dando continuidade a este ensaio, abordar-sea dimensão ética na educação, uma vez que
todo o nosso cotidiano escolar está pautado por decisões éticas que, consequentemente, influenciarão
os rumos para uma educação transformadora ou reprodutora da sociedade vigente.
A dimensão ética na educação
A ética e a moral são consideradas hoje conteúdos essenciais para a formação do
educador. Entendem-se como conteúdos da formação por meio dos quais o educador pode
construir uma visão ampla e contextualizada do que norteia a educação do homem como
processo que o leva à humanização. Aliás, a discussão sobre ética, cada vez mais presente no
dia a dia da escola e objeto de reflexão de todo educador, é sempre um grande desafio
(OLIVEIRA In LINHARES, 2002).
Os pesquisadores Massi e Júnior (1998) tratam da questão da ética relacionada à
educação. Para eles, a ética relaciona-se com o cultivo, a instrução, a formação, entre outros,
do indivíduo à humanização, processo esse que se por meio da educação. Somente a
espécie humana necessita ser educada, pois por meio dela (a educação) o homem liberta-se
79
dos seus instintos, passando a agir racionalmente e de maneira independente, reflexiva. Pela
educação, torna-se homem por um processo histórico que ocorre segundo condições concretas
de existência e se aperfeiçoa com o tempo.
Considera-se também que a educação deve proporcionar ao indivíduo a capacidade de
fazer escolhas. Essa questão está intrinsecamente relacionada à moral, ou seja, às normas que
regem as condutas dos homens de determinada sociedade em dado período histórico, e que
também o levam a ter consciência e operar com a opção de escolha em sua maneira de pensar
e agir. O sujeito moral é aquele capaz de decidir, de escolher, capaz de distinguir entre o bem
e o mal, sendo que a inter-relação entre o tema ética e a matéria educativa está justamente
entre a autonomia da vontade e a possível formação pedagógica que habilita o professor. Vale
lembrar que, segundo Heller (2004, p. 88):
[...] em todos os estágios do desenvolvimento social, o homem nasce num
mundo já ‘feito’, numa estrutura consuetudinária ‘feita’. Deve então
assimilar esses usos, do mesmo modo como assimila as experiências de
trabalho. Desse modo, toma posse da história humana, ‘ingressa’ na história,
e esse é o marco em que o homem consegue se orientar.
De acordo com Vázquez (1996), as decisões que os indivíduos tomam e suas ações em
determinada situação concreta são um problema prático-moral, enquanto que a investigação
quanto à responsabilidade, à liberdade, ao determinismo envolvido em nossos atos é um
problema teórico, portanto ético. Parte-se do pressuposto de que a ética, tanto quanto a teoria,
tem a finalidade primordial de explicar, esclarecer ou investigar determinada realidade,
tornando possível sua compreensão. Assim sendo, a ética não pode deixar de partir de
determinada concepção filosófica de homem, que por sua vez nos dá uma visão total deste ser
como ser social, histórico e criador:
A ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência
humana ou forma de comportamento dos homens, o da moral,
considerado, porém na sua totalidade, diversidade e variedade
(VÁZQUEZ, 1996, p. 11).
Como as demais ciências, a ética se defronta com fatos. Que estes
sejam humanos implica, por sua vez, em que sejam fatos de valor. [...]
A ética estuda uma forma de comportamento humano que os homens
julgam valioso e, além disto, obrigatório e inescapável (VÁZQUEZ,
1996, p. 13).
80
É possível notar, nessa análise, a relação entre ética e educação, tendo em vista que ela
(a relação) é “processo essencialmente humano” (MASSI; JÚNIOR, 1998, p. 351), e como tal
“envolve uma finalidade que implica uma necessária referência axiológica, uma relação ao
mundo dos valores [...]” (MASSI; JÚNIOR, 1998, p. 353).
Considerando a capacidade do homem de trabalhar, de se objetivar, se integrar em
estruturas sociais sempre em relação com a situação de cada momento, pode-se localizar
também uma relação permeada por valores definidos em meio aos interesses humanos. Então,
também significa que o decurso da história é o processo de construção de valores, ou da
degenerescência e ocaso desse ou daquele valor” (HELLER, 2004, p. 4).
Torna-se relevante abordar essa relação entre valores e decurso histórico porque se
entende que é nessa relação que se manifesta a possibilidade da história da explicitação da
essência humana ou da história do gênero humano. Concorda-se com Heller (2004, p. 8)
quando diz:
[...] pode-se considerar valor tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em
relação com a situação do momento, contribua para o enriquecimento
daquelas componentes essenciais [da essência humana]; e pode-se considerar
desvalor tudo o que direta ou indiretamente rebaixe ou inverta o nível
alcançado no desenvolvimento de uma determinada componente essencial.
De acordo com a análise realizada pelos autores acima, o modo de ser humano, ou
seja, o ser humano pode ser aprendido, logo o homem pode aprender uma humanidade. Todo
homem é passível de ser educado na perspectiva do devir humano. Entretanto, como
interpretar a dinâmica dos fatos e acontecimentos da realidade humana na atualidade? E como
criticar a ausência de uma ética verdadeiramente humana nas relações de todos os dias
burgueses e, com isso, organizar a educação escolar? Como as teorias da educação se
posicionam e sugerem a formação de novos comportamentos?
Nessa linha de pensamento, reitera-se que o educador educa e necessita ele próprio ser
educado; a escola, neste sentido, é espaço formador do professor (GEGLIO, 2003). É
especificamente ali que se encontram as problemáticas do fazer pedagógico, as contradições,
os desafios para formação do aluno, as relações pessoais no ambiente de trabalho, enfim, é um
lócus privilegiado de saberes e possibilidades de formação. Dessa forma, ao relacionar a ética
e a educação afirma-se que é necessário que a instituição busque um educar para o viver bem,
81
proporcionando vivências prazerosas e contextualizadas, que são também necessárias na
aquisição dos conhecimentos básicos.
Segundo Hermann (2008), a importância da reflexão, está em iluminar todo o processo
educativo e argumentativo, auxiliar na formação humana por meio de uma reflexão crítica
ligada as reais condições de vida.
Considerar a importância da ética para o processo e para a prática educativa se
apresenta como valorização do ser humano e de todas as suas manifestações, como afirma a
autora:
A abertura da ética para suas relações com a estética, como consequência do
fracasso em considerar que a aprendizagem ética deveria apenas dialogar
com o intelecto, sem se deixar influenciar pelas emoções, pelos sentimentos
e pelas respostas sensíveis. Os princípios éticos, excessivamente abstratos,
reverteram em perda de força persuasiva para as ações humanas, porque
não conseguem mais estabelecer vínculo com a situação concreta e muito
menos servir como uma terapia da alma. (HERMANN, 2008, p. 17).
O ser humano precisa ser visto como pessoa, como sujeito moral. “Pessoa é sujeito
moral, investido de um valor absoluto [...] Esse valor é o que impede que uma pessoa possa
ser tratada apenas como meio ou instrumento...” (MASSI; GIACÓIA Jr, 1998, p. 356). Para
tanto, uma educação ética pode auxiliar e se efetivar como uma arte de viver, nas palavras de
Hermann (2008), sendo que as diferentes estratégias que permitem formar uma sensibilidade
fortemente aguçada a atenta as emoções em relação à construção da moralidade “são
contribuições da arte de viver que devem ser consideradas na educação, se quisermos educar
pessoas com capacidade de decidir e conduzir suas vidas.” (p. 26).
Marx (In MARX; ENGELS, 1996) explica que ao se tratar da alteração das
circunstâncias e da educação, não se deve esquecer que as circunstâncias são alteradas pelos
homens e que o próprio educador deve ser educado. Explica também que as circunstâncias
fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias; que os homens fazem-se
uns aos outros, tanto física quanto espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos (MARX;
ENGELS, 1996). Não se fazem a si mesmos, pois tornam-se homens também “pelas forças
produtivas alcançadas, pela forma social que lhes é anterior, que eles não criaram e que é o
produto da geração anterior” (MARX, s.d.).
É nessa perspectiva que concebemos a questão da ética na educação e questionamos:
Quais valores e teorias fundamentam a prática pedagógica do educador? Que entendimento o
educador tem de sua formação? Que diz o educador sobre a ética e sobre a instituição escolar
sob a “ética das relações sociais na atualidade”? Suas ações privilegiam o quê? Como ele
82
posiciona a perspectiva de suas aulas ao trabalhar cotidianamente com a competitividade, a
meritocracia e a exclusão social, entre outras orientações capitalistas?
A seguir, e caminhando para o final deste texto, sem a intenção de esgotar a
temática em pauta, trabalhar-sea questão do educador e a formação humana em relação ao
que já se explanou. Busca-se a relação entre os subtemas no intuito de avançar nas discussões.
Assim, concebe-se o cotidiano como a base para a prática social e para as possibilidades de
decisões éticas, sendo que, em se tratando do âmbito escolar, o educador é o elo fundamental
no engendramento com essas questões, visando, na perspectiva aqui defendida, a uma
formação sempre humana.
O educador e a formação humana
Para explanar, mesmo que brevemente, a temática o educador e a formação humana,
busca-se na obra de Marx (2006) a compreensão do que venha ser o homem “que se
transforma em ser social” (p. 143), ou seja, o homem que se apropria da realidade que o cerca
objetiva –, e esta passa a ser “a realidade de todas as suas faculdades humanas” (MARX,
2006, p. 143).
Marx (2006) explica o aspecto subjetivo do homem e traz exemplos para o
entendimento da importância da educação para uma formação humana, do homem inteiro. Diz
que o ouvido humano apreciará a música se esta fizer sentido para ele. Em outras palavras,
a música existirá para ele na medida em que suas capacidades existem para ela. Afirma o
autor que “os sentidos do homem social são diferentes dos do homem não-social” (MARX,
2006, p. 143, grifos do autor). Ou seja, os sentidos são historicamente formados.
Ainda considerando o pensamento de Marx (2006), é de extrema importância que o
educador compreenda o que comumente se chama de contexto social. Entende-se que por essa
compreensão chega-se ao entendimento da prática dos homens e suas contradições, porque a
partir do reconhecimento e localização das relações postas é possível pensar e organizar
modos de superação das contradições, por exemplo. De qualquer forma, o que se afirma é que
a “energia prática do homem” (Marx, 2006, p. 144) pressupõe o conhecimento. Nesse sentido,
entende-se que a prática social, o cotidiano, as circunstâncias, as decisões éticas que
permeiam essas circunstâncias, o que se denomina corriqueiramente de contexto social, são
fontes para os educadores se educarem.
Severino e Pimenta (2005) traçam algumas considerações pertinentes. Para eles, os
docentes podem contribuir sobremaneira na complexa tarefa de melhorar a qualidade social
83
do processo de escolarização. Conforme o pensamento desses autores, necessidade de o
educador “[...] ampliar sua consciência sobre a própria prática, a de sala de aula e da escola
como um todo [...](p. 13). Pode-se dizer que essa tomada de consciência implica o próprio
processo de o educador educar-se a si mesmo, na medida em que reflete sobre sua própria
atuação prática em relação com a prática social.
Sabe-se que a relação entre sociedade e educação é de unidade. Assim, se a sociedade
hoje se organiza sob a direção social burguesa e seu modo capitalista de produção, o modo de
educação a ser cultivado será o de formação do homem para se adaptar à relação trabalho-
capital.
Dessa forma, entende-se que esse cotidiano, cristalizado com o modelo de educação
burguesa, bem como a ética que permeia as ações desse cotidiano e a educação como
processo que desumaniza o homem, pode ser pensado, estudado, investigado e analisado sob a
perspectiva de sua superação, possibilidade que se aproxima das teses de Marx sobre
atividade humana “entendida como práxis revolucionária” (MARX, 1982, grifo do autor).
Para Marx, o ideal é o material transcrito no cérebro do homem (SANFELICE, 2008). O que
se pensa é expressão do que se vive, alterando o cotidiano, as circunstâncias, pode-se alterar
também o pensamento.
Uma ferramenta importantíssima que o educador tem na perspectiva da formação
humana que aqui se discorre, é o conhecimento e o método. De acordo com Saviani (2003, p.
74) “o professor o conhecimento como um meio para o crescimento do aluno”, mas não
qualquer conhecimento, os conhecimentos clássicos, os saberes escolares permeado pelas
concepções que o professor tem acerca da educação e da forma como irá transmitir tais
conhecimentos. O fato é que “o problema da pedagogia é justamente permitir que as novas
gerações se apropriem, sem necessidade de refazer o processo, do patrimônio da humanidade,
isto é, daqueles elementos que a humanidade produziu e elaborou” (SAVIANI, 2003, p.
78).
Nesse sentido, Martins (2004) traça reflexões acerca da formação humana e da
formação educacional, cuja análise, fundamentada em Marx, o indivíduo em sua
complexidade, como síntese de múltiplas determinações. A autora entende a educação como
processo de humanização do homem ao colocá-lo intencionalmente, por meio da linguagem,
em contato com o conhecimento produzido ao longo do tempo. Dessa maneira, Martins
(2004) faz com que se reconheça nesse movimento o processo dialético, que é também
histórico, real, total e material.
84
Martins (2004) discute sobre a constituição humana e a educação escolar e pergunta:
Que é educar? Quem é o homem que se educa? Educa-se em razão de quê? Segundo a autora,
as respostas a essas questões devem ser buscadas em suas múltiplas determinações, em toda
sua complexidade e ainda pelas interdependências existentes entre elas.
Intenciona-se tecer algumas considerações em relação às questões apontadas acima,
que os limites destas poucas ginas impedem uma análise rigorosa. Considera-se pertinente
se apontarem alguns aspectos relevantes trazidos por Martins (2004) com a intenção de
registrar um caminho para se discutir em outros trabalhos posteriores a este.
Para a questão: Que é educar?, Primeiramente se pode considerar que a educação é
um processo que não pode ser eliminado do desenvolvimento humano” (MARTINS, 2004, p.
54). Evidencia-se o processo de educação como derivado das circunstâncias e possibilidades
concretas, por meio das quais o ser se humaniza e aprende a dizer quem é utilizando-se de
mecanismos, tanto materiais quanto intelectuais, que o constituem com condições de se
revelar um entre os demais de seu mundo.
O processo de educação é, portanto, uma condição por meio da qual o ser adquire
atributos objetivados nas relações humanas ao longo do processo histórico-social. Dessa
forma, a educação é parte do conjunto das objetivações humanas, construídas
historicamente, e também uma exigência, uma demanda às novas gerações de seres humanos
(MARTINS, 2004).
Quanto à segunda questão: Quem é o homem que se educa?, discute-se que em sua
gênese o homem é um ser cujo desenvolvimento implica a superação de um sistema de vida
(orgânica) dominado por uma natureza biológica que garante uma organização hominizada,
em direção a um sistema aberto (inorgânico) de objetivações socialmente construídas
(objetos, usos, costumes, significações, conhecimentos, etc.) (MARTINS, 2004, p. 55). O
homem que se educa é, portanto, um ser em processo, um ser constituído da relação orgânica
e inorgânica, dependente do movimento dessa relação.
Por último: Educa-se em razão de quê? Leva, diante do exposto, a entender que a
resposta a esta questão se coloca na interdependência existente nas questões abordadas
anteriormente. Exceto em condições de alienação, pode-se dizer, com base em Martins
(2004), que se educa em função de um modelo de educação que humanize o sujeito de forma
a inseri-lo na história, o que implica que este se aproprie de um conjunto de objetivações
socialmente construídas e que de fato o capacitem como ser capaz de objetivar-se como
homem ativo e produtivo.
85
Acredita-se, nesses termos, que a inserção histórica de cada indivíduo é resultado de
sua apropriação-objetivação como ser ativo e criador nas circunstâncias de sua existência
humana. As questões: Que é educar? Quem é o homem que se educa? Educa-se em razão de
quê?, portanto, precisam de respostas que atendam a uma análise rigorosa, sob o ponto de
vista da totalidade da prática social e das possibilidades de humanização das novas gerações,
uma análise que, na presente pauta, por ora somente se sinaliza.
Em suma, Martins (2004) defende uma educação que não se restrinja unicamente à
função de preparação e adaptação do homem no mundo. Para ela, a educação deve possibilitar
também uma função emancipadora e transformadora que defina claramente para que e a
serviço de quem se educa. Ou seja, está claro que a educação jamais é neutra, é
iminentemente política.
Considerações finais
Entende-se como primordial, ao se discutir sobre Formação de Professores, a busca de
algumas aproximações com temáticas relacionadas ao cotidiano, à ética e à formação humana,
e que não se esqueça de considerar o educador no conjunto dos homens, embora com uma
específica função social. Isso para não despojar o homem de suas qualidades propriamente
humanas, destacando prioritariamente sua condição de ser de produção, ser de capacidade e
de força produtiva.
Desde os primeiros passos, conforme explica Kosik (1976), o homem tem de envidar
esforços e sair do “estado natural” para chegar a ser verdadeiramente homem (o homem se
forma evoluindo-se em homem) e conhecer a realidade como tal. Assim, continuamente se
apropriar da essência humana que se realiza no acesso gradual e contínuo ao “trabalho, à
sociabilidade, à universalidade, à consciência e à liberdade” (HELLER, 2004, p. 4).
Diante do que se expôs, observa-se que é possível organizar a formação de professores
para uma tomada de consciência dos aspectos aqui discutidos e conduzir a formação que, de
acordo com Carvalho e Netto (1996), cumpra com o que é essencial ao humano e que vá além
do que é hegemônico hoje.
Busca-se uma formação que esteja embasada em fundamentos teórico-científicos e
também na prática. Diferentemente do discurso atual que valoriza sobremaneira a prática em
detrimento da teoria, acredita-se que o cotidiano escolar e, portanto, a prática pedagógica
cotidiana pode servir como referência para a formação, mas não somente ele, pois o cotidiano
está repleto de alienação e fragmentação. É imprescindível que os professores compreendam
86
os fundamentos da educação e saibam os motivos da sua ação, tanto socialmente quanto
individualmente falando. É necessário também uma formação que valorize os conhecimentos
científicos.
Defende-se uma formação crítica, que tenha como base uma pedagogia histórico-
crítica, conforme sistematizou Saviani (2003). Uma pedagogia que busca explicar os
mecanismos contraditórios da sociedade atual, ao mesmo tempo que oferece base para se
vislumbrar possibilidades educacionais. Vários são os desafios ainda a serem enfrentados
como por exemplo “a questão didático-pedagógica que abrange os procedimentos
metodológicos relativos ao desenvolvimento da prática de ensino em sala de aula”
(SAVIANI, 2003, p.106). Ou seja, muito que se construir, pensando nas possibilidades de
aplicação prática destes fundamentos que se acredita serem os mais coerentes para o momento
atual.
É necessário que o professor valorize a sua história e a história dos seus alunos. Dessa
maneira, a sua formação e a sua atuação passariam de uma simples transmissão de
conhecimentos, no sentido de prover ao aluno algumas habilidades e competências desejáveis
ao que está posto pelas tecnologias e pelo ensino mercadológico, em busca de valorizar a
formação de atitudes, numa efetiva formação, tanto dos alunos como dos professores
envolvidos. Em suma, passar da simples transmissão de informação para uma educação que
priorize a dimensão ética e política de resistência, com base em conhecimentos científicos que
fornecem uma possibilidade de desenvolvimento das capacidades humanas.
Urge romper com o que é mecânico e automatizado, perseguindo uma formação que
considere o estado social contemporâneo como fonte e espaço de luta e transformação. Que
veja na própria escola um espaço rico de possibilidades de formação e enfrentamento dos
desafios. Que tal enfrentamento não se de forma espontânea, mas sistematicamente
organizado para atingir os objetivos a que se propõe.
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89
Grupo focal: atividade de percepção teórica para docentes
9
Rosangela Miola GALVÃO DE OLIVEIRA
Sandra Aparecida PIRES FRANCO
Introdução
Na busca pela melhoria do ensino, muitas vezes os docentes utilizam recursos
didáticos sem o aprofundamento das teorias que os constituem, o que pode acarretar em um
ensino reprodutivo e em metodologias distantes das elaboradas pelos autores dos materiais.
Por isso, existe a necessidade da formação docente para o trabalho com a teoria e a prática em
sala de aula, principalmente das concepções teóricas nas quais os docentes tiveram pouco
contato na graduação. Pesquisa como a de Rocha e Aguiar (2003) demonstra que os Projetos
de Intervenção podem contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, pois possuem
como objetivo a transformação da realidade de pouca aprendizagem dos alunos em algumas
instituições escolares. A pesquisa é um recorte da dissertação do Mestrado em Educação, em
andamento, no qual houve a utilização da técnica de grupo focal com os docentes
participantes do OBEDUC para coletar o conceito destes professores sobre Projetos de
Intervenção e da teoria que embasou o material utilizado: o Materialismo Histórico e
Dialético.
Para um melhor entendimento da investigação, o artigo foi dividido em duas seções.
Na primeira seção será apresentado o conceito de Projeto de Intervenção. Na segunda seção
constam as questões realizadas no Grupo Focal com os docentes bolsistas do OBEDUC, no
intuito de coletar os entendimentos dos professores em relação aos Projetos de Intervenção e
ao Materialismo Histórico e Dialético.
Projetos de intervenção nas escolas
Para compreender o que é Projeto de Intervenção primeiro recorre-se aos estudos de
Rocha e Aguiar (2003), que consideram o Projeto de Intervenção sob o viés da pesquisa
participativa, que utiliza a ação em uma realidade concreta com o propósito de modificar e
entender os fatores e situações presentes nesta realidade. Para estas estudiosas, “A pesquisa-
9
Agência financiadora: OBEDUC/CAPES
90
intervenção consiste em uma tendência das pesquisas participativas que busca investigar a
vida de coletividades na sua diversidade qualitativa, assumindo uma intervenção de caráter
socioanalítico” (ROCHA; AGUIAR, 2003, p. 66). Assim, os problemas não são entendidos
em sua objetividade, mas sim por meio da subjetividade, que comporá o universo do objeto
investigado. A contribuição dos Projetos de Intervenção, segundo Rocha e Aguiar (2003, p.
64) consiste em organizar equipes para “[...] assumir o desafio de colocar em análise suas
implicações com as práticas produtivas, entendendo as situações cotidianas como
acontecimentos sociais complexos, determinados por uma heterogeneidade de fatores e de
relações”. Buscou-se comtemplar esta característica nos Projetos de Intervenção produzidos
pela equipe OBEDUC, pois o material é resultado do trabalho conjunto de equipes de
professores bolsistas, alunos bolsistas, coordenadores, divididos por escolas participantes que
se reuniram em prol de elaborar e organizar uma Unidade Didática de temática que está
presente no conteúdo a ser trabalhado na Educação Básica, conteúdo que ainda não foi
apropriado pelos alunos em sua profundidade, conforme investigação inicial realizada pelos
participantes em cada escola.
Para tanto, Rocha e Aguiar (2003, p. 66) mencionam que a metodologia neste tipo de
intervenção requer “[...] uma mudança de postura do pesquisador e dos pesquisados, uma vez
que todos são coautores do processo de diagnóstico da situação-problema e da construção de
vias que possam resolver as questões.” Por isso, a opção por uma linha teórica, Materialismo
Histórico e Dialético, como base para a elaboração de todos os dos projetos de intervenção. A
opção por analisar os Projetos de Intervenção a partir de uma visão qualitativa está condizente
com o objetivo da pesquisa participativa de investigação das coletividades de cunho
qualitativo. Coletividade presente no cenário da pesquisa que é composto por um total de sete
turmas de alunos da Educação Básica, mais três professores da Rede Estadual de Ensino do
Estado do Paraná, sete alunas bolsistas, duas coordenadoras e uma aluna do Programa de Pós-
Graduação. Equipes comprometidas com a ação transformadora, que além do observar os
alunos, utilizam o agir como forma de superação das dificuldades presentes no ensino, por
meio de atitudes baseadas no entrelace entre teoria e prática em unidades representativas do
ensino, aplicadas em turmas de alunos localizadas em escolas consideradas de baixo índice de
rendimento escolar. Para Rocha e Aguiar (2003, p. 67), a pesquisa-intervenção “[...]
aprofunda a ruptura com os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as bases teórico-
metodológicas das pesquisas participativas, enquanto proposta de atuação transformadora da
realidade sócio-política [...].” Conscientes de que a mudança do objeto é um processo que
91
requer a transformação de vários fatores, a pesquisa não é imediata, mas parte integrante de
um novo modo de pensar, de agir, que pode ser observado e depois subsequentemente
expandido. Pesquisa é, assim, ação, construção, transformação coletiva, análise das forças
sócio históricas e políticas que atuam nas situações e das próprias implicações, inclusive dos
referenciais de análise.” (ROCHA; AGUIAR, 2003, p. 72).
Para a análise as escolas foram denominadas de Escola A, Projeto de Intervenção
denominado: Leitura de Charges: um projeto de intervenção para o ensino de Geografia na
Educação Básica”, Escola B, Projeto de Intervenção: “Alimentação e Nutrição: a leitura no
ensino de Ciências” e Escola C, Projeto de Intervenção: “Saúde: leitura sobre o diabetes na
Educação Física”. Os projetos foram didaticamente feitos a partir da elaboração do plano de
aula pautados nos cinco passos trabalhados por Gasparin (2012), que consistem em: prática
social inicial, problematização, instrumentalização, catarse e prática social final, e tiveram
duração de 11 aulas, em média, no total.
Atividade de grupo focal com os docentes
A técnica de grupo focal foi utilizada na pesquisa como uma forma de obter o real
entendimento dos docentes em relação aos conceitos sobre Projeto de Intervenção. Os
participantes do grupo focal foram: três professores bolsistas integrantes do Projeto OBEDUC
“A práxis pedagógica: concretizando possibilidades para a avaliação da aprendizagem”. O
contexto de realização do grupo focal foi uma sala de aula do Departamento de Educação da
instituição de Ensino Superior pública. A data da realização do grupo focal foi dia
25/11/2014, no horário das 17 horas e 15 minutos, com a duração de 35 minutos. Como forma
de registro desta atividade, foi feito um áudio que contempla toda a atividade, sendo as etapas:
a apresentação do tema e as regras para as respostas dos professores. As regras consistiram na
seguinte proposta: Cada participante responderia individualmente as questões de forma oral,
em seguida os participantes poderiam interagir com contribuições, dúvidas e questionamentos
aos outros integrantes. Cada questão teria a duração de três minutos para resposta individual e
oito minutos para considerações coletivas. As respostas foram gravadas em áudio com o uso
de celular e depois transcritas literalmente. Para o melhor entendimento, as questões que
nortearam o Grupo Focal foram divididas em quatro quadros, no qual cada quadro representa
as respostas dos docentes participantes sobre os Projetos de Intervenção. O quadro 01 refere-
se à questão de número um, que questiona o conceito de Projeto de Intervenção de cada
educador.
92
Quadro 01- Questionário do Grupo Focal com os professores participantes do OBEDUC.
Questão 1.
1- Quais os possíveis conceitos de Projeto de Intervenção?
Professor Escola B
Projeto de intervenção seria quando você parte para uma pesquisa com a intenção de mudar alguma coisa, vai
interferir, modificar, buscar um dado, você vai ter um resultado.
Professor Escola A
O objetivo central do projeto de intervenção seria a mudança de uma perspectiva. Tirar uma turma de uma condição
A, e levar a uma condição B, através do trabalho realizado em cima de uma turma. Também, elaborar um projeto
com objetivo claro, concreto para saber até onde você quer chegar, mudar realmente as condições daquela turma,
com Projetos de Intervenção em leitura, escrita. Ou seja, o projeto que venha com o intuito de mudar para uma
condição melhor que a posterior.
Professor Escola C
O Projeto de Intervenção muda um pouco aquela visão antiga onde os pesquisadores iam para sala de aula coletavam
dados e voltavam para o laboratório para escrever, ou seja, o projeto de intervenção vem para mudar a realidade.
Para o investigador não adianta ir e colher dados, mas ajudar nas ações práticas, assim, além de colher dados
contribuir para ações práticas em sala de aula.
Professor Escola A
A questão do pesquisador é importante. Antes o pesquisador explorava o professor e depois o professor não tinha o
resultado da pesquisa. O projeto de intervenção no qual estamos participando está fornecendo a experiência de
participação. Eu estou sendo protagonista neste trabalho, eu também como pesquisador. Antes eu colhia dos dados, o
investigador publicava, criticava a aula, o Estado, mas não apresentava dados. O pesquisador fazia entrevistas com
os alunos e depois criticava o Estado por não dar material, não dar condições para isso, para aquilo, mas não dava
resposta concreta, ou seja, o que trilhar. É claro que não temos uma receita para o aluno de como mudar a educação,
mas apresentar um caminho faz diferença.
Fonte: Autoria própria.
Percebe-se nas descrições literais das falas dos docentes participantes do projeto
OBEDUC que existe um entendimento adequado do que seja Projeto de Intervenção. Para os
docentes, o Projeto de Intervenção possui o objetivo de causar mudanças em uma realidade,
conforme diz o professor B “[...] a intenção de mudar alguma coisa, vai interferir, modificar,
buscar um dado, você vai ter um resultado”, e o professor C “[...] o projeto de intervenção
vem para mudar a realidade”, assim como Rocha e Aguiar (2003) qualificam projeto de
intervenção no critério da transformação da realidade. E a mudança na realidade ocorreria
com resultados positivos, como alega o professor A “[...] com o intuito de mudar para uma
condição melhor que a posterior”. Com estes dizeres observa-se que os docentes possuem a
compreensão de que os projetos desenvolvidos por eles em conjuntos com os outros
participantes do Projeto OBEDUC possui a intenção de buscar a mudança da realidade de
ensino dos alunos, de forma ativa, não somente pela observação, mas com a atuação no
processo de ensino e aprendizagem, ou seja, na práxis pedagógica. Ressalta-se, desta forma, a
importância do mediador, no caso o professor, para organização e sistematização do ensino,
como considera Vigotski (2010). A questão número dois está contida no quadro 02. A questão
versou sobre as contribuições para a prática docente resultantes do trabalho com o Projeto de
93
Intervenção. Não houve a determinação de uma sequência fixa para a resposta dos docentes, a
sequência então seguiu a disposição de cada educador, assim também seguiu as contribuições
finais, na qual os docentes eram livres para cooperar com mais algumas considerações.
Quadro 02- Questionário do Grupo Focal com os professores participantes do OBEDUC.
Questão 2.
2- Quais foram as contribuições do trabalho com o Projeto de Intervenção para a prática docente? Ou não houve
contribuições?
Professor Escola B
Eu acho que sim, totalmente sim. Quando se tem muito tempo nesta profissão, como eu 30 anos, você pega um
vício, trabalha naquele “batidão”, e às vezes você vai procurar um material e não tem, então você deixa. Dentro do
trabalho que fiz com as meninas, o que acrescentou, foi observar a diferença de um planejamento que é dentro
daquilo que a escola oferece. Neste planejamento que eu tive que buscar, de novos textos, outro tipo de material,
apesar de ter trazido de casa revistas, muitas caixas por conta de não ter na escola. A impressão dos questionários
vocês (o projeto) levaram, então tem muita coisa que a gente se limita não é que não tem, você precisa às vezes
procurar com antecedência algum tipo de material, porque a escola não oferece, ou seja, a organização do trabalho
docente melhorou.
Professor Escola C
A maior contribuição foi o trabalho em equipe, eu acho que tem que ser pensado mais ações no geral dos alunos de
Pedagogia e outras licenciaturas deste trabalho em sala de aula, porque isto contribui e muito com o professor. No
caso do nosso projeto, o aluno de Pedagogia às vezes não tem experiência com alunos, mas tem com o uso das
tecnologias. Por exemplo: um constrói um blog, o que tem mais facilidade com a tecnologia, escreve um texto para
montar um artigo para evento, cada um tem suas potencialidades e o trabalho em equipe oportuniza isto.
Professor Escola A
Dentro de minha percepção houve sim uma mudança, uma melhora, mesmo em minha prática pedagógica, porque
eu estou a 13 anos dando aulas e chega um ponto em que a gente pensa que não precisa mais ficar preparando aulas,
sempre a mesmas turmas, os mesmos conteúdos, e a gente acaba entrando na rotina. Este projeto de intervenção, tem
sido colaborativo e importante na minha prática. Não é porque tenho 10 anos de professor que estou com todo
conhecimento. Mostrou que tenho muito a aprender, a fazer novas leituras. Eu me formei no final de 99, e desde
mudou muito, os autores, o que estudei. O projeto trouxe para nós a luz de novos autores, novas possibilidades, que
até então para mim havia esgotado. Fiz uma pós-graduação, vi outros autores e achava que havia chegado ao final
dos estudos. Aqui quem sabe sou eu. Ai que você o limiar de novas possibilidades, principalmente quando vai
trabalhar com os alunos, com as graduandas de Pedagogia, porque elas trazem um sangue novo, uma nova visão,
quando a gente entra em contato com professores que estão na universidade, escrevendo, se atualizando, trazendo
para nós esta bagagem, esta troca de experiências tem contribuído muito para minha prática pedagógica.
Fonte: Autoria própria.
Com relação às contribuições do Projeto de Intervenção para a prática pedagógica,
observa-se nas considerações dos docentes que os projetos trouxeram aos educadores novos
olhares para a atuação em sala de aula, e ainda, para a formação docente. Para a práxis
pedagógica, os professores alegam que o trabalho com os Projetos de Intervenção
contribuíram para a sistematização do ensino, como diz o professor B a “[..] organização do
trabalho docente melhorou”. Percebe-se que o planejamento escolar realizado para o Projeto
de Intervenção auxiliou o docente na antecipação dos recursos didáticos a utilizar em sala de
aula, e também indicou ao educador um caminho consciente das ações a desenvolver com o
aluno.
Para o professor C, o trabalho com o Projeto de Intervenção possibilitou visualizar a
importância do “[...] trabalho em equipe”. Para o docente o trabalho coletivo, no qual cada
94
pessoa contribui com seus conhecimentos, pode resultar na melhoria da metodologia de
ensino. Com isto, todos em sala de aula, professor, estagiários e alunos, são beneficiados no
que concerne ao processo de ensino e aprendizagem. Segundo o professor C, o trabalho com o
Projeto de Intervenção despertou em si a consciência de que a formação docente é um
processo contínuo e dinâmico, no qual é preciso manter-se atualizado, pois “[...] Mostrou que
tenho muito a aprender, a fazer novas leituras”. Assim, como o processo do conhecimento é
dinâmico, segundo Marx (1990), o homem está em constante processo de desenvolvimento.
Essa deve ser a atuação do professor em sala de aula, um constante processo de
aprendizagem, sendo que a própria prática social inicial (o primeiro dos cinco passos da
Pedagogia Histórico-Crítica), na qual o aluno demonstra os conhecimentos que possui sobre
algum conteúdo, o professor, que apesar de possuir o conhecimento sintético, também
descobre que precisa buscar mais informações para sanar as dúvidas dos estudantes, sendo
este um exemplo de que o processo de ensino e aprendizagem na atuação do professor
necessita ser constante. Outra observação realizada pelo professor C foi com relação à “[..]
troca de experiências tem contribuído muito para minha prática pedagógica”. Desta forma,
percebe-se que o trabalho coletivo de organização e sistematização do Projeto de Intervenção,
no qual estão inseridas novas metodologias para o ensino do conteúdo, contribuem para a
atuação do professor mediador em sala de aula.
A questão número três do grupo focal está contida no quadro 03. A questão versa
sobre as contribuições do trabalho com o Projeto de Intervenção para o aprendizado dos
alunos. A intenção desta questão foi observar o olhar do docente para o aprendizado do aluno,
pois em um Projeto de Intervenção a intenção é de mudança da realidade como um todo, ou
seja, assim como o docente percebe uma transformação nas suas metodologias de ensino, o
aluno precisa observar uma mudança também em seu processo de aprendizagem e a
instituição de ensino necessita perceber a mudança de ambos.
Quadro 03- Questionário do Grupo Focal com os professores participantes do OBEDUC.
Questão 3.
3- Quais foram as contribuições do trabalho com o Projeto de Intervenção para o aprendizado dos alunos? Ou não
houve contribuições?
Professor Escola B
Houve contribuição sim, porque a partir do momento em que eles começaram a não faltar nas aulas, e o aprendizado
do aluno, parte do interesse de cada assunto, se é interessante para ele aquilo ali, deixou de faltar, então eu acho que
nesse caso houve bastante contribuição.
Professor Escola A
Eu tive uma grata surpresa, contribuiu bastante sim. A forma como o aluno começou a ver a disciplina, Geografia,
que o aluno muitas vezes acha chata, maçante pois exige muita leitura, mostrou que outras possibilidades de
leitura, leitura das imagens, isto faz com que o aluno se sinta instigado, motivado a estar estudando. Se nós pegarmos
ai, são oito disciplinas no fundamental, doze no ensino médio que o aluno tem, todo professor traz seu texto, escreve
95
no quadro, ou seja ele entra em uma rotina, e esta rotina acaba sendo maçante para o aluno, ainda mais de alunos
oriundos de um mundo de tecnologias, diferente de nossas gerações. Fazendo um comparativo, s ainda ensinamos
conforme s aprendemos, nossos pais, da mesma forma. Um aluno que nasce num mundo de tecnologias, num
mundo onde tudo acontece ao mesmo tempo, evolui rapidamente, estudando da mesma forma que um tempo atrás,
isto faz com que o aluno perca o interesse. Esse projeto de intervenção tem trazido uma nova luz, ainda mais com as
novas tecnologias de informação. Ele vai modificando o modo de aprender. Minha escola que é distante, retirada,
escola rural, o aluno sai do cotidiano e vê outros mundos, o descortinar, vê uma janela abrir novas possibilidades. Por
mais que não perceba de forma imediata, mas a longo prazo será de fundamental importância na vida dele, nova
forma de aprender e ver o mundo. Acho que são essas possibilidades.
Professor Escola C
A primeira percepção é que sim, pelo que os alunos respondem em sala de aula, pela participação, por alguns
momentos, as repostas que eles dão. Para saber realmente, acho que agora é com a análise dos textos, dos exercícios,
e atividades que produziram, do portfolio que foi criado, eu acho que é questão de tempo para concretizar esta
percepção de que o aprendizado ocorreu, melhorou.
Professor Escola A
Os resultados virão com a análise, mas a gente consegue perceber com relação ao hábito a mudança na hora de falar
com você, na fala. Quando o aluno lá atrás como ele se portava em outubro e agora. Os alunos perguntam, quando as
meninas vêm? Nós não vamos trabalhar o material? Isto é porque eles querem algo diferente, se habituaram a ter uma
aula diferente. O dia que voltei e pedi para abrirem o livro didático e lerem um texto, disseram, mas professor! Tive
que explicar que era um texto em específico, calma! O texto vai nos ajudar a ver como se faz uma charge. Eles
começaram a fazer perguntas que de um ano para não haviam feito, então eu acho que o resultado será positivo,
uns mais outros menos, a turma B que era pior será melhor.
Fonte: Autoria própria.
Para o professor A, a contribuição pode ser sentida com a redução da evasão escolar.
Segundo o docente “Houve contribuição sim, porque a partir do momento em que eles
começaram a não faltar nas aulas [...]”. A frequência contínua dos alunos faz com que ocorra
uma sequência gica no ensino. Esse pensamento corrobora com a necessidade do trabalho
com o conhecimento de forma integral, quando o aluno falta às aulas pode ocorrer a
fragmentação do conteúdo, muitos estudantes não conseguem compreender o mesmo, pois
somente tiveram acesso à parte dele, o que possibilita dúvidas e a falta de sentido ao
aprendizado.
O professor A considera que a contribuição ocorreu na medida em que o aluno
passou a ter um outro olhar pela disciplina que leciona, segundo ele “[...] A forma como o
aluno começou a ver a disciplina, Geografia, que o aluno muitas vezes acha chata, maçante
pois exige muita leitura, mostrou que outras possibilidades de leitura, leitura das
imagens”. O docente A ainda complementa suas considerações ao aprendizado do aluno com
o Projeto de Intervenção ao considerar que isto contribui para uma “nova forma de aprender e
ver o mundo”, pensamento que corrobora com a ideologia do Materialismo Histórico e
Dialético, na qual a formação humana vai além da escola (SAVIANI, 2011). Para o professor
C, é preciso aguardar os resultados das atividades de leitura desenvolvidas em sala de aula,
mas, aparentemente, os alunos interagem com questionamentos pautados em um
conhecimento maior sobre o conteúdo. Segundo o professor C: A primeira percepção é que
sim, pelo que os alunos respondem em sala de aula, pela participação, por alguns momentos,
96
as repostas que eles o”. As impressões do docente conferem à prática pedagógica uma
outra forma de avaliação, a qualitativa. Instrumentos como o próprio portfolio, citado pelo
docente, transformam-se em valiosos processos avaliativos, pois conseguem captar o
desenvolvimento do aluno no processo, diferente das avaliações pontuais que obscurecem as
dificuldades dos estudantes.
Como contribuição à questão número três, o professor A lembra que o
comportamento positivo dos estudantes em relação ao uso da Unidade Didática do Projeto de
Intervenção, é um sinal que indica a necessidade do aluno por aulas diferenciadas, quando
coloca a fala dos estudantes que indagam “Nós não vamos trabalhar o material? Isto é
porque eles querem algo diferente, se habituaram a ter uma aula diferente”. Em um processo
avaliativo mais extenso, no qual o docente acompanha a mesma turma em anos subsequentes,
é possível observar melhor as transformações. Por isso, o professor A pode relatar que os
alunos apresentaram um desenvolvimento crescente no último ano, quando diz que “Eles
começaram a fazer perguntas que de um ano para não haviam feito, então eu acho que o
resultado será positivo, uns mais outros menos [...].
Com o objetivo de coletar informações sobre o entendimento da base teórica do
Materialismo Histórico e Dialético, que serviu de fonte aos planejamentos docente, foi
realizada a questão número quatro que está no quadro 04, pois para a realização de uma
prática pedagógica consciente e não reprodutiva faz-se necessário uma base teórica que lhe
sirva de apoio. Para Saviani (2009), a base teórica se faz necessária para que a prática docente
não se restrinja à prática pela prática.
Quadro 04- Questionário do Grupo Focal com os professores participantes do OBEDUC.
Questão 4.
4- Qual a relação do trabalho com Projeto de Intervenção e a linha teórica do Materialismo Histórico e Dialético?
Professor Escola B
Quando nós entregamos o trabalho docente, a gente faz bimestral, então não se especifica tanto, mas agora por
unidade, há esta relação, em que nos passos se vê a relação com o materialismo.
Professor Escola A
Na hora de preparar o material a gente observou os passos do materialismo histórico. Eu fico frustrado com a parte
final do processo que seria na hora que me apropriei do conteúdo, a prática social final, eu não consigo acompanhar.
Eu estou a 35 quilômetros dos meus alunos, o convívio social é distante, eu moro longe. Essa parte do final do social
eu fico curioso para saber como acontece. É bem nítido, a gente percebe a problematização, instrumentalização, a
catarse para depois chegar a prática social final. Cada uma das fases é nítida, separada, quando o aluno coloca a
dimensão, quando o aluno começa a ter esta visão, a relação. Na minha disciplina para ver bem isto, construção
do Materialismo Histórico dentro do nosso projeto. Eu sinto não poder ver na frente à prática social final, do
convívio do que ele aprendeu.
Professor Escola C
Ficou claro e nítido na construção do material. O material, a apostila utilizada na unidade, fica clara a relação com a
teoria. E eu volto a falar da importância da prática interdisciplinar, tendo pessoas que fazem parte da equipe e que
conhecem a teoria, muitas vezes o professor está preocupado com os conceitos, com o conhecimento de área,
quando tem este suporte da teoria fica tudo mais fácil. Está nítida na constituição do material.
97
Fonte: Autoria própria.
Para os docentes, a relação do Projeto de Intervenção com a teoria está contida
principalmente no material elaborado pelo grupo participante. Para o professor B esta forma
de elaboração está condizente com um maior detalhamento do percurso do docente e do aluno
para a apropriação dos conhecimentos. Diferentemente dos outros planejamentos utilizados na
escola, que são desvinculados de uma corrente teórica, por isso o docente B considera que
“[...] o planejamento é mais especifico” nesta corrente teórica.
Para o professor A, o material é a fonte na qual estão expostos os cinco passos
didatizados por Gasparin (2012), da Pedagogia Histórico-Crítica como forma de
encaminhamento aos trabalhos pedagógicos, sendo os cinco passos uma forma bem acessível
de entendimento do método dialético postulado por Marx (1990), que parte de um
conhecimento concreto simples, para um processo de abstração, e retorna-se a um
conhecimento denominado de concreto pensado. O professor C também corrobora com o
pensamento de que no material elaborado estão os indícios de atrelamento do projeto com a
base teórica, quando diz que A apostila utilizada na unidade, fica clara a relação com a
teoria”. Além do planejamento escolar mais específico, como lembra o professor B, e da
elaboração de um material no qual estão expostos os cinco passos da Pedagogia Histórico-
Crítica, como recordam os professores A e C, os docentes precisam perceber que a atuação
em sala necessita estar condizente com a teoria, seja na dialética com os alunos, na retomada
do conteúdo, na mediação e organização das atividades, no processo avaliativo. No entanto, o
professor C lembra da necessidade de pessoas que conheçam a teoria quando considera que
“[...] muitas vezes o professor está preocupado com os conceitos, com o conhecimento de
área, quando tem este suporte da teoria fica tudo mais fácil”, e do professor B, que considera
nos passos a relação com a teoria. Estes dizeres demonstram que os docentes desconheciam o
trabalho docente nesta linha teórica, apesar das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná se
pautarem na linha teórica do materialismo, sendo este documento o norteador dos
planejamentos docentes.
Considerações finais
Apenas observar o contexto escolar sem buscar ações que possam transformar a
realidade dos alunos não produz a melhoria da educação. Os Projetos de Intervenção
produziram atividades a partir das principais dificuldades de leitura dos estudantes. Para isso,
98
houve a preocupação com a identificação das carências dos estudantes em leitura, assim como
o aprofundamento dos conteúdos visando a leitura de textos e o desvelar dos discursos
presentes nas leituras. Observa-se que os docentes puderam trabalhar com um material
diferenciado, pautado em uma corrente teórica que possui o objetivo da formação humana,
que para Martins (2011), é uma das funções essenciais da escola.
Nota-se nas respostas dos docentes que o conceito sobre Projeto de Intervenção foi
bem assimilado por todos, assim, os professores sabiam muito bem as finalidades do material
aplicado e a busca pela transformação da realidade encontrada em suas turmas de alunos. No
que concerne à base teórica utilizada no material, o materialismo histórico e dialético, os
docentes ainda necessitam de mais leituras e encontros para discussão da teoria. Sem a
verdadeira compreensão teórica, a práxis docente não pode resultar em transformação e o
ensino perde a oportunidade de um trabalho pedagógico que resulta no desenvolvimento dos
alunos.
REFERÊNCIAS
GASPARIN, J. L. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. ed. Ver. Campinas,
SP: Autores Associados, 2012.
MARTINS, L. M. UNESP. O Desenvolvimento do psiquismo e a Educação Escolar:
contribuições à luz da psicologia histórico cultural e da pedagogia histórico-crítica. 2011. 249
f. (Tese Livre docência), Bauru, 2011.
MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. Edições progresso - Editorial “Avante!”
Moscovo: Lisboa, 1990.
ROCHA, M. L. AGUIAR, K. F. Pesquisa-Intervenção e a Produção de Novas Análises.
Revista Psicologia Ciência e Profissão, 23(4). p. 64-73, 2003. Acesso em: 07 abr. 2014.
SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre
a educação política. 41ª ed. Revista. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
SAVIANI, D. Educação: Do senso comum à consciência filosófica. 11. ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 1993.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11 ed. Ver- Campinas,
SP: Autores Associados, 2011.
99
As políticas-práticas curriculares na formação de professores: um olhar para
componente curricular didática
Maria Angélica da SILVA
Geisa Natália da ROCHA SILVA
Lucinalva Andrade Ataíde de ALMEIDA
Introdução
A última década tem sido palco de construções teóricas que problematizam a relação
entre teoria e prática no âmbito da formação inicial de professores. Nesse cenário tem-se
reafirmado a importância e o lugar de componentes curriculares que possibilitem o espaço de
práxis formativa, numa dinâmica de valorização dos saberes advindos da prática aliados à
reflexão fundamentada sobre sólidas bases teóricas, construídas através do diálogo e
ressignificação dos discursos produzidos, bem como através da produção de novos
dizeres/saberes na construção profissional docente.
Nesse sentido, tomamos como ponto de partida para a discussão proposta nesse texto,
pesquisas realizadas no contexto do Agreste de Pernambuco, sobre as políticas curriculares
para formação de professores, especificamente no Curso de Pedagogia. A partir dessas
pesquisas podemos perceber o imbricamento entre a política e prática curricular, pois
discursos presentes no currículo proposto eram materializados no currículo vivido, ao passo
que demandas do currículo vivido eram discutidas como necessidades a serem incorporadas
no currículo proposto. Assim, partimos do pressuposto de que um movimento de
imbricação entre as políticas e práticas curriculares na constituição do currículo da formação
de professores.
Nessa perspectiva, tomamos a didática como componente eixo no curso de Pedagogia
à medida que uma pesquisa de mestrado que se encontra em desenvolvimento, vem
demonstrando que este componente pode ser considerado um eixo articulador e síntese na
construção profissional docente, fornecendo instrumental teórico para fundamentar a prática a
partir da reflexão do professor sobre o seu próprio fazer e sobre o conhecimento que o mesmo
produz. Portanto, tomamos a didática como um dos componentes que nos permite vislumbrar
o movimento curricular na perspectiva de superação da relação antagônica entre teoria e
prática.
100
Diante disto, neste artigo buscamos dialogar com o currículo da educação superior, a
partir do curso de pedagogia, a respeito do movimento entre política e prática curricular,
situando a Didática como componente que possibilita a articulação entre teoria e prática na
formação do educador. Para tanto, nos propomos a discutir as tessituras das políticas-práticas
no currículo da formação de educadores forjadas no chão das instituições de ensino superior e
evidenciar a Didática enquanto componente curricular teórico-prático da formação.
Para isso, realizamos um estudo teórico, sob a perspectiva teórico-metodológica da
análise do discurso (ORLANDI, 2010), dialogando com autores como Lopes e Macedo
(2011), Souza Junior (2007) e Mainardes (2006), que abordam as categorias currículo e
políticas-práticas curriculares, apontando para uma compreensão de imbricação entre política-
teoria-prática na formação inicial do professor. Nesse viés, lançamos o olhar sobre o currículo
do curso de Pedagogia, delimitando o componente curricular da Didática enquanto eixo
síntese da tríade política-teoria-prática, para tanto dialogamos com Franco e Pimenta (2012),
Libâneo (2002, 2013) e Candau (2013), que discutem o lugar e importância deste componente
na formação de professores, buscando compreender as tessituras curriculares no movimento
das políticas-práticas.
Currículo da formação de professores tecido entre as políticas-práticas curriculares
O currículo ocupa espaço central na discussão sobre a formação docente por
materializar através das práticas curriculares as perspectivas formativas que regem o curso de
formação de professores no ensino superior. Entendido como práticas discursivas de
saberes/poderes, o currículo engendra disputas nos diversos espaços de produção da política-
prática curricular, estabilizando sentidos que forjam identidades, modelam comportamentos,
padrões e valores instituídos na sociedade. Nessa direção, Lopes e Macedo (2011) apontam
que o currículo tomado como prática discursiva exige a compreensão de que o currículo recria
discursos que produzem sentidos, interpelados pelos diferentes discursos sociais e culturais
contingentes, contextuais e históricos.
Desta forma, o currículo é espaço de disputa e de significação, mesmo que provisória,
do que se compreende sobre a formação docente, sobre o próprio currículo, sobre a didática,
sobre a prática e sobre a teoria. Nesse sentido, a discussão aqui abordada não restringe o
currículo às prescrições instituídas na esfera administrativa governamental, que “vão reger” as
práticas dos sujeitos no chão da instituição educacional. Pois, os sujeitos nos diferentes
101
espaços em que o currículo é produzido, atribuem novos sentidos de produção curricular, e
neste movimento recriam currículos. Assim, nas instituições de ensino superior que formam
educadores não poderíamos falar de um currículo no singular, mas de currículos em disputa
por significação, o pensado, o proposto e o vivido, imbricados entre o oficial e o real.
O currículo pensado e proposto, também chamado de currículo oficial ou prescrito, é
aquele que se materializa a partir da política de currículo dando origem ao documento que
institui as práticas/políticas curriculares. O currículo vivido é aquele que é materializado pelos
sujeitos das instituições de ensino superior, especialmente os professores e alunos no âmbito
da sala de aula, que tomado enquanto prática transcende a dimensão prescritiva e possibilita a
inserção de outros saberes/fazeres dos sujeitos que por vezes não são reconhecidos como
produtores de currículo. Nessa ótica, assumimos o sentido de currículo vivido a partir de
Souza Júnior (2007) ao explicar que:
[...] o currículo não é apenas a expressão documental que guia as ões
docentes e discentes na escola, ele é a própria vida da escola e, em especial,
no movimento de constituição dos saberes escolares, expressando-se tanto
no Projeto Político-Pedagógico dessa instituição como na sala de aula. Nessa
perspectiva ele materializa a dialeticidade da educação, deixando evidentes
os princípios de historicidade, intencionalidade, unidade teoria-prática e
criticidade da ação pedagógica (SOUZA JÚNIOR, 2007, p. 72).
Nessa dimensão, o currículo torna-se ainda mais complexo e mais dinâmico por
materializar e dar vida ao documento prescrito, corporificado a partir das relações
pedagógicas no espaço acadêmico. Nesse sentido, esse movimento curricular está em
constante transformação, sendo direcionado pelas concepções epistemológicas e políticas dos
sujeitos da instituição, e ao mesmo tempo formando e legitimando concepções de saber, de
ser e agir no mundo.
A dinamicidade do currículo vivido opera a partir da prática, e é nesse contexto que as
políticas/práticas são transgredidas, reinterpretadas e recriadas. Entretanto, salientamos que o
movimento entre currículo vivido, pensado e proposto, não se materializa nas polaridades.
Com efeito, as multifacetas do currículo encontram-se imbricadas de tal maneira, que vivido
não é puramente vivido, mas apresenta as marcas discursivas do currículo pensado e proposto.
De forma idêntica, o currículo pensado e proposto é constituído a partir dos discursos que
circulam no vivido. Embora este último, ao materializar o pensado e proposto se torna mais
amplo, pois pensado e proposto são recriados a partir da dinâmica própria da prática
102
(SARTI, 2008). Assim, o currículo é a síntese dessas dimensões que se entrelaçam e
constituem as políticas/práticas curriculares.
Ao tratarmos de políticas/práticas curriculares, estamos nos reportando à abordagem
do ciclo de políticas de Ball (MAINARDES, 2006), que permite a compreensão de que
política e prática estão imbricadas, visto que a produção política que se efetiva num ciclo
contínuo entre os diferentes contextos de produção (influência, texto, prática, efeitos e
estratégias) está marcada nas práticas curriculares dos docentes e discentes, do mesmo modo
as políticas se materializam nas práticas e por elas são influenciadas. Para Ball, os
professores, sujeitos da prática, não estão totalmente excluídos do processo de produção da
política, pois o conceito de política é ampliado, sendo considerada a política como uma
dimensão que perpassa as decisões e posicionamentos dos sujeitos nas diferentes situações
sociais cotidianas, sobretudo nos espaços institucionalizados. Assim, a política curricular é
construída diariamente no chão das instituições educacionais, nas salas de aulas onde
professores e alunos trocam conhecimentos, partilham saberes, experimentam fazeres
cotidianamente, produzindo as práticas-políticas de currículo.
Nessa ótica, política-prática curricular são dimensões inseparáveis que se
complementam na produção de sentidos no currículo do ensino superior da formação de
educadores, que tem no componente curricular da Didática espaço de produção de sentidos
que problematiza o fazer docente, buscando relacionar teoria e prática.
A didática como eixo articulador da teoria e prática no currículo do ensino superior
Frente à efemeridade dos sentidos das políticas/práticas curriculares em torno da
formação de professores, temos vivenciado uma transição no que se refere ao lugar e
contribuição dos componentes curriculares que buscam materializar a relação entre teoria e
prática, tomando esta como ponto de partida e ponto de chegada (SARTI, 2008) no cerne da
formação do educador.
Dessa maneira, assim como nos aponta Candau (2013, p.32), “todo processo de
formação de educadores inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o
tratamento sistemático do ‘que fazer’ educativo, da prática docente”. Nesta perspectiva, o
componente curricular “torna-se um espaço de produção simbólica e/ou material” (LOPES;
MACEDO, 2011, p. 29), não apenas formando professores, mas também produzindo
conhecimentos. Nesse contexto, voltamos nosso olhar para o componente curricular da
103
didática como um dos espaços que promove esta articulação entre o instrumental teórico e o
seu pensar articulado às questões da prática.
A didática tem reafirmado seu lugar a partir do sentido de contribuição que a mesma
apresenta para o aprendizado docente na formação inicial (TOLEDO, 2008), contribuições
que não apresentam um caráter homogêneo, porém, constituídas pelas especificidades dos
contextos sociais e históricos, imbricadas com as tensões e negociações características das
políticas-práticas curriculares na formação de professores.
Nessa direção, assim como a construção das políticas/práticas curriculares, a
construção dos sentidos de Didática encontra-se “impregnada das contradições impostas pelo
movimento histórico atual [...] no enfrentamento das contradições políticas, éticas e sociais”
(FRANCO; PIMENTA, 2012, p.10). Nesse sentido, os últimos estudos (LIBÂNEO, 2002,
2013; CANDAU 2013; PIMENTA 2012) acerca deste objeto têm ressaltado o ensino como
prática social viva e complexa e, portanto, compreendida face ao contexto histórico em que se
desenvolve.
Sendo assim, a Didática nos convida à sua construção pelo viés de uma perspectiva
crítico-reflexiva, balizando um movimento de superação do caráter prescritivo e aplicacionista
que permeia sua trajetória histórica nos cursos de formação inicial de professores. Nessa
direção, “a prática está na raiz da ressignificação epistemológica” (PIMENTA, 2012, p. 16), a
prática docente ganha espaço de tradutora e ressignificadora das políticas/práticas e produtora
de conhecimentos, construída a partir da reflexão crítica dos educadores sobre a sua própria
atividade.
Com base nos aspectos técnico, humano e político presentes no processo de ensino-
aprendizagem, a construção profissional do educador na formação inicial - pautada no saber-
fazer fundamentado na relação teoria-prática - resgata as discussões políticas e
epistemológicas que guiam e ao mesmo tempo são ressignificadas no processo educativo,
fazendo emergir um sentido de Didática como práxis (NASCIMENTO; MOURA, 2010),
tornando a mesma como um componente de destaque na formação de professores para a
educação básica no contexto em que se ampliam as discussões com ênfase na crítica à
padronização dos processos de ensino-aprendizagem e engessamento da prática docente.
Sendo assim, “a Didática, não se esgota na disciplina, ela é fundamento para que outras se
consolidem, formando uma consciência crítica e indagadora, sobre a realidade que se mostra
no ambiente escolar.” (MENDES; VALENTE, 2010, p. 10), portanto o domínio do
conhecimento da Didática é essencial para o exercício da docência e apresenta-se como uma
104
das disciplinas nucleares do campo pedagógico; é imprescindível para o processo de formação
e desenvolvimento profissional de professores” (VEIGA, 2012, p. 8).
Nessa perspectiva, o seu lugar e importância na formação de professores encontram-se
reafirmados, pois componentes como a didática possibilitam aos discentes/professores
teorizar a sua prática, reconhecendo-a como espaço de produção de conhecimentos ancorados
em elementos teóricos adquiridos ao longo da formação e nas experiências do fazer docente
cotidiano. Para tanto, estas novas configurações assumidas pela Didática, “apontam para o
avanço teórico na problematização, na compreensão e na sistematização de conhecimentos
voltados para a concretização da docência” (VEIGA, 2012, p. 8).
Nesse caso, a didática passa a ser compreendida como “mecanismo tradutor de
posturas teóricas em práticas educativas mais significativas.” (NASCIMENTO; MOURA,
2010, p. 2). Esse movimento de práxis instaura uma relação micro (sala de aula) e macro
(epistemologias e políticas educacionais), no contexto de produção e vivência de práticas-
políticas. Podemos afirmar, então, que este componente reflete um movimento de proposição
discursiva curricular no campo do que é pensado para a formação, ao mesmo tempo em que
ressignifica os sentidos da formação na medida em que os sujeitos vivenciam e
reconceitualizam a didática e o seu lugar na formação do educador.
Diante disto, compreendemos que a Didática, como objeto de estudo e componente
curricular da formação de professores, está comprometida com as questões concretas da
docência, e “para tanto requer um espaço teórico-prático, a fim de compreender a
multidimensionalidade da docência” (VEIGA, 2012, p. 8). Portanto, um eixo central na
formação de professores, tendo em vista representar uma possibilidade de articulação teoria-
prática na aprendizagem profissional.
Nessa direção, a prática é tomada enquanto práxis e a Didática vai se configurar como
uma teoria da prática do ensino, e esta concepção se traduz no âmbito da formação docente na
necessidade de formar professores reflexivos, críticos e pesquisadores, que possam
sistematizar os saberes que emergem da prática. Nesse movimento, observamos que a
Didática possui como desafio desenvolver a capacidade crítica na formação dos professores,
para que estes possam atuar de forma clara com relação às intencionalidades, sistematizadas e
orientadas por princípios sócio-políticos, buscando articular os conhecimentos adquiridos
sobre o “como” ensinar e refletir sobre “para” quem ensinar, “o que” ensinar e o “por que”
ensinar”.
105
Considerações finais
A produção discursiva estabelecida que apresenta como cerne a preocupação com a
articulação da tríade política-prática-teoria, tem apontado para um movimento discursivo de
superação da dicotomia e polarização destes conceitos, que conforme situamos no decorrer
deste texto, são imbricados. Esta almejada articulação encontra-se no cerne dos esforços
políticos e epistemológicos que permeiam a formação do professor no ensino superior,
traduzida nas tessituras das políticas-práticas que compõem o currículo desta formação.
Ao que nos parece, para além do fornecimento de referenciais intelectuais e teóricos, a
formação de professores possui como desafio a aproximação com o “que fazer” da docência,
materializado por meio de componentes curriculares que realizam um diálogo que imbrica e
movimenta teoria e prática. Mesmo percebendo que o aprendizado da docência se constrói ao
longo da experiência do professor, temos percebido que componentes como a didática se
constituem como uma primeira aproximação dessa aprendizagem, oportunizando o repensar
da prática a partir da problematização fundamentada teoricamente.
Nesse sentido, salienta-se a necessidade das políticas-práticas de formação de
professores terem como eixo de referência o desenvolvimento profissional, através da
valorização dos saberes da prática e resgate da intelectualidade advinda da ação docente, vista
enquanto espaço de produção e socialização de conhecimentos. Para tanto, falamos de uma
perspectiva de formação que proporcione um espaço práxis para a construção profissional do
educador.
Diante disto, consideramos que o componente curricular da Didática pode contribuir
para a formação de professores enquanto espaço de práxis e também espaço de materialização
e ressignificação das políticas/práticas curriculares.
REFERÊNCIAS
CANDAU, V. M. (org.). A didática em questão. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
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Edições Loyola, 2012.
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107
As necessidades formativas de professores na produção científica: encontros com
a(s) didática(s)
Camila José GALINDO
Ivete CEVALLOS
Introdução
As necessidades formativas de professores NEF alocam-se num campo
complexo de produção de conhecimento que se expressa a partir da interface dos
campos da formação de professores e do trabalho docente, sob vertentes teóricas
distintas, as quais geralmente são apoiadas nas Ciências da Educação.
No Brasil e em Portugal a abrangência da produção compõe-se de estudos ora de
levantamentos de opiniões de professores e gestores escolares em instituições escolares
ou de formação, ou ainda com representantes de órgãos da gestão da Educação que, por
vezes, com sujeitos distintos, realizam contraposições de opiniões que encaminham
críticas sobre o descompasso de ideias para uma finalidade comum. Esses estudos
revelam que a compreensão das necessidades formativas pode se dar pelo entendimento
de que elas estão relacionadas aos sujeitos e instâncias que atuam. Elas ainda se
apresentam como sendo ‘verdadeiras’ ou ‘falseadas’ a partir dos níveis de consciência
que os sujeitos têm sobre as próprias necessidades (WILSON; EASEN, 1995), bem
como a partir do referencial utilizado para medir a distância entre o estado real e o ideal
(GALINDO, 2011).
Nesse sentido, aportam-se questões sobre como compreender e ajustar as
especificidades dos estudos sobre as necessidades formativas às diversas áreas de
conhecimento do ensino, respeitando e ponderando o recorte temporal, o universo
pesquisado, o contexto investigado e as especificidades de área (ensino de matéria
específica do currículo, gestão escolar ou de sistema, nível ou etapa de ensino, entre
outros fatores de relevância para o objeto). Apurar necessidades formativas meio a essa
configuração revela-se desafiador, já que a teia de relações conceituais é gigantesca.
Esta preocupação quando pensada na perspectiva do ensino possui um agravante
singular, pois a situa duplamente em campos discursivos diversos, embora,
supostamente, sejam relacionais. São eles: o campo da Didática Geral e o campo das
Didáticas Específicas que estão ligadas ao movimento da Ciência nas suas áreas e dos
108
saberes que compõem os currículos escolares. Ou seja, as necessidades formativas dos
professores estão intrinsecamente relacionadas as suas áreas curriculares, às abordagens
do ensino. Eis a primeira consideração derivada do Projeto de Pesquisa “Necessidades
formativas de professores de Mato Grosso” (GALINDO, 2013-2016), e que venho
expor nesse trabalho com o intuito de contribuir com os estudos sobre as necessidades
formativas de professores em diálogo estreito com a Didática.
O desenvolvimento do referido Projeto que tem por objetivo identificar as
necessidades de professores da Educação Básica de Mato Grosso, apresenta na sua
segunda etapa de desenvolvimento, a necessidade de compreender as necessidades
formativas de professores inerentes ao ensino, à Didática Geral e às Didáticas
Específicas.
O conhecimento sobre como os professores ensinam os conhecimentos escolares
e quais representações de ensino possuem tendo como referência a própria prática,
aponta para a existência de necessidades formativas ligadas a sua atuação pedagógica/
ensino
10
que possuem sustentação de referência a produção específica do conhecimentos
nas áreas da Ciência e do ensino. Identificadas essas representações, torna-se possível
aferir considerações tanto para a produção científica sobre as necessidades formativas
(pois constitui um conhecimento ainda não abordado nos estudos da área sob essa ótica)
quanto para a Didática enquanto área de conhecimento sobre o ensino que tem no
conhecimento sobre as necessidades formativas, apoio para (re)pensar a formação de
professores.
Nesse ínterim, desenha-se como objetivos desse texto: compreender o
movimento científico sobre as necessidades formativas nos estudos mais recentes no
Brasil e apontar relações de implicação da produção da Didática e das Ciências sobre o
conhecimento das necessidades formativas.
Tessituras de algumas investigações sobre as necessidades formativas: uma volta
ao tempo para contextualizar o presente
Alguns estudos desenvolvidos sobre a temática das necessidades formativas
trouxeram importantes avanços às pesquisas na área. Um deles (GALINDO, 2007)
desenvolvido entre os anos de 2005 a 2006, de natureza exploratória sobre as NEF,
10
Utilizamos essa distinção conceitual unificada porque fazemos referência à todas as etapas da Educação
Básica e parece-nos que o termo ensino é mais apropriado para as etapas do Ensino Fundamental e
Médio, enquanto que na Educação Infantil a atuação pedagógica parece ser o termo mais ajustado.
109
tendo apoio na produção portuguesa (RODRIGUES e ESTEVES, 1993; ESTRELA,
MADUREIRA e LEITE, 1999) e na incipiente produção sobre a temática no Brasil
11
,
buscou por meio de um surwey aplicado em oito municípios da região central do estado
de São Paulo, identificar as necessidades de formação continuada de professores que
atuavam nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escolas municipalizadas, bem
como identificar a concepção de formação continuada dos gestores de Educação nos
municípios pesquisados. Os resultados apontaram para a existência de NEF de múltiplas
áreas do saber e de conhecimentos pedagógicos, os quais foram expressos por temáticas
geralmente ligadas às metodologias de ensino e a outras demandas do trabalho docente
implicadas na sala de aula. Tais NEF distinguiam-se significativamente daquelas que
eram apontadas pelos gestores como sendo necessárias à formação do professor. Assim,
os gestores elegiam formações que atendessem às políticas públicas enquanto os
professores, na sua maioria, elegiam temáticas que ora se ligavam a essas, ora ao
contexto da sala de aula em si e as expressões de dificuldades pedagógicas deles
derivadas e percebidas pelos docentes.
Outro estudo (GALINDO, 2011) desenvolvido entre os anos de 2007 a 2010,
buscando expandir os campos de referência teórica em diálogo com as necessidades
formativas e tomando como base outros estudos internacionais (WILSON; EASEN,
1995; RODRIGUES; ESTEVES, 1993) buscou perceber como as NEF se expressavam
no contexto de trabalho dos professores do ciclo do Ensino Fundamental, sob o
recorte de diferentes tempos na carreira docente. Para a realização da pesquisa de
natureza etnográfica, técnicas mistas foram utilizadas. Após um ano de observação em
sala de aula de duas professores que atuavam no primeiro ano do Ensino Fundamental
de 9 anos, sendo uma experiente e a outra iniciante na carreira docente, alguns
resultados apontaram avanços para os estudos sobre as NEF:
- a rotina de trabalho faz-se categoria central para entender necessidades
expressas no trabalho docente;
- professores iniciantes também apresentam regularidades didático-pedagógicas
que formalizam rotinas, embora sejam elas mais diversificadas se comparadas com
aquela realizada por professores experientes na profissão;
- professores experientes expressarem como NEF, geralmente, o que foge à
rotina; expressam com menor intensidade de percepção dificuldades para o ensino de
11
Havia apenas um estudo Silva (2000), defendido na USP-SP que utilizava a abordagem teórica da
análise de necessidades formativas com recorte sobre a Educação Especial.
110
conteúdos pois acreditam que o tempo de experiência chancela escolhas metodológicas.
A literatura sobre os professores experientes como sendo expertises (GARCIA, 2011)
aponta que para além do domínio de conteúdos é necessário ajustá-los às situações de
aprendizagem reside nesse quesito a morada de necessidades de professores
experientes que em função da manutenção da rotina; pouco atentam-se para as
individualidades de aprendizagens dos alunos na sala de aula pois os compreende como
um coletivo unificado;
- as necessidades formativas possuem natureza endêmica nas rotinas em
formação ou formalizadas. Esse conhecimento traz implicações sobre sua definição
aparentemente mutável, embora permaneça complexa, a mutabilidade está mais
relacionada com o sentido das NEF ou o encontro de soluções ou tentativas de respostas
que camuflam “novas” necessidades e/ou fazem “desaparecer velhas”;
- necessidades coletivas destoam daquelas que podem ser observadas e expressas
individualmente, pois as primeiras dizem respeito à expressão de dificuldades ou
desejos aceitos pelo grupo consensualmente enquanto as segundas referem ao próprio
desempenho, saber, formação que se aglutinam no fazer docente;
- a mutabilidade das NEF podem ser percebidas em situações em que a reflexão
está inerente ao método de coleta de necessidades com as professoras, em situações de
formação na escola.
Tais estudos sustentam a proposta de investigação que se encaminha no
desenvolvimento do Projeto de Pesquisa “Necessidades Formativas de Professores em
Mato Grosso”, o qual está vinculado ao Grupo de Investigação sobre o Ensino e as
Necessidades Formativas de Profissionais da Educação GIENEF/CNPq/ UFMT.
Trazemos sobre o referido Projeto, alguns apontamentos que passaremos a discorrer a
seguir.
Percursos do projeto necessidades formativas de professores em mato grosso e suas
relações com a didática
Considerando os apontamentos dos estudos sobre as necessidades formativas
realizados nos últimos anos, a Didática área de formação pedagógica geral dos
professores que reúne preocupações e abordagens próprias da Formação de Professores
e do Trabalho Docente evidencia-se como preocupação chave às produções sobre
111
NEF. Nesse sentido, a pesquisa que tem sido desenvolvida em Mato Grosso assume a
abordagem didática como foco do estudo que ocorre em três etapas:
1) o estudo bibliográfico;
2) a coleta empírica de dados com: A) alunos de cursos de licenciatura de
universidade(s) públicas de Mato Grosso, buscando perceber como constroem a
percepção de dificuldades e aprendizagens da docência, via escrita de Memoriais de
Formação. A narrativa nele inerente faz-se indicador que por hipótese, consideramos
estar ligado à expressão de necessidades formativas a serem percebidas futuramente,
quando do exercício profissional. B) professores que atuam em redes públicas
municipais e estadual de ensino em Mato Grosso, nas etapas da Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio, via questionário online.
3) a análise dos dados tendo em vista os recortes por tempo de exercício
profissional, etapa da educação, tipo de sistema que se vincula, estrutura e diversidade
das rotinas pedagógicas, problemas e êxitos centrais do ensino.
O estudo encontra-se na segunda etapa de desenvolvimento. O planejamento
para a realização da etapa, contou com o desenvolvimento de dois tipos de instrumentos
de coleta de dados: um roteiro estruturado com questões específicas de orientação à
escrita de memoriais de formação dirigidos aos alunos de cursos de Licenciatura em
Letras, Física, Matemática, Geografia, Ciências Sociais, Química que cursam a
disciplina de Didática Geral na Universidade Federal de Mato Grosso, campus de
Cuiabá, e a disciplina de Estágio Curricular Supervisionado II no curso de Licenciatura
em Matemática da Universidade Estadual de Mato Grosso
12
; quatro questionários
voltados aos professores que atuam na Educação Básica, nas etapas da Educação
Infantil, Ensino Fundamental (sendo um para os docentes dos Anos Iniciais e o outro
para docentes dos Anos Finais), Ensino Médio.
O questionário composto de perguntas abertas e fechadas que dizem respeito à
formação inicial e continuada e ao ensino em sala de aula, foi desenvolvido em base
online
13
.
Até o presente momento, tendo cumprido a primeira etapa do estudo conceitual,
o conceito de experiência (DEWEY apud SCHÖN, 1992) foi identificado como
12
O critério para a seleção do público e do local foi o de terem pesquisadores ligados ao Projeto atuantes
como docentes nesses cursos e instituições em Mato Grosso.
13
O questionário foi elaborado na base de dados do Gloogle Docs e possui vínculo de acesso junto ao site
oficial da universidade www.ufmt.br. O mesmo estará disponível para os participantes no segundo
semestre de 2015.
112
fundante para compreender as práticas pedagógicas. Ele alicerça a compreensão da
identidade docente, colocando em vidência a formação inicial e as experiências
estudantis. As experiências dos professores nas instâncias formais e não formais,
mantém vínculo estreito com a expressão de NEF, possibilitam a percepção de validade
e importância que são construtos presentes/ ausentes nas práticas pedagógicas/ ensino.
A partir desse referencial justifica-se a presença de questões que buscam identificar as
experiências de ensino ou as experiências educativas da prática pedagógica mais
marcantes para os professores, bem como se elas assumem uma conotação positiva ou
negativa para eles.
No encontro dessa abordagem sobre as necessidades formativas, a produção em
Didática a partir dos anos 90 traz contribuições significativas que nos permitem
sustentar alguns argumentos metodológicos sobre o levantamento e a análise de
necessidades formativas de professores. Autores como Marin (2012; 1996); André
(1997); Pimenta (1999); Altet (2000), ao apontarem as mazelas da escola, da formação
de professores, da reestruturação da Didática sob bases reflexivas superando o
tecnicismo, as dificuldades inerentes ao início do exercício profissional e a importância
da pesquisa e da formação continuada, corroboram com nossa defesa da importância de
os professores vivenciarem experiências positivas de ensino-aprendizagem nos
diferentes momentos de sua formação (inicial e continuada) e atuação profissional.
Estas experiências que se cristalizam exitosas configuram-se vetores de motivação e
dedicação profissional.
O conhecimento das experiências profissionais dos professores, somado ao
contexto de mudanças da Educação, como destacou Ibernón (2004), leva-nos a ponderar
que suas necessidades estão imersas a uma gama de interferentes que fogem à condição
formativa institucionalizada (como no caso da formação continuada estruturada nas
bases dos sistemas educacionais), pois nem sempre essas necessidades nas suas
expressões diversas (uma vez coletadas), poderão ser tomadas como fontes seguras para
estruturação de programas, propostas e planos de formação. Isso porque, geralmente, há
inerente às propostas formativas a concepção de que após a formação, as necessidades
serão cessadas. Sabe-se, no entanto, que as formações instrucionais não se aproximam
das ‘verdadeiras’ necessidades formativas; é necessário revitalizar as formações
dirigidas aos professores, com modalidades interativas que resignifiquem a profissão, a
identidade profissional e as necessidades inerentes às práticas pedagógicas.
113
A análise das rotinas pedagógicas (considerando apontamentos de Wilson e
Easen, 1995, e de Altet, 2000) aponta para um núcleo de necessidades formativas
diversas, complexas. No Projeto em causa, levantamentos pilotos realizados no âmbito
da primeira etapa do Projeto (durante os anos de 2013 e 2014), tiveram a atuação
pedagógica de professores que atuam com crianças como enfoque central. Os
questionários foram aplicados com docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do
Ensino Fundamental reteram informações sobre seleção de conteúdos e metodologias,
planejamento e condução das aulas de História ou intervenções educativas à construção
de saberes históricos, indicações sobre as dificuldades e formações à melhoria da prática
pedagógica.
Aponta o Projeto em sua primeira etapa, que a gestão da formação continuada de
professores no contexto de Mato Grosso possui além de estrutura precária junto aos
sistemas municipais, poucos estudos que referenciam a temática e as realidades locais
nos Programas de Pós Graduação em Educação. A demanda ainda é maior e mais
pujante de estrutura e estudos voltados aos docentes que atuam na Educação Infantil,
bem como de enfoques que privilegiem áreas específicas do currículo nos Anos Iniciais
do Ensino Fundamental (GALINDO, 2014).
(Des)Encontros no ensino: a(s) didática(s) e as ciências
Estudos no campo da Didática (MARIN, 2012; 1996; TARDIF e LESSARD,
2009; ESTEVES, 2009) têm apontado o conhecimento da realidade escolar, o
conhecimento dos conteúdos da matéria a ensinar e de métodos e recursos didáticos e
pedagógicos, bem como a relação pedagógica com o saber e com os alunos, as relações
com os pares, a motivação à docência, como sendo elementos cruciais para o trabalho
do professor.
No âmbito das práticas pedagógicas/ ensino nas áreas específicas do currículo, a
ênfase sobre os conhecimentos escolares vinculadas a um ajustamento com
metodologias mais ativas do ponto de vista da participação e do envolvimento dos
alunos faz parte de discussão recente na produção científica e nem sempre se traduz em
práticas efetivas no âmbito dos cursos de formação inicial, os quais, geralmente se
organizam a partir de um núcleo específico de conteúdo que possui mais ênfase na
Ciência na área e seu percurso histórico do que na articulação desse conhecimento com
o conhecimento escolar.
114
Assim, verifica-se que são muitas as abordagens pedagógicas que o currículo
escolar possui na sua composição diversificada apoiada em diferentes Ciências e seus
usos por acadêmicos, formadores, professores, alunos e pela sociedade em geral. A
natureza das diferentes Ciências a colocam em posições de aproximação e/ou distância
dos conhecimentos escolares e de abordagens pedagógicas defendidas por
pesquisadores da Didática (Geral).
Outra consideração importante no debate em que se coloca a apuração de
necessidades formativas, diz respeito a alguns apontamentos feitos por pesquisadores de
áreas específicas do ensino de conteúdos escolares quanto à indução de vivências e de
aprendizagens científicas no período da infância ser mais válida do que o contato em
outras etapas da vida e da escola. Pelos limites do presente texto, limitamo-nos a
apontar os conteúdos de Ciências e História que são originalmente de natureza
diferentes e consolidam-se em períodos históricos distintos.
No Brasil esse enfoque empírico apresentado faz-se presente em 1) Chassot
(2000) que defende que a alfabetização científica no ensino de Ciências, possibilitando
a ela vivências do método científico como a observação e a experimentação condições
para prover a assimilação de conhecimentos das Ciências Naturais que poderão ser em
outras etapas desenvolvidos com maior ênfase conceitual; 2) Schimidt (2003) que
destaca a importância da pesquisa e do método histórico subsidiar as práticas de ensino
de História em sala de aula os quais geralmente são interpretados como possibilidades
que não privilegiam os conteúdos da área. O ensino dessas Ciências Específicas
coaduna-se com a necessidade das crianças aprenderem o sentido e a natureza das
Ciências. No entanto, distante dessas abordagens, comumente vimos um ensino que
pouco dialoga com a natureza da sua Ciência, sob o agravante do tempo de
incorporação dos conhecimentos científicos aos escolares.
O conhecimento dos indicadores de NEF em situações de ensino, a partir de
rotinas pedagógicas pondera as dimensões formativas do professor seja na formação
profissional seja no exercício do trabalho docente. Por isso, constitui elemento útil para
(re)definir categorias de análise que podem apontar a necessidade de organização
conceitual por áreas de conhecimento em diálogo com a Didática como condição para
apurar NEF de professores que possam ser válidas aos interesses dos docentes em
proposta de desenvolvimento profissional, às instituições formadoras (universidades e
órgãos gestores da formação continuada).
115
Considerações finais
A discussão aqui apresentada enfatiza que a existência de relações de implicação
entre a formação de professores e o trabalho docente na escola é tão verdadeira quanto a
necessidade de haver relações de proximidade entre a Didática Geral e as Didáticas
Específicas. As diferentes abordagens das Didáticas encontram morada na expressão de
necessidades formativas que são percebidas no contexto do trabalho docente por meio
da análise das práticas de pedagógicas/ ensino ou na identificação da percepção que os
docentes têm sobre elas. Um olhar apurado sobre o percurso do ensino nas diferentes
áreas do conhecimento constitui um avanço significativo para os estudos sobre as
necessidades formativas de professores e imputa desafios à essa área temática de
investigação que a teia conceitual é gigantesca. Eis um dos desafios do Projeto
“Necessidades formativas de professores da Educação Básica de Mato Grosso”.
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117
A concepção de aprendizagem na formação de professores da educação básica: as
contribuições da psicologia histórico-cultural
Ana Claudia de Oliveira G. MERLI
Cristiane Mara RAJEWSKI
Ivete Janice de Oliveira BROTTO
Introdução
As políticas públicas do Estado que direcionam o trabalho docente são
constituídas tendo por base concepções de sociedade, de homem, de educação, de
trabalho e de cidadania, que não são apenas teóricas, pelo contrário, são materializadas
nas ações e orientações legais. Nesse sentido, este estudo, germinado no interior
do Grupo de Pesquisa em Educação e Formação de Professores (GPEFOR), discute a
importância da concepção de aprendizagem na formação dos professores da Educação
Básica, no país. Trata-se de uma abordagem de cunho bibliográfico, pautada na
concepção de linguagem defendida por Bakhtin/Volochínov (2006), que entende os
homens como sujeitos sócio-histórico-culturais e a linguagem como a interação verbal
realizada entre estes sujeitos, não necessariamente pessoal, face a face, mas sob todas as
circunstâncias em que há inter-relações mediadas por discursos.
A teoria de Bakhtin e seu Círculo
4
reconhece a interação entre sujeitos como
local onde ocorre o embate de ideias e a produção de sentidos. Desse modo, as
concepções veiculadas por discursos e práticas sociais em documentos, leis e no próprio
cotidiano de sala de aula, por exemplo, revelam as concepções constituídas sócio,
histórica e culturalmente pelos homens. Ainda, Bakhtin/Volochínov (2006) adverte que
nenhum discurso é neutro, todos se compõem de vozes diversas, de outros discursos,
que vão delineando, materializando, as intenções em determinada circunstância, com
determinado auditório social, cuja característica marca o aspecto ideológico da
linguagem.
Dessa forma, a leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação
de Professores da Educação Básica, em Nível Superior, Curso de Licenciatura, de
Graduação Plena (Resolução nº 01 de 2002 do Conselho Nacional de Educação - CNE),
tendo por base a teoria da linguagem de Bakhtin e seu Círculo permite reunir elementos
118
para uma discussão contextual com a finalidade de compreender como se apresenta a
aprendizagem na formação de professores da Educação Básica.
Em concomitância ao estudo desses documentos, recorreu-se à Psicologia
Histórico-Cultural a fim de subsidiar a concepção de aprendizagem aqui adotada. Esta
teoria mostrou-se adequada por atribuir o valor apropriado às dimensões biológicas e às
sociais nas considerações a respeito do desenvolvimento humano. Vygotsky (2007)
esclarece que o homem se apropria dos aspectos que o torna humano na interação e
interlocução, entre seus pares; é somente por meio das relações sociais que ocorre a
aprendizagem e o desenvolvimento das funções psíquicas, sobretudo as superiores.
Descrição do trabalho desenvolvido
Saviani (2009) apresenta alguns aspectos históricos e teóricos a respeito da
problemática de formação de professores no Brasil. Segundo ele, a preocupação do
Estado com a preparação dos docentes remonta ao período pós-independência. O autor
elencou seis períodos, desde 1827 até 2006, que apresentam questões pedagógicas
distintas quanto à formação de professores, no decorrer das mudanças históricas e
políticas. Desta análise, Saviani (2009) conclui que ao longo dos anos as mudanças
revelam descontinuidade e precariedade das políticas formativas.
Contudo, o autor salienta: “A formação profissional dos professores implica,
pois, objetivos e competências específicas, requerendo em consequência estrutura
organizacional adequada e diretamente voltada ao cumprimento dessa função
(SAVIANI, 2009, p. 150)”.
Para conhecer os objetivos e competências recomendados pelo Estado para a
formação de professores da educação básica recorreu-se às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em Nível Superior,
Curso de Licenciatura, de Graduação Plena.
Este documento foi elaborado em meio a um período de reforma educacional
iniciado na década de 1990. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) instituíram
princípios para organização e desenvolvimento de todas as etapas e níveis da educação,
com a finalidade de alinhar a formação docente com os desafios pelos quais passava a
educação naquele momento (MORSCHBACHIER, 2012). Conforme recomendado nas
próprias Diretrizes direcionadas à formação de docentes da Educação Básica, este
documento não é soberano, deve ser complementado pelas diretrizes correspondentes a
119
cada área específica. Na análise de Morschbachier (2012) as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica articulam-se com um
projeto maior para “[...] afiançar o direcionamento dos processos de formação humana
com base nas contemporâneas demandas colocadas para a manutenção da sobrevida da
lógica capitalista de produção da existência concreta (p. 10)”.
Mas, o que recomendam essas Diretrizes? Quais são os objetivos, princípios e
competências elencados neste documento? Em que ele tangencia o conhecimento sobre
a aprendizagem na formação docente?
Essas Diretrizes abordam questões referentes às Instituições de Ensino
Superior onde os cursos devem ser oferecidos, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 9394 de 1996 (LDBEN) quanto à autorização, ao credenciamento
e ao reconhecimento das Instituições e dos cursos, assim como outros aspectos:
avaliação, estágio curricular obrigatório, currículo, projeto político pedagógico, dentre
outros; Contudo, não serão discutidos todos estes aspectos neste texto, pois não é
objetivo deste estudo.
A Resolução 01 de 2002 do CNE, em consonância com a LDBEN n.º
9.394/96, em seu artigo 2º, instrui para a organização curricular da formação para a
atividade docente que contemple:
I - o ensino visando à aprendizagem do
aluno; II - o acolhimento e o trato da
diversidade;
III - o exercício de atividades de enriquecimento
cultural; IV - o aprimoramento em práticas
investigativas;
V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos
conteúdos curriculares;
VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de
metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores;
No que se refere, de modo geral, à concepção de docência, infere-se que
referências à teoria do professor reflexivo
14
, em vista do incentivo para que os futuros
docentes desenvolvam competências que visem à autonomia em relação ao próprio
processo de aprendizagem, associação entre o momento de aprendizagem do docente e
14
O professor reflexivo é aquele que reflete sobre sua prática, é a reflexão na própria ação, na busca de
uma aprendizagem significativa para o aluno. Schön (2000, p. 07), caracteriza essa teoria como “uma
nova epistemologia da prática que pudesse lidar mais facilmente com a questão do conhecimento
profissional, tomando como ponto de partida a competência e o talento inerentes à prática habilidosa
especialmente a reflexão-na-ação (o pensar o que fazem, enquanto fazem) [...]”.
120
sua prática, foco para os conteúdos necessários à atuação na Educação Básica e pouca
preocupação com as dimensões de pesquisa e extensão que cabem à Educação Superior.
Quanto à abordagem de aprendizagem na referida Resolução, percebe-se que
esta é tratada de forma superficial; isso pode se dar em virtude de que estas Diretrizes
devem ser complementadas pelas Diretrizes específicas dos cursos de licenciatura e de
pedagogia; Ou pelo fato de que não é objetivo do documento o aprofundamento teórico
das concepções que o embasam; E, ainda, talvez, por não haver preocupação com esta
especificidade em vista do caráter aparentemente prático das orientações para a
formação de docentes. Sejam quais forem as justificativas, o texto da lei permite
interpretar que pouca valorização do conhecimento teórico a respeito dos processos
cognitivos, principalmente, os de aprendizagem.
Saviani (2009) estabelece uma relação que pode auxiliar na compreensão
destas omissões, com o destaque de que os sistemas nacionais de ensino brasileiro
moderno consideraram que a formação de professores é uma questão que merece
atenção, porém enfrentam problemas para delimitar um modelo de formação que atenda
aos aspectos necessários para universalização da instrução elementar. O modelo dos
conteúdos culturais cognitivos foca-se na disciplina que o professor especialista irá
ministrar; Já o modelo pedagógico-didático visa aos aspectos pedagógicos e didáticos.
Na mesma direção apontada por Saviani (2009), estas Diretrizes parecem não
ter encontrado um ponto de equilíbrio entre o conhecimento específico e o pedagógico-
didático, sendo que há evidências de formação sem visão crítica e conhecimento teórico
aprofundado. Como consequência, que conhecimentos científicos os alunos da
Educação Básica terão a possiblidade de se apropriar? Talvez a superficialidade em
abordar os processos cognitivos culmine na formação de sujeitos pouco críticos e que
aceitam o conhecimento prático, tácito, como verdade para viver a sua cotidianidade e
como suficiente para levar ao mercado de trabalho.
À luz da teoria da linguagem de Bakhtin/Voloshinov (2006), estas Diretrizes
expressam um entendimento de aspectos educacionais que é também um
posicionamento político. Desse modo, pode-se dizer que este documento está
atravessado por ideologias, como bem disse Bakhtin (2006, p. 36), “a palavra é o
fenômeno ideológico por excelência [...] A palavra é o modo mais puro e sensível de
relação social”; E por assim ser, reflete ideologicamente as proposições do Estado para
a formação de professores, e em consequência, como se dará a formação dos alunos,
que perpetuarão os modos de produção da sociedade.
121
Ainda, Martins (2010) analisa pelo viés da formação profissional e da atividade
produtiva como um legado do século XX, indicando os aspectos teóricos e ideológicos,
presentes nos discursos do processo de formação inicial e continuada de professores,
veiculados a partir das reformas da década de 1990 e da LDBEN n.º 9.394/96. A autora
destaca a ênfase no pensamento reflexivo como mecanismo para formar sujeitos aptos a
dar continuidade ao atual sistema político e econômico. As exigências mercadológicas
deste sistema direcionam a educação para a formação de trabalhadores expropriados do
produto do trabalho que realizam. Na educação, destaca-se a prática, em detrimento da
teoria, em que o professor constrói o conhecimento sobre o seu trabalho nas situações
cotidianas ao invés de no conhecimento científico.
Importante ressaltar que, de acordo com Vázquez (2011), a prática amplia os
horizontes teóricos, ancora critérios de validade, fundamenta novos aspectos e soluções
de um fazer, e até meios ou instrumentos inovadores, entretanto, a prática não obedece
direta e prontamente às exigências da teoria, mas sim suas próprias contradições, sendo
que apenas em última instância, após um desenvolvimento histórico, a teoria responde
às práticas e é fonte destas. Para Vázquez (2011), existem diferenças peculiares entre
teoria e prática, ou seja, elas não são iguais, às vezes a teoria adianta-se à prática, e
existem teorias ainda não elaboradas como práticas, por isso, a práxis é,
definitivamente, teórico-prática. Isto é, dois lados de uma moeda que se separam por
abstração. No ideário prático, a concepção sobre a aprendizagem limita-se à preparação
dos professores e dos estudantes para resolução de problemas, o que significa atingir
objetivos claramente definidos, como preparar os sujeitos para adaptarem-se ao mundo
em constantes transformações, o que exige profissionais com personalidade flexível e
criativa, autonomia, proatividade, habilidades para a comunicação e o trabalho em
grupos (MARTINS, 2010). Esses objetivos que visam resolver problemas práticos, de
acordo com Martins (2010), principalmente no que concerne às aprendizagens que o
aluno realiza a partir de si mesmo, restringe-se na solução aparente, nos limites do que o
sujeito identifica como problema a partir de seu contexto empírico.
Em contrapartida, destaca-se que o conhecimento sobre os aspectos cognitivos,
principalmente a maneira com que se dá a aprendizagem escolar, é fundamental para a
atuação docente. Pois, compreender a aprendizagem implica em compreender o
desenvolvimento dos sujeitos de maneira integral, e, por consequência, comprometer-se
com o combate às injustiças da sociedade capitalista.
122
Resultados obtidos
A psicologia Histórico-Cultural contribui com a formação docente à medida
que esclarece o lugar do aprendizado escolar, sistematizado, planejado e intencional no
desenvolvimento humano. Nesta perspectiva, Vygotsky e seus sucessores preocuparam-
se em esclarecer a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Meira (2007)
esclarece três pontos principais para entender a psicologia histórico-cultural, o
desenvolvimento, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem e a formação de
conceitos.
O desenvolvimento, segundo a autora, não é um fenômeno natural e universal;
ele é determinado pelo contexto sócio-histórico e se relaciona à atividade principal
desenvolvida pela criança. A atividade principal é aquela capaz de promover
importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança, em uma determinada
etapa da vida (LEONTIEV, 2010). Em cada etapa do desenvolvimento, a atividade
principal se modifica, ora é a brincadeira, ora são os jogos protagonizados, e ainda o
estudo e o trabalho. O desenvolvimento, desse modo, depende intimamente da atividade
principal, que se dá pela interação social e é constituída historicamente.
A relação entre desenvolvimento e aprendizagem é o que vez e voz aos
processos escolares de ensino e aprendizagem dentro desta teoria. A interação da
criança com um adulto permite que a aprendizagem aconteça, pois sem mediação
dificilmente ela aprende espontaneamente os conceitos e práticas do mundo dos adultos.
O aprendizado de conceitos cotidianos não necessita de especialistas em educação para
ocorrer, os familiares e amigos são capazes de ensinar esses conceitos, pois se trata de
representações genéricas, representação das coisas, ou seja, descrição do que em
volta da criança. Por outro lado, para a aprendizagem de conceitos científicos é preciso
maior aprofundamento em relação ao objeto e à realidade, o que promove mais
pontualmente o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Isto resulta na
generalização do pensamento e necessita de um tipo específico de instrução, relacionada
ao conhecimento científico e viabilizada pela educação escolar.
Vygotsky (2010,) esclarece que “a aprendizagem escolar orienta e estimula
processos internos de desenvolvimento (p. 116)”. Nesse sentido, o desenvolvimento não
coincide com a aprendizagem, tampouco são processos simétricos e paralelos, o que
existe é uma relação dialética, de dependência recíproca entre estes dois processos, “[...]
extremamente complexa e dinâmica [...] dependência que não pode ser explicada por
123
uma única fórmula especulativa apriorística (VYGOTSKY, 2010, p. 116)”. Desse
modo, “[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo
um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem
a aprendizagem” (VYGOTSKY, 2014, p. 115). A aprendizagem configura-se, portanto,
em um momento essencial, necessário e universal para que se desenvolvam as
características humanas não naturais, mas formadas historicamente.
Apoiado nesta concepção, Vygotsky (2014) afirma que a boa aprendizagem é
aquela que se adianta e conduz o desenvolvimento, sendo que a educação formal por
meio do ensino possui um importante papel nesse processo, não de desenvolvimento
e aprendizagem, mas na constituição da própria humanização dos sujeitos. A educação
formal veiculada pelo processo de ensino e aprendizagem, na concepção psicológica
histórico-cultural, permite que o professor perceba a aprendizagem consolidada de
seus alunos e passe a agir intencionalmente sobre a aprendizagem em processo, para
que, enfim, esta se torne efetiva e suscite novas aprendizagens potenciais.
Importante destacar que a pedagogia histórico-crítica corrobora com essas
concepções na medida em que destaca como objeto do trabalho educativo “o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente, pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2013, p.
13). Essa concepção pedagógica ressalta como objeto da educação as formas adequadas
para que os alunos possam assimilar os elementos históricos e culturais produzidos por
meio do saber escolar.
Dessa forma, os conceitos científicos ensinados no processo de escolarização
exercem um papel extremamente importante para o desenvolvimento, “cada matéria
escolar tem uma relação própria com o curso do desenvolvimento da criança, relação
que muda com a passagem da criança de uma etapa para outra [da aprendizagem
potencial que se torna real, suscitando novas aprendizagens potenciais] (VYGOTSKY,
2014, p. 18)”; e isso ocorre, não apenas em um espaço reservado e único, do sujeito
consigo mesmo, mas na vivência social.
Meira (2007) ratifica que “a aprendizagem constitui em condição
imprescindível para o desenvolvimento das características humanas (p. 51)”. Desse
modo, depreende-se que o conhecimento sobre o processo de aprendizagem na
formação docente não pode ser superficial, o que difere da ideia protagonizada nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,
124
e em outros ordenamentos legais que tratam da formação de docentes. Em outras
palavras, a aprendizagem dos sujeitos não se relaciona apenas à resolução de problemas
por meio da reflexão imediata de ordem prática, é um processo complexo que necessita
ser estudado e conhecido pelos professores.
Não é intenção deste artigo minimizar os outros conhecimentos necessários para
a atuação dos professores da Educação Básica. Corroboramos com Saviani (2009), que
ressalta a importância de encontrar um equilíbrio entre os conhecimentos específicos de
cada área, os pedagógicos e cognitivos na formação dos docentes. Destacamos aqui que
a teoria embasa a prática docente, e, por isso, o conhecimento teórico deve ser baseado
na práxis por ser subjetiva e coletiva, revelar conhecimentos teóricos e práticos
(VÁZQUEZ, 2011).
Portanto, a partir das considerações tecidas nas teorias aqui representadas,
recomenda-se que os conhecimentos que orientam a formação de professores concebam
o movimento de totalidade, considerando aspectos de conhecimentos específicos
sistematizados, os meios e as formas possíveis para a apropriação destes, viabilizado
por aspectos didáticos e pedagógicos que compreendam claramente o processo de
aprendizagem, e pela utilização dialética e inseparável entre teoria e prática.
Considerações finais
O presente estudo buscou problematizar o “lugar” que a concepção de
aprendizagem ocupa na formação dos professores com base nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, e, observou-se a ênfase
na formação empírica, de cunho prático. Tal constatação gerou preocupações, uma vez
que a aprendizagem, em nosso entendimento, deve superar a resolução de problemas
práticos. Além do mais, a ideologia imposta por esse tipo de teoria pode orientar a
aprendizagem com base no que quer o aprendiz, entretanto, este sujeito ainda encontra-
se em processo de formação. Desse modo, ele necessita de mediação planejada para
desenvolver plenamente suas funções psicológicas superiores, por meio da
intencionalidade objetivada do ensino, conforme esclarece e orienta a psicologia
Histórico-Cultural. Outra preocupação refere-se aos enunciados e ideologias veiculados
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica. Com fundamentos nas teorias de Bakhtin/Volochínov (2006) infere-se que o
texto da lei é uma enunciação, consequentemente é um discurso atravessado por outros
125
discursos, e instiga a questionar que diálogos estão sendo consolidados para orientar a
educação por força da ideologia presentes nas Diretrizes.
De forma ressoante os discursos que, inicialmente, referiram-se à formação de
professores da educação básica, serão reproduzidos nos e pelos alunos. Portanto, os
caminhos e pressupostos trilhados pelos professores da educação básica reverberam nos
sujeitos que atuam na sociedade, e com isso entende-se que cada vez mais os discursos
orientadores do processo de formação docente merecem atenção.
Ter clareza do processo de aprendizagem é pressuposto fundamental na
formação de professores, os quais precisam compreender como esse processo acontece
para desenvolvê-los conscientemente em seus alunos, por isso a necessidade de haver
maiores preocupações e incorporar a concepção de aprendizagem nas Diretrizes, uma
vez que orienta com abrangência todos os níveis e processos educacionais.
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psicológicos superiores. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange
astro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
127
Perfil do professor da educação básica do estado de são Paulo
Christiane Bellório STEVÃO
Lígia M. V. TREVISAN
Guaracy Tadeu ROCHA
Marcela F. FOSSEY
Tânia Cristina A. Macedo De AZEVEDO
Introdução
As avaliações educacionais apontam o fraco desempenho dos alunos brasileiros em
Leitura, Matemática e Ciências. Para justificar, é frequente associar o fracasso à baixa
qualidade do ensino e à fragilidade do processo ensino e aprendizagem. Nesse contexto, a
busca pelo profissional com formação adequada, a caracterização da experiência e das
condições de trabalho do professor, a identificação dos estímulos que lhes são oferecidos e
das condições reais da sala de aula, assumem papel relevante na definição de políticas de
melhoria da qualidade dos projetos educacionais.
O estudo ora apresentado tem o objetivo de organizar informações úteis para a
composição do perfil do professor da Educação Básica, em atividade na rede pública de
ensino do Estado de São Paulo, Brasil. O estudo foi realizado com base em resultados de
avaliações, devendo ser destacados:
a) a análise de dados coletados pelo SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo, sobre os professores da Educação Básica, em questionários.
O SARESP avalia o desempenho dos alunos de 2º, 3º, 5º, 7º e anos do Ensino Fundamental
e 3ª Série do Ensino Médio em Língua Portuguesa Leitura e Redação, Matemática, Ciências
Humanas História e Geografia, Ciências e Ciências da Natureza Biologia, Química e
Física. A avaliação é censitária e se realiza anualmente em Língua Portuguesa e Matemática e
a cada dois anos em Ciências Humanas, Ciências e Ciências da Natureza. Juntamente com a
avaliação de desempenho dos alunos, o SARESP coleta dados sobre o trabalho do professor,
mediante a sistematização das respostas aos questionários respondidos por alunos e suas
famílias, professores, diretores e coordenadores pedagógicos. Nestes questionários, é possível
investigar a percepção da prática do professor em sala de aula, por parte dos diferentes atores
do processo educacional: alunos, suas famílias, diretores, coordenadores e, principalmente, os
próprios professores. Os resultados dos questionários são essenciais para identificar, por
128
exemplo, se as necessidades de desenvolvimento dos profissionais estão sendo atendidas.
Além disso, põem em evidência as práticas pedagógicas que os professores adotam
preferencialmente na execução de seu trabalho em sala de aula. Além dos professores, os
questionários também fornecem dados sobre as funções dos dirigentes escolares e o apoio que
eles emprestam aos seus professores.
No presente estudo, os resultados dos questionários do SARESP foram comparados
com os resultados de estudos internacionais como o TALIS (Teaching and Learning
International Survey), que investiga a percepção de professores sobre as suas condições de
trabalho, inclusive em sala de aula, em 35 países entre os quais o Brasil. Essa comparação
permitiu obter informações que contribuíram para compor o perfil do professor da rede
pública de Educação Básica do Estado de São Paulo.
b) a composição do perfil do professor ingressante na rede paulista de ensino público,
mediante a análise dos resultados de uma avaliação classificatória, em provas destinadas a
investigar as habilidades requeridas para professores da rede pública estadual.
No presente trabalho, são relatados os resultados obtidos para os professores de Ensino
Fundamental II (PEB II) e de Ensino Médio, nas disciplinas das áreas de Matemática, Língua
Portuguesa, Ciências, Biologia, Física e Química.
Coleta de dados e resultados
Primeiramente serão apresentados os resultados da análise de dados que permitem
obter informações sobre as características do profissional que exerce a função docente na rede
de ensino pública estadual. Os dados foram obtidos do Relatório de Estudos do SARESP
2012, que sistematiza as respostas de 59.436 professores da rede estadual, um universo
bastante confiável. O Gráfico 1 mostra a distribuição desse total nas disciplinas de
Matemática para o Ensino Fundamental e Médio, Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental e Médio, Ciências para o Ensino Fundamental II, Biologia, Física e Química
para o Ensino Médio.
129
Gráfico 1 - Questionário SARESP 2012 - Distribuição dos entrevistados por disciplina
Fonte: SARESP 2012.
Em seguida, foram tabulados dados obtidos no Processo Seletivo para Docentes do
Quadro Magistério - Secretaria da Educação/SP, nas disciplinas selecionadas. Esse processo
seletivo, caracterizado como uma avaliação de desempenho para fins classificatórios, foi
integralmente conduzido pela Fundação Vunesp/SP em 2011. O Gráfico 2 reúne os
quantitativos de candidatos ao processo seletivo, nas disciplinas selecionadas para o presente
estudo. Como se pode observar, no conjunto, predominam candidatos para Língua Portuguesa
e Matemática.
Gráfico 2 - Quantidade de Candidatos ao Processo Seletivo para Docentes do Quadro
Magistério - Secretaria da Educação/SP.
Fonte: SARESP 2012.
10436
4153
3761
4084
18696
18306
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
20000
Ciências Física Química Biologia Língua
Portuguesa
Matemática
9497
1656
3722
4759
25016
16659
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
130
A seguir, o apresentados os percentuais de professores segundo o tempo de
magistério na rede pública de São Paulo, conforme publicado no Relatório de Estudos do
SARESP 2012.
Gráfico 3 - Tempo de Magistério do Professor da Rede Pública do Estado de São Paulo.
(Em%)
Fonte: SARESP 2012
Pode-se observar que o maior percentual de professores de Matemática possui no
máximo dois anos de rede, ou seja, são professores que ingressaram recentemente. O quadro
dos professores de Língua Portuguesa é muito parecido com o de professores de Matemática,
sendo a maior parte deles com apenas 2 anos de experiência no magistério de sala de aula. Já
a maioria dos professores de Ciências, Biologia, Física e Química está entre 11 e 20 anos
atuando na rede estadual de ensino. Esse resultado é comparável aos dados divulgados
recentemente pelo TALIS 2013 para o tempo dio de magistério dos professores de alguns
países, como México (15,8 anos), Chile (15,1 anos), Coreia (16,4 anos), Finlândia (15,5 anos)
e Suíça (16,4 anos).
Uma análise mais detida do perfil destes professores da rede estadual de São Paulo
permite perceber a relação entre a qualificação profissional e o tempo de sala de aula. Como
pode ser verificado na Tabela 1, as iniciativas de qualificação se concentram na
especialização e o maior percentual de professores que estão se qualificando com mestrado e
doutorado refere-se aos docentes de Física, Química e Biologia.
31,8 31,8
15,6
11,8
19,6
21,0
25,5
26,6
13,1
16,2
14,7
13,2
22,1
20,5
16,9
23,9
19,5
17,5
16,9
17,0
32,6
34,3
34,0
30,1
3,6
3,8
21,8
13,8
12,2
18,2
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
40,0
Matemática Língua
Portuguesa
Ciências Física Química Biologia
Até 2 anos de 3 a 5 anos De 6 a 10 anos De 11 a 20 anos Mais de 20 anos
131
Tabela 1 - Qualificação do Professor da Rede Pública do Estado de São Paulo.
Você cursou ou está cursando pós-graduação?
Matemática
Língua
Portuguesa
Ciências
Física
Química
Biologia
Sim, especialização/lato
sensu.
35,6
40,1
34,0
35,4
33,4
38,4
Sim, mestrado.
6,8
3,5
3,6
6,8
7,8
7,8
Sim, doutorado.
0,4
0,4
0,9
1,4
2,3
2,0
Fonte: SARESP 2012
Quando analisados os dados de desempenhos dos alunos no SARESP 2012, nas
disciplinas indicadas na tabela, verifica-se que os alunos de ano do Ensino Fundamental se
saíram muito melhor nas provas de Ciências (15,4% no nível Adequado e 2,0% no nível
Avançado) do que nas provas de Matemática (9,1% no nível Adequado e 1,0% no nível
Avançado). Língua Portuguesa não apresentou resultados muito diferentes dos de
Matemática, mas os alunos de ano tiveram melhor desempenho do que em Matemática e
Ciências, com 14,0% no nível Adequado e 1,6% no nível Avançado. Na série do Ensino
Médio, na prova de Ciências da Natureza, composta por questões de Biologia, Química e
Física, 6,7% dos alunos no nível Adequado e 0,6% dos alunos no nível Avançado,
enquanto que em Matemática, na mesma série, 4,5% dos alunos foram classificados no nível
Adequado e 0,3% no nível Avançado. Esses números, ainda que mostrem resultados não
muito significativos em termos percentuais, em em evidência a importância da formação
universitária do professor para dominar o conteúdo que leva para a sala de aula. Segundo
Gonçalves (1992, p. 147), o percurso profissional do professor é o conjunto de três fatores: 1)
Crescimento pessoal; 2) Aperfeiçoamento e aquisição de competências no campo de seu
trabalho; 3) Socialização profissional em termos interativos e normativos.
As provas do Processo Seletivo para Docentes do Quadro Magistério - Secretaria da
Educação/SP, realizado pela Fundação Vunesp/SP em 2011, foram compostas por 20
questões de formação básica e 60 questões de formação específica, elaboradas segundo
Resolução SE 70. Desta avaliação classificatória foram analisados os resultados das provas
de formação específica de Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, Biologia, Física e
Química.
Os perfis profissionais, competências e habilidades requeridos dos educadores da rede
pública estadual nos exames, concursos e processos seletivos promovidos pela Secretaria da
132
Educação do Estado de São Paulo, descritos na referida resolução, embasaram a análise do
desempenho dos candidatos nas provas analisadas. Foram calculados os percentuais de acerto
por questão das provas específicas de cada uma das disciplinas, e nelas identificadas as
habilidades aferidas em cada questão. Os resultados em percentuais foram divididos em
quartis, e as questões que tiveram menos de 25% de acerto foram objeto de estudo mais
detido, destinado a caracterizar as habilidades e, em consequência, os conteúdos, em que os
candidatos demonstraram menor domínio conceitual.
O professor de matemática
O perfil profissional do professor de Matemática está ancorado em duas dimensões
fundamentais: a competência técnica e o compromisso público com a educação. É oportuno
registrar que estas duas dimensões ajustam-se perfeitamente às conclusões obtidas nas
pesquisas com questionários, apresentadas em momento anterior deste estudo. De acordo com
a Resolução SE 70, o professor de Matemática deve possuir as seguintes competências: 1)
gostar de Matemática; 2) Conhecer os conteúdos; 3) Saber criar centros de interesse; 4) Saber
mediar conflitos de interesse; 5) Ser capaz de identificar as ideias fundamentais de cada
conteúdo; 6) Ser capaz de mapear os diversos conteúdos relevantes; 7) Saber escolher uma
escala adequada a cada turma; 8) Ser capaz de construir relações entre outros conteúdos; 9)
Saber construir narrativas que articulem os diversos elementos que possui a história da
Matemática e 10) Ser capaz de alimentar diariamente o interesse de seus alunos. A
demonstração dessas competências se faz em vinte habilidades, também descritas na
Resolução SE 70 e que foram a base para a elaboração das questões da prova, cujos
resultados estão apresentados no Gráfico 4. Na prova de Matemática, os professores tiveram
um acerto médio de 39% de uma prova com 60 questões específicas da área, sendo o máximo
de acertos de 86% e o mínimo de 10% de acertos. Um resultado bastante baixo para uma
prova de conteúdos de Ensino Fundamental e Médio.
O estudo das questões menos acertadas desta prova (menos de 25% de acerto) revelou
que as maiores dificuldades dos professores concentram-se nas habilidades associadas aos
conhecimentos sobre:
a) Espaço e forma construção de linguagem, reconhecimento e representação de
formas e de relações de simetria e semelhança, e a compreensão mais ampla do espaço em
que vivemos, suas representações e suas propriedades;
133
b) Geometria Analítica representar retas e curvas e resolver problemas geométricos
simples por meio de mobilização de recursos algébricos;
c) Probabilidade - compreender a ideia de aleatoriedade, reconhecendo-a em diferentes
contextos, e quantificar a incerteza por meio do cálculo de probabilidades.
Gráfico 4 - Prova de Matemática PEB II e Ensino Médio: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
O professor de língua portuguesa
O perfil profissional traçado pela Resolução SE 70 para o professor de Língua
Portuguesa requer competência técnica, isto é, o domínio dos conhecimentos linguísticos e
literários necessários para o exercício da docência, a compreensão da necessidade de lidar
com o conhecimento não escolar da língua que o aluno traz consigo e o domínio de recursos
metodológicos para a atuação em sala de aula. A partir destas definições mais gerais, o
documento define as seguintes competências que espera-se que o professor de Língua
Portuguesa domine: 1) Conhecer, compreender e problematizar o fenômeno linguístico e o
literário nas dimensões discursiva, semântica, gramatical e pragmática; 2) Construir um olhar
dialético, no espaço didático, entre o que é intrinsicamente linguístico e as instâncias
subjetivas e sociais; 3) Reconhecer as múltiplas possibilidades de construção dos sentidos,
sem situações de produção e recepção textuais; 4) Construir intertextualidades, analisando
tema, estrutura composicional e estilo de objetos culturais em diferentes linguagens, tais como
literatura, pintura, escultura, fotografia e textos do universo digital; 5) Reconhecer os
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% de Acerto
Número da questão na Prova
134
pressupostos teóricos que embasam os conceitos fundantes da disciplina na práxis didática
dos processos de ensino e de aprendizagem; 6) Ampliar sua história de leitor, desenvolvendo
maior autonomia e fruição estética; 7) Refletir sobre a prática docente, articulando
dialogicamente os sujeitos envolvidos, os materiais pedagógicos, as metodologias adequadas
e os procedimentos de avaliação; 8) Reconhecer o ato didático como processo dinâmico de
investigação, intencionalidade e criação; 9) Saber criar situações didáticas que favoreçam a
autonomia, a liberdade e a sensibilidade do aluno e 10) Desenvolver uma atuação profissional
pautada pela ética e pela responsabilidade das interações sociais. A demonstração dessas
competências se faz em vinte habilidades, também descritas na Resolução SE 70 e que
foram a base para a elaboração das questões da prova, cujos resultados estão apresentados no
Gráfico 5.
Gráfico 5 - Prova de Língua Portuguesa PEB II: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
Na prova de Língua Portuguesa, os professores tiveram um acerto médio de 46% em
uma prova com 60 questões específicas da área, sendo o máximo de acertos de 87% e o
mínimo de 14%. Do total da prova, 40 questões tiveram percentuais de acerto inferiores a
50%, que é um resultado pior que o esperado, considerando-se que a prova constitui-se de
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% de Acertos
Número da questão na Prova
Prova de Língua Portuguesa PEB II: Acertos
por questão (Em %)
135
conteúdos que o professor deve dominar para lecionar Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental e Médio.
No entanto, apenas uma questão teve percentual de acerto inferior a 25%. Trata-se de
uma questão que trabalha variação linguística em dois textos (uma transcrição de diálogo
entre um presidiário e sua advogada e um trecho do conto Meu tio o Iauaretê, de G. Rosa), o
que revela que a maior dificuldade dos professores concentra-se nas duas seguintes
habilidades mobilizadas pela questão:
a) Identificar e justificar marcas de variação linguística, relativas aos fatores
geográficos, históricos, sociológicos e técnicos;
b) Justificar a presença de variedades linguísticas em registros de fala e escrita, nos
seguintes domínios: sistema pronominal, sistema verbal e emprego dos tempos verbais.
O professor de ciências
Este professor trabalha basicamente com alunos de Ensino Fundamental II, e em
alguns casos, administra aula de Biologia para o Ensino Médio. Neste trabalho foram
considerados os resultados dos candidatos ao magistério de Ciências do ao anos do
Ensino Fundamental II, dos quais se requer habilidades que demonstrem a capacidade de
mobilizar conhecimento específico de ciências naturais, suas leis, modelos, métodos de
experimentação, tecnologias e relações com outras áreas do conhecimento. A competência
técnica do professor de Ciências se expressa pela sua capacidade de: 1) Reconhecer a ciência
na vida e sociedade; 2) Identificar a ciência como produção do conhecimento; 3) Promover e
valorizar o saber científico; 4) Ser capaz de construir relações com a Física, a Química e a
Biologia; 5) Compreender que o ensino de ciências deve compor a cultura cientifica; 6)
Conduzir a aprendizagem para o trabalho coletivo do aluno; 7) Tratar temáticas dentro da
realidade do aluno; 8) Respeitar o desenvolvimento cognitivo do aluno; 9) Realizar
experiências com participação dos alunos e 10) Ser capaz de motivar seus alunos. A
demonstração dessas competências se faz em vinte habilidades, também descritas na
Resolução SE 70 e que foram a base para a elaboração das questões da prova, cujos
resultados estão apresentados no Gráfico 6.
Em média, a prova de Ciências registrou 45% de acertos, com um acerto máximo de
85% e um acerto mínimo de 11%, mas o acerto em algumas questões ficou abaixo dos 25%.
As habilidades associadas a essas questões menos acertadas foram identificadas como sendo o
reconhecimento de transformações químicas no cotidiano e a compreensão sobre a
136
constituição de materiais e suas propriedades. A elas se associam conhecimentos do campo da
Química.
Gráfico 6 - Prova de Ciências PEB II: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
O professor de biologia
O perfil traçado para o professor de Biologia requer, em síntese, capacidades para: 1)
Reconhecer que a Biologia contribui com a qualidade de vida das pessoas; 2) Reconhecer que
a Biologia influencia a cultura, a arte, a ciência e a tecnologia; 3) Conhecer os conteúdos da
Biologia com profundidade; 4) Ser capaz de organizar os conteúdos para que a aprendizagem
seja significativa e desafiadora; 5) Articular os conteúdos com outras áreas; 6) Evidenciar as
situações concretas da vida dos alunos; 7) Ser capaz de conduzir experimentos e observações
da natureza viva; 8) Valorizar aspectos regionais da flora e fauna e o meio ambiente; 9)
Sensibilizar os estudantes para questões ambientais e de saúde pública; 10) Ser capaz de
mediar discussões entre os estudantes, neles estimulando a pesquisa. Os resultados da prova
elaborada com questões que aferiam as vinte habilidades que derivam das competências de
área estão apresentados no Gráfico 7.
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% de Acerto
Número da questão na Prova
137
Gráfico 7 - Prova de Biologia no Ensino Médio: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
Na prova de Biologia, a média de acertos foi de 47%, configurando o segundo melhor
desempenho entre as provas analisadas, com 76% de acerto máximo e 9% de acerto mínimo.
Como nas demais provas, as questões que registraram acerto abaixo de 25% referem-se à
capacidade de mobilizar conhecimentos sobre saúde e qualidade de vida das populações
humanas, a organização celular da vida, e origem, evolução, princípios da classificação e
diversidade dos seres vivos, nas seguintes habilidades, descritas pela Resolução SE nº 70:
- Contextualizar os conteúdos sobre os ciclos globais da vida identificando as populações e
comunidades;
- Interpretar a teoria celular que envolve a transmissão de informação hereditária;
- Compreender a biologia das plantas assim como sua evolução;
- Compreender a biologia dos animais e sua evolução.
O professor de física
O professor de Física deve ter domínio dos conhecimentos específicos da Física,
qualificando-se a transmitir aos alunos as bases de mecânica, termodinâmica, ótica e
eletromagnetismo, em situações do cotidiano, na contextualização histórica e social, assim
como sua relação com as tecnologias e as ciências da natureza. Para o professor de Física,
também são esperadas dez competências que se resumem em: 1) Reconhecer a presença da
Física na cultura e sociedade; 2) Identificar a ciência como produção de conhecimento; 3)
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% de acerto
Número das questões
138
Saber ensinar as variáveis, grandezas e processos físicos; 4) Ser capaz de relacionar a Física
com as demais ciências, tornando o processo multidisciplinar; 5) Compreender que o ensino
da Física além de desenvolver o lado científico dos alunos também deve promover
habilidades técnicas e valores humanos; 6) Conduzir a aprendizagem para o trabalho coletivo;
7) Tratar temáticas da Física no cotidiano, mas com uma construção científica universal; 8)
Respeitar as etapas de desenvolvimento cognitivo do aluno; 9) Realizar experimentos com a
participação dos alunos; 10) Ser capaz de estimular e motivar o aluno.
Gráfico 8 - Prova de Física no Ensino Médio: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
Na prova de Física, o acerto médio foi de 35%, o menor de todas as provas analisadas
nesta pesquisa, com acerto máximo de 74% e mínimo de 9%. Como nas demais provas, as
questões com percentuais de acerto abaixo dos 25% evidenciaram que as maiores dificuldades
dos candidatos tratavam do domínio conceitual sobre calor e usos de energia, luz e suas
fontes, eletricidade, magnetismo, matéria e radiação, nas seguintes habilidades, descritas pela
Resolução SE nº 70:
- Caracterizar potência e rendimento em máquinas térmicas reais e o impacto social e
econômico do surgimento das máquinas térmicas na primeira revolução industrial;
- Associar entropia e degradação da energia e interpretar ou realizar um balanço energético
nas transformações envolvidas no uso e na geração de energia;
- Caracterizar a luz e suas fontes;
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% de Acerto
Número da questão
139
- Interpretar o caráter eletromagnético de diferentes radiações, inclusive da luz, e
compreender suas características;
- Utilizar, conceituar e dimensionar circuitos elétricos envolvendo propriedades elétricas e
magnéticas de materiais;
- Conhecer modelos de átomos e moléculas para explicar características macroscópicas
mensuráveis, a emissão e absorção de radiação pela matéria, a dualidade onda-partícula, as
radiações do espectro eletromagnético e seus usos tecnológicos.
O professor de química
O professor de Química deve ter domínio do conteúdo administrado e dos recursos
metodológicos que deve utilizar para propiciar o desenvolvimento de habilidades para tomar
decisões, exercer a crítica e intervir na realidade. Ainda de acordo com a Resolução SE 70,
o professor de Química deve possuir dez competências de área que são assim resumidas: 1)
Reconhecer a química como parte da cultura humana; 2) Compreender o conhecimento
químico; 3) Conhecer os conteúdos; 4) Avaliar as relações entre o científico e o tecnológico;
5) Organizar o estudo em fatos perceptíveis; 6) Compreender a ciência; 7) Realizar
procedimentos experimentais; 8) Valorizar o ambiente multidisciplinar; 9) Evidenciar a
química com o dia a dia; 10) Reconhecer a construção do conhecimento do aluno. A exemplo
das disciplinas anteriormente abordadas, a demonstração dessas competências se faz em vinte
habilidades.
O Gráfico 9 mostra que a prova de química apresentou resultados mais significativos,
com média de acertos de 48%, sendo que o máximo de acertos foi de 89% e o mínimo de
15%. As poucas questões em que foi evidenciada maior dificuldade envolvem domínio
conceitual de conteúdos de cinética para reconhecer e controlar as variáveis que podem
modificar a rapidez das transformações químicas, utilizar diagramas de energia para
representar e avaliar as variações envolvidas nas diferentes etapas das transformações
químicas, e de eletroquímica, para explicar transformações químicas que envolvem oxidação
e redução e reconhecer as implicações sociais e ambientais desses processos.
140
Gráfico 9 - Prova de Química no Ensino Médio: Acerto por questão
(Em %)
Fonte: Autoria própria
Considerações finais
O estudo ora realizado abre a perspectiva de utilização de dados coletados em
diferentes processos de avaliação para compor perfis profissionais de professores,
especificamente dos professores de Matemática, Língua Portuguesa, Ciências, Biologia,
Física e Química da rede pública de ensino do Estado de São Paulo. As análises das
habilidades demonstradas em resultados de provas específicas dessas disciplinas permitem
cotejar o perfil que delas emerge com aquele que é descrito na legislação estadual para os
professores daquelas disciplinas. Além disso, a identificação de habilidades para as quais
ações de fortalecimento são indicadas contribui para o planejamento e a preparação de
atividades de capacitação e educação continuada que tenham sentido e significado no
aprimoramento do professor ingressante.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, J. A. M. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, A.
(org.) Vidas de professores. Porto: Porto 1992.
OECD (2014), TALIS 2013 Results: An International Perspective on Teaching and
learning, TALIS, OECD Publishing. Disponível em:
http://dx.doi.org/101787/9789264196261-en. Acesso em: 02 set. 2014.
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% de Acerto
Número da questão
141
Resolução SE nº 70, de 26-10-2010. Disponível em:
http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/RESOLUCCOSENC2BA2070_10.HTM.
Acesso em: 10 set. 2014.
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Relatório dos Estudos do SARESP 2012.
Execução: Christiane Bellorio Gennari de Andrade Estevão, Guaracy Tadeu Rocha, Júlio
César Martins e Ligia Maria Vettorato Trevisan. Fundação Vunesp o Paulo: SEE, 2013.
ISSN 22368566
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Relatório Pedagógico SARESP 2012
Matemática. Execução Rodrigo de Souza Bortolucci, Maria Eliza Fini, Ligia Maria Vettorato
Trevisan, Tânia Cristina A. Macedo de Azevedo Fundação Vunesp São Paulo: SEE, 2013.
ISSN 22378626.
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Relatório Pedagógico SARESP 2012 Ciências
e Ciências da Natureza (Biologia. Física e Química). Execução Guaracy Tadeu Rocha, Ligia
Maria Vettorato Trevisan, Tânia Cristina A. Macedo de Azevedo e Ghisleine Trigo
Fundação Vunesp São Paulo: SEE, 2013. ISSN 22368566
São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Relatório Pedagógico SARESP 2012 Língua
Portuguesa. Execução Carlos G. de Oliveira, Marcela F. Fossey, Zuleika de Felice Murrie,
Ligia Maria V. Trevisan, Tânia Cristina A. Macedo de Azevedo Fundação Vunesp São
Paulo: SEE, 2013. ISSN 22368574
Formação docente em serviço: reflexões anti-bullying
Ivone PINGOELLO
Introdução
O conhecimento exigido para a profissão docente é dinâmico e se desenvolve de
acordo com as mudanças ocorridas na sociedade e com as novas pesquisas na área da
educação. A formação em serviço confere ao professor o status de sujeito, de participante
ativo que é capaz de construir um quadro teórico/prático a partir das experiências
educacionais. Nesse contexto, a função da formação em serviço é questionar os
conhecimentos que estão sendo postos em prática no exercício da função docente e contribuir
com o aperfeiçoamento ou inovação dos conhecimentos e metodologias.
A Formação em Serviço minimiza os problemas práticos relacionados à falta de tempo
dos professores, pois pode acontecer nos horários de atividades destinados a este fim, dentro
da carga horária de trabalho do professor; Aumenta o número de participantes, pois o
interesse em participar não será afetado pelas dificuldades da falta de tempo e locomoção em
horários fora do horário de serviço; Facilita a organização dos grupos de estudos que poderá
ser feito por área de interesse.
Nessa linha de raciocínio, a Formação em Serviço, no nosso caso, tem como objetivo
desenvolver conhecimento teórico que embase a prática anti-bullying, unindo ação-reflexão-
ação no próprio local de trabalho, diminuindo a distância entre a teoria e a prática,
promovendo a análise teórica concomitante à reflexão da práxis realizada no contexto real.
A formação em Serviço
Na premissa da transmissão de conhecimento o professor primeiro o adquire para
depois poder transmiti-lo a seus alunos, e isso promove a ideia de que o professor deve ser
especializado na arte de ensinar, colocando em segundo plano a arte de aprender. Conforme
explica Demo: “A rigor, não existe mais profissional do ensino, porque este tipo de atitude
unidirecional é o que mais atrapalha a aprendizagem. Existe apenas profissional da
aprendizagem, que é o professor.” (DEMO, 2001, p. 6).
143
Nessa questão podemos utilizar a fala de Samuelsen e Ertesvåg (2006) que declaram
que, se a escola quiser continuar sendo uma instituição que ensina, tem que se converter em
uma instituição que aprende. Entende-se por instituição que aprende - pessoas que estudam,
indo na contramão dos guardiões do saber, como citam Samuelsen, Ertesvåg (2006) e Demo
(1998), que são os professores que não procuram ampliar os conhecimentos adquiridos,
mantendo o mesmo nível de conhecimento da época da primeira formação, sem reflexões
sobre as inovações ocorridas no passar do tempo.
Perrenoud (2002) cita a preguiça intelectual como um empecilho para a prática
reflexiva, os professores que empurram os problemas para terceiros não querem pensar,
refletir, investigar mais profundamente o problema, a preguiça intelectual toma conta e tudo o
que se observa parece ser sempre a mesma coisa. Não é considerado professor reflexivo
aquele que reflete na urgência da necessidade, mas aquele que reflete continuamente sobre
todas as suas ações. A reflexão na ação docente deve ser a base de uma análise dos métodos,
da instrumentalização que cause efeitos nas ações pedagógicas. “Uma prática reflexiva não é
apenas uma competência a serviço dos interesses do professor, é expressão da consciência
profissional.” (PERRENOUD, 2002, p. 50).
O ambiente escolar é um território fecundo para a reflexão, para a construção e
reconstrução de conceitos e incorporação de novos saberes. É no cenário profissional que as
dificuldades e incertezas explicitam a necessidade do professor em solucionar os problemas,
analisá-los, interpretá-los e refletir sobre a complexidade tanto dos problemas como das
possíveis soluções. Dessa forma, como esclarece Imbernón (2011), o professor gera
conhecimento, constrói teorias e conceitua a realidade escolar. Para o autor, não podemos
conceber a formação continuada apenas como atualização científica e sim como construção de
novos saberes a partir da prática que se analisa.
Na definição de Perrenoud (2002), a reflexão no campo da ação permite a
retrospectiva e prospectiva: a retrospectiva está ligada ao balanço que se faz dos
acontecimentos, das causas e consequências, o que deu certo e o que deu errado, o que poderá
ser aproveitado e melhorado e o que terá que ser descartado; a prospectiva deve servir para
“capitalizar experiências”, conforme esclarece Perrenoud (2002, p. 36), ou seja, transformar
as experiências em conhecimentos, habilidades ou competências capazes de serem utilizadas
em outras ações. Neste seguimento, a prospectiva está atrelada à retrospectiva, a projeção para
futuras ações deve ser baseada no balanço que se faz na retrospecção. A decisão de mudança
144
ou de continuidade não deverá ser baseada em experiências do senso comum, mas em
conhecimentos empíricos aperfeiçoados em cursos de formação docente de natureza contínua.
Para Perrenoud (2002), a formação continuada propicia a regulação cognitiva no
momento da ação e permite a reflexão posterior, distanciada da ação, para a autoavaliação
que, por sua vez, remete ao aperfeiçoamento de novas regulações cognitivas que serão
utilizadas no momento de novas ações pedagógicas.
Para a renovação do pensamento e saberes escolares muitas possibilidades, entre
elas, a Formação em Serviço, que pode ser realizada no contexto escolar e nas horas de
atividades dos professores. Sabendo que todo projeto de inovação causa conflitos, o melhor a
fazer é preparar-se antecipadamente para enfrentar os obstáculos que podem surgir.
Barreiras a serem transpostas
Para o processo de renovação do pensamento escolar é necessário que se faça a
identificação e análise das reais necessidades da escola para que se obtenha sucesso em um
processo de intervenção. A análise das necessidades oferece à comunidade escolar a
oportunidade de participar do planejamento das atividades em direção a um objetivo comum.
Essa análise pode ser feita de várias formas, no caso do bullying pode-se analisar a frequência
de registros de violência, o regimento interno escolar e qual a atitude que se orienta para a
intervenção, pode-se observar o ambiente escolar, a sala de aula, aplicar questionário ou
entrevistar a comunidade escolar.
Avaliadas as necessidades da escola, organiza-se um projeto de renovação. No caso da
necessidade ser o enfrentamento ao bullying, Samuelsen e Ertesvåg (2006) sugerem um
conteúdo estratégico que desenvolva um conhecimento organizativo que pode levar as escolas
a superar o problema. Porém, nesse processo de aquisição de novos conhecimentos, que
podem promover a reconstrução do velho saber, algumas barreiras podem surgir, e entre elas
os autores citam as seguintes:
Barreiras psicológicas: Se referem ao medo de mudança, acomodação, medo de errar e
fazer um papel ridículo perante a sociedade, de sair de uma área segura para outra que se
considera insegura. Nesse ponto, entendemos que para alguns professores ser guardião do
conhecimento é mais seguro do que se aventurar pelo desconhecido. Nesse caso, deve-se
trabalhar a autoestima dos professores envolvidos, aumentar a segurança e confiança em si
mesmo, resgatar o valor da educação e esclarecer que os resultados atingidos pela força da
educação são mais duradouros que os obtidos pela força da punição.
145
Barreiras práticas: Têm caráter mais concreto e estão relacionadas ao tempo, recursos,
objetivos e sistemas pouco definidos. a necessidade de se programar visando agendar
horas para os estudos ou encontros, quais os recursos que se têm disponíveis, quais os
objetivos das mudanças propostas para que todos possam compreender o porquê da
necessidade de mudar, e, em função disso, a organização das ações escolares pode ser
definida por meio de projetos de ações que contemplem as mudanças necessárias.
Barreiras de valores e poder: Nas barreiras de valores depara-se com normas,
tradições, culturas e sistemas de crenças contrárias ao que se deseja implantar como processo
inovador. Podemos citar, como exemplo, um professor que acredita que a punição é mais
eficaz que o diálogo no combate a violência ou que o professor deve ser autoritário para
conseguir manter a disciplina em sala de aula. No caso das barreiras de poder, esse
autoritarismo que alguns professores acreditam ser necessário pode representar a manipulação
da situação em benefício próprio, como, por exemplo, manter os alunos no mais absoluto
silêncio para que se tenha dele uma imagem de bom professor, aquele que consegue controlar
a turma. Leituras e discussões sobre as mudanças ocorridas nas relações sociais podem levar
os professores a refletirem sobre o Ensino Tradicional que foi superado pelo ensino na
complexidade.
Ainda nas barreiras de valores podemos citar o caso de professores que se julgam
demasiadamente superiores aos demais professores. Esse professor que se julga superior, se o
fosse realmente, saberia que conhecimento guardado não se multiplica, portanto não tem
utilidade prática e, nesse caso, os professores que possuem maior conhecimento que outros
podem colaborar com o grupo e partilhar seus conhecimentos, partindo da concepção de que
sempre temos algo a aprender e algo a ensinar.
Para Ertesvåg (2006), o conhecimento promove a compreensão que é essencial para
qualquer ação educativa e o autor sugere alguns passos processuais, dentre eles a realização
de encontros para estimular o debate e a reflexão sobre o tema em questão: Em primeiro lugar
cada pessoa individualmente reflete sobre suas próprias ideias e suas compreensões; Em
segundo lugar formam-se grupos pequenos e cada um apresenta sua compreensão aos
membros do grupo e o grupo discute os pontos mais importantes; Por último, cada grupo
apresenta os resultados de seu debate para os demais grupos e a discussão é aberta a todos em
sessão plenária. Esse procedimento pode ser utilizado tanto em encontros de alunos como de
professores e pode-se propor que, baseados nos relatos, seja formulado um documento,
146
estatuto ou Regulamento Responsivo ou Estatuto Regulamentar que orientem as ações
definidas pelo grupo.
Quaisquer que sejam as alternativas educativas, incluindo as que envolvem o controle
da violência escolar, devem ser sempre baseadas em procedimentos democráticos. As escolas
carecem de novas perspectivas de enfrentamento à violência escolar, de superação de velhos
hábitos e crenças punitivas e desenvolvimento de habilidades consensuais entre os
educadores.
Metodologia da pesquisa
O objetivo desta pesquisa foi verificar as contribuições que a formação continuada em
serviço pode promover no enfrentamento ao bullying escolar. Partimos da hipótese de que
professores informados podem desenvolver conhecimentos que podem contribuir com as
ações docentes para a redução da prática do bullying em sala de aula.
Nossa pesquisa foi empírica e os procedimentos adotados foram descritivos e
observacionais, realizados no contexto natural sem manipulação planejada de variáveis. O
foco principal dos trabalhos foi a realização de encontros com o objetivo de fornecer
informações, desenvolver conhecimentos e promover reflexões sobre as práticas anti-bullying
no contexto escolar. Como instrumentos de coleta de dados foram adotados dois questionários
semiestruturados, um aplicado no início da pesquisa para avaliar a percepção que os
professores têm sobre o bullying e outro aplicado ao final dos encontros para avaliação dos
encontros realizados, fichas de avaliações de atividades e registros por escrito e gravações em
áudio dos encontros. Os dados foram analisados qualitativa e quantitativamente.
Resultados
Os dados da pesquisa foram coletados no ano de 2010 em uma escola da rede estadual
do estado do Paraná, e os participantes foram oito professores que lecionavam em cinco
turmas do ano, sendo 7 do sexo feminino e 1 do sexo masculino, com idade variando entre
30 e 50 anos. Todos com graduação na área em que atuavam, sendo que 7 educadores tinham
curso de Especialização e 1 educador, além do curso de especialização, possuía Mestrado. A
média de tempo exercendo a profissão era de 16 anos.
Os resultados do primeiro questionário aplicado revelaram que a maioria dos
professores participantes não conheciam as características específicas do bullying.
147
Confirmaram a presença em sala de aula de alunos que são excluídos dos círculos de
amizades e das equipes de trabalhos escolares. Sete professores declararam terem dificuldades
em intervir em casos de bullying.
Citaram como comportamentos agressivos que mais ocorrem em sala de aula a
agressão verbal e os empurrões. Os apelidos apareceram em segundo plano quanto a serem
considerados atos agressivos mais vistos em sala de aula. Quanto aos procedimentos adotados
diante dos atos que consideraram agressivos, os participantes relataram que tentam dialogar
com os envolvidos; Chamam a atenção; Ameaçam que vão fazer ocorrência ou o faz e
registram por escrito no livro do professor a ocorrência; Chamam os pais ou responsáveis para
conversar; Encaminham para a Orientação, Supervisão ou Direção.
Retomamos aqui o tema debatido por Samuelsen e Ertesvåg (2006) quando os autores
expõem a necessidade de a escolar aprender se quiser continuar sendo uma instituição que
ensina. A principal necessidade para o enfrentamento ao bullying, declarada pelos
professores, foi o conhecimento, e a principal dificuldade revelada foi a falta dele, e os
principais anseios revelados pelos professores foi o saber agir. Fato verificado nos
comentários dos professores, como: Não sei como e nem o que fazer diante de uma situação
como esta em sala de aula.”; Ou quando citam o não saber agir, não saber identificar os
protagonistas, tratar o bullying como violência pontual, o se sentir preparado e usar de
ameaça na tentativa de resolver o problema por não conhecer outras formas de solução.
E, para completar o quadro das dificuldades sentidas pelos professores, o apontadas
por eles a falta de apoio pedagógico; Falta de tempo para lidar com a situação e material
diferenciado para serem utilizados em atividades em sala de aula. Essas são situações citadas
por Abramovay (2002) que, de alguma forma, contribuem para a ocorrência da violência no
ambiente escolar.
Quando o caso é encaminhado para a equipe pedagógica ou direção, os professores
relataram que todos os atos envolvendo violência seguem os mesmos procedimentos: a escola
chama os envolvidos para conversar, faz registro da ocorrência, se necessário convida os pais
dos alunos envolvidos para uma conversa e aciona a patrulha escolar nos casos mais graves.
Nas sugestões de medidas que poderiam ser adotadas pelos professores no trato com o
agressor surgem as indicações de sete práticas punitivas, como ser mais rígido na correção dos
comportamentos indesejados, e seis práticas educativas que podem ser promovidas pela
escola, como diálogo constante com os agressores. Nas sugestões de ações que podem ser
148
realizadas pela escola para combater o bullying, houve um maior número de ações educativas,
como oferecer conhecimento sobre práticas anti-bullying a todos os envolvidos com a escola.
Nas ações sugeridas para os professores houve um maior número de indicações
punitivas, nas ações sugeridas para a escola, onde se compreende a ação da equipe pedagógica
e direção escolar, houve um maior número de ões educativas, como se fossem instituições
distintas.
Partindo dessas dificuldades apontadas pelos professores, formulamos um cronograma
com oito encontros para estudos referentes ao tema proposto, que foi o bullying escolar.
Foram feitos registros escritos dos encontros com os professores que resultaram em relatórios
semanais, e além destes registros foram feitas gravações de áudio de todos os encontros.
As atividades de estudos realizadas com os professores seguiram conforme o
planejado, com algumas exceções, as quais foram previstas com a ajuda do texto de
Samuelsen e Ertesvåg (2006). As três barreiras citadas pelos autores, como as barreiras
psicológicas, práticas, de valores e poder estiveram presentes no decorrer dos encontros
realizados. Enfrentamos situações de pouco interesse por parte de alguns professores,
oposições de valores quando se privilegia a punição e se desacredita no poder do diálogo
educativo, e falta de local, material e tempo para a realização dos encontros e das ações
educativas.
Foram realizados oito encontros em oito semanas consecutivas. O primeiro encontro
teve como objetivo proporcionar aos professores os conhecimentos teóricos científicos sobre
o bullying para que eles pudessem compreender e identificar os casos de bullying ocorridos
em sala de aula. Foram discutidos os principais conceitos e características que definem o
bullying (PINGOELLO, 2012). No segundo encontro foram feitas leituras e debates sobre as
principais características dos envolvidos com o bullying, agressor, vítima e espectadores, para
que o professor pudesse identificar os envolvidos (PINGOELLO, 2012). Os debates dos dois
encontros ficaram em torno de relatos de casos e os professores utilizaram o tempo para
desabafar ou reclamar da falta de apoio tanto da escola como do estado. Um professor
declarou ter desistido de tentar melhorar o clima na sala de aula quanto ao comportamento
dos alunos, segundo o relato do professor: “Nada mais vai adiantar, nada vai mudar”.
Tal afirmação indícios da desistência psicológica da profissão citada por Codo
(1999) e a não percepção do professor em relação ao papel que desempenha no contexto
escolar citado por Koehler (2006). O professor pode não estar percebendo as consequências
ou os efeitos do seu papel no contexto educacional e, como ele acredita que tudo o que fizer
149
não vai surtir efeito, desiste de intervir. Desistindo de intervir, ele transmite duas mensagens,
a mensagem da não responsabilização do agressor e a mensagem de desproteção para a
vítima.
As atividades realizadas no terceiro encontro tinham como foco principal fundamentar
teoricamente a prevenção e intervenção ao bullying escolar e reforçar os conhecimentos
adquiridos sobre bullying nos encontros anteriores.
No quarto encontro foram discutidas as dificuldades e barreiras na implantação de um
projeto anti-bullying no contexto escolar. Foi utilizando o texto de Samuelsen e Ertesvåg
(2006) como base de estudos. Nesse encontro, dentre as barreiras discutidas, cinco professores
citaram a falta de coerência dentro do próprio grupo de professores e entre estes e a equipe
pedagógica. Foi citada por um professor a necessidade de unidade no falar dos professores e o
descompasso entre os discursos dos professores e os da equipe pedagógica: Esta incoerência
acaba por deixar o professor desacreditado e sua autoridade abalada”. Tanto Abramovay
(2002) como Samuelsen e Ertesvåg (2006) destacaram essa falta de coerência como um
desafio a ser superado na implantação de estratégias de combate à violência escolar.
No quinto encontro foram discutidas as diversas formas de manifestações da violência
escolar e as características que diferenciam violência de indisciplina, a base de estudos foram
dois textos de Ortega et al (2006a; 2006b).
No sexto encontro foram realizadas seis atividades de compreensão e análises de casos
com o objetivo de compreender as diferentes formas e conceitos da violência escolar para
saber diferenciá-las e poder tomar as medidas cabíveis a cada caso (PINGOELLO, 2012).
Nesse encontro, os professores reclamaram da desvalorização do professor, da cobrança de
uma aula atrativa, como se a aula tivesse que ser como um show artístico. Houve a
reclamação de que os textos teóricos utilizados nas semanas pedagógicas pouco contribuem
com a prática em sala de aula, pois não trazem explicações de situações problemáticas reais e
formas de enfrentá-las em sala de aula. Essa reclamação também foi registrada por Belintane
(2002), quando professores reclamaram do distanciamento entre as teorias vindas das
universidades e a real necessidade das escolas.
No sétimo encontro foi lido o texto “Propostas de Procedimentos Interventivos Anti-
bullying (PINGOELLO, 2012), acompanhado de discussões sobre os procedimentos
sugeridos e sobre certas condutas adotadas por alguns professores que podem piorar a
situação da vítima de bullying. O oitavo encontro foi destinado à produção de um cronograma
150
de atividades que os professores poderiam realizar com os alunos em sala de aula para a
prevenção da prática de bullying.
Findado os encontros, aplicamos um questionário para avaliar a Formação Docente em
Serviço, e os resultados apontaram que seis professores avaliaram como ótimos e dois
professores avaliaram como bons os encontros realizados. Os conteúdos estudados nos
encontros foram considerados apropriados ao objetivo do projeto pelos oito professores.
Quanto ao tempo utilizado para os encontros, sete professores declararam que o tempo gasto
nos encontros foi suficiente e um professor declarou que o tempo foi insuficiente. Em relação
ao local dos encontros, a sala de estudos da escola, os oito professores consideraram
apropriado e um professor teceu comentários sobre os ruídos que atrapalharam a
concentração. Os oito professores declararam que seus procedimentos diante do bullying
melhoraram e que as dificuldades para enfrentar o fenômeno diminuíram.
Considerações finais
A partir das avaliações podemos considerar que o procedimento de formar professores
em serviço é possível e que podemos melhorar as práticas anti-bullying dos professores com o
melhor e mais eficaz instrumento para a contenção da violência escolar, que é a informação.
A informação promove o conhecimento que pode promover a compreensão, a reflexão
e a autorreflexão das práticas realizadas até então no combater à violência escolar. Refletindo
sobre a ação é possível detectar a necessidade de renovações que devem ser realizadas na
escola. Essa deve ter como princípio o aprender se quiser continuar sendo uma instituição que
ensina.
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152
Cooperar, refletir e formar
Maria Angela BARBATO CARNEIRO
Introdução
Há alguns anos trabalhamos com a formação docente na universidade, tanto no curso
de Pedagogia, quanto nas licenciaturas, assunto este, que analisamos sob diferentes
perspectivas. Porém foi a partir do ingresso no Programa de Educação Tutorial (PET) em
2010, que o nosso olhar voltou-se de maneira especial, para um projeto que pudesse qualificar
mais os docentes que eram formados no curso de Pedagogia, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Para isso fez-se necessário que entre as principais características do
processo de formação estivessem o desenvolvimento das capacidades dos alunos de tomarem
decisões, de agirem com responsabilidade, de serem reflexivos e críticos, de conhecerem e
aplicarem os conhecimentos ensinados e, especialmente de cooperarem. Tais características
mostravam-se fundamentais para uma formação de qualidade dos profissionais de
licenciatura.
O planeta está cada vez mais povoado, movimentos migratórios existem em toda a
parte, a globalização se expande por todo o mundo, as distâncias foram abolidas pelos
inúmeros processos de comunicação, as informações, cada vez mais rigorosas, estão à
disposição de diferentes profissionais em tempo real. No entanto, não podemos mais receber
apenas os conhecimentos sem processá-los e sem realizar algum tipo de reflexão que nos
permita perceber se são adequados ou não.
É impossível considerarmos, na escola, procedimentos metodológicos satisfatórios
aqueles que não atinjam todas as crianças, pois a educação é uma das principais causas da
exclusão social.
Russel (2014) muito bem colocou que nos dias de hoje os pais têm a oportunidade de
escolher métodos novos na educação de seus filhos, pois não uma educação universal. Tal
pensamento deveria se estender à profissão docente, onde os profissionais não deveriam se
contentar em ensinar poucos privilegiados, pois tal atitude tem reforçado ainda mais as
diferenças entre os homens.
153
Uma das atividades mais características do gênero humano é a curiosidade a grande
mola que gera o conhecimento. Quando isso ocorre, ele se apaixona e avança e esse deve ser o
ponto de partida da educação, porque se ela não conseguir motivar, o oferecer prazer, a
aprendizagem não ocorrerá.
Infelizmente, vivemos uma crise mundial de valores e a educação está no bojo desse
processo. Sua desqualificação está ocorrendo em quase todos os países e a culpa tem sido
atribuída, na maioria das vezes, à formação dos docentes. Isso não significa, porém, que
parte dessa responsabilidade não é do professor, mas ele não é o único responsável pelas
mazelas do ensino.
“A educação tem, pois, uma especial responsabilidade na edificação dum mundo
mais solidário... (Delors. 2003.43), portanto torna-se mister que a formação de profissionais
envolva o contato com o pluralismo de ideias, com diferentes culturas, com inúmeros grupos
e diversas metodologias que promovam, sobretudo, a cooperação, de modo que se possa
responder aos múltiplos desafios da atualidade.
A educação, portanto, deve dotar os seres humanos da capacidade de dominar o seu
próprio desenvolvimento de tal sorte que todos possam participar, mas ainda está muito longe
de atingir essa meta.
Pensar m uma educação repleta de conteúdos e mais rígida não pode continuar
sendo o modelo adequado, uma vez que tem se mostrado ineficiente e ineficaz, deve se basear
em outros alicerces que possam inserir os homens no seu mundo e na cultura do seu tempo.
Uma das possibilidades que se abre são as experiências realizadas em escolas
criativas nas quais muitos docentes buscam novas formas de realizar-se, conectando e
reconectando saberes, reconstruindo realidades, utilizando diferentes metodologias, buscando
intensamente obter a aprendizagem dos alunos e, especialmente, cooperando.
Torre (2010) mostrou que educação consiste em aprender a trabalhar os
conhecimentos a partir de novos instrumentos do pensamento, evitando o reducionismo, a
segmentação dos conteúdos e o isolamento.
Na universidade muito tempo, apesar de os profissionais apregoarem o valor de
um trabalho integrado, nem sempre adotam tal prática, oferecendo, assim, um ensino
extremamente abstrato e fragmentado aos alunos. Contrariamente do que ocorre em outros
níveis de escolaridade, a docência nos ensino superior é exercida por várias pessoas,
favorecendo a desarticulação. Tal procedimento é comum também nos cursos de Pedagogia.
154
Diante de tal realidade o Programa de Educação Tutorial do Curso de Pedagogia, na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pareceu-nos, então, uma oportunidade ímpar
tanto para ampliar os horizontes de formação dos alunos do referido curso, oferecendo-lhes,
uma práxis diferenciada e criativa, quanto para estreitar as relações. Por ser um projeto que
alia o ensino, a pesquisa e a extensão, vislumbra “desenvolver atividades acadêmicas em
padrões de qualidade de excelência, mediante grupos de aprendizagem tutorial de natureza
coletiva e interdisciplinar” (MEC.2009)
Objetiva, ainda, formular novas estratégias de desenvolvimento e modernização nas
universidades. Para tanto, procura estimular a formação de profissionais e docentes a obterem
elevada qualificação, contribuir para a adoção de novas estratégias de desenvolvimento e
modernização desse nível de escolaridade e para promover a colaboração e o diálogo entre os
diferentes cursos.
Portanto, realizar um trabalho de ampla formação acadêmica e de qualidade se
colocou como um desafio, pois seria a oportunidade de os alunos da universidade
experimentarem novas metodologias, descobrirem possibilidades de transformar suas práticas
e refletir sobre elas e, acima de tudo, aprenderem a cooperar.
O PET, como é chamado o programa na universidade, é um projeto criado pelo
Ministério da Educação, regulamentado pela Lei No. 11.180 de 23 de setembro de 2005 e
pelas Portarias MEC No.3.365, de 29 de setembro de 2005 e No. 1632, de setembro de 2006,
e “destina-se a apoiar grupos que demonstrem potencial interesse e habilidades destacadas em
cursos de graduação das Instituições de Ensino Superior _IES”.
15
Tal programa, sob a orientação de um tutor, propicia aos alunos a realização de atividades
extracurriculares não presentes nas estruturas curriculares convencionais do curso no qual
estão matriculados complementando a formação acadêmica, aprofundando e ampliando os
conteúdos programáticos existentes.
Com uma visão ampliada do processo ensino aprendizagem o PET favorecia ao tutor
responsável e aos seus alunos a possibilidade de ousar, utilizar e refletir sobre novas práticas e
buscar uma maior integração entre eles.
O programa apresenta, ainda, sérios compromissos epistemológicos, pedagógicos,
éticos e sociais buscando formar integralmente os universitários enquanto cidadãos e seres
humanos.
15
Programa de Eucação Tutorial PET. Manual de Orientações Básicas
155
Na perspectiva epistemológica o grupo tutorial desenvolveria ações de ensino,
pesquisa e extensão contribuindo para uma reflexão crítica da realidade e dos princípios
básicos que norteiam a educação, permitindo a formulação de hipóteses, passíveis de serem
testadas na busca de um ensino de melhor qualidade.
No âmbito pedagógico se propunha a estimular a aprendizagem ativa de seus
membros, permitindo a adoção de novos procedimentos que extrapolassem a perspectiva
convencional da educação escolar.
Do ponto de vista ético e social, com base na ação em grupo e na dedicação ao curso,
permitiria desenvolver a capacidade de trabalho em grupo, facilitando a compreensão das
características individuais e a convivência grupal, respeitando a diversidade.
No curso de Pedagogia tais questões pareciam ser mais relevantes, uma vez que ele
objetiva formar docentes para a educação básica, como etapa mais importante do
desenvolvimento humano. Ora, “aprender e ensinar são possíveis pela intervenção do
outro” (Cordeiro, 2007.113) e uma das competências do professor é promover a
aprendizagem ativa do aluno dentro do contexto em que vive e ter consciência das vantagens
coletivas de participar de uma vida mais democrática e mais justa.
Infelizmente, a formação docente, no Brasil, desde as suas origens apresentou a
características extremamente acadêmicas e competitivas, inspiradas em modelos europeus.
Adiciona-se, ainda, a elas a ausência de políticas públicas adequadas que atendessem melhor
às necessidades do contexto o que favoreceu sobejamente o aumento das críticas em relação à
formação docente.
Vale a pena salientar que, nas décadas de 80 e 90, apesar da existência de um
movimento de expansão do ensino superior que favoreceu a multiplicação dos cursos, o
modelo adotado continuou sendo o mesmo, que aliado a um crescimento desordenado desse
nível de escolarização, acabou determinando a baixa qualidade da formação de profissionais.
Apesar das mudanças legais nos anos 90 a formação docente não avançou, sendo
objeto de severas críticas.
O Programa de Educação Tutorial do Ministério da Educação é, no contexto atual,
um projeto singular, porque favorece a cooperação dos interessados no trabalho, criando um
clima de responsabilidade e um compromisso social, estimulando a ousadia, a descoberta e a
criatividade, favorecendo a aprendizagem.
Concordamos com Bruner (1968) para quem a aprendizagem envolve três processos
simultâneos, a aquisição de uma nova informação, a sua transformação e a aplicação às novas
156
situações. Portanto, para o tutor trabalhar com o grupo PET significava, também, estimular a
aprendizagem dos alunos porque as ações envolvem múltiplas possibilidades de aliar as
teorias às práticas, oferecendo-lhes a oportunidade de planejar, praticar e avaliar
sistematicamente as suas ações, através da observação, do diálogo, da reflexão e da
colaboração. Isso permitia uma relação contínua entre a teoria e a prática.
Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), o PET do curso de
Pedagogia funciona desde 2010 e realizou vários projetos. A escolha de trabalhar nele
particularmente com a formação de profissionais na área da infância referia-se, por um lado, à
experiência docente realizada no seio do próprio curso, isto é, na habilitação específica em
educação infantil. Por outro, devido à participação em grupos de investigação cujo objeto
central é a infância.
Nesses grupos tivemos acesso a documentos da UNESCO (2002), por exemplo, que
alertavam que todas as estratégias que visam melhorar o atendimento nessa faixa etária,
poderão contribuir para diminuir a pobreza mundial e favorecer o desenvolvimento adequado
do ser humano.
Nesse âmbito o PET se mostrou como um fórum privilegiado de discussão,
conscientização e formação de docentes, incluindo a educação infantil, permitindo aliar a
teoria à prática de uma forma dialógica, favorecendo a prática de reflexões contínuas,
envolvendo as experiências inovadoras, permitindo um maior entendimento das culturas
existentes no contexto escolar. Além de todas as possibilidades oferecidas pelo projeto poder-
se-ia conhecer e experimentar novas metodologias de trabalho que respeitassem o
desenvolvimento dos seres humanos e, principalmente, que fortalecessem a formação de
vínculos.
Até que ponto, então, o PET poderia estimular a cooperação entre os alunos, uma vez
que uma das bases do projeto é trabalho em grupo, modalidade esta importantíssima para
proceder às mudanças nas escolas?
Tomamos como ponto de partida um de seus objetivos que explicitando que a ação
grupal e a dedicação ao curso, facilitariam o desenvolvimento do trabalho em equipe,
condição indispensável para a realização de projetos pedagógicos de qualidade.
Portanto, tornava-se objetivo principal das atividades realizadas com os alunos do
PET, observar o quanto o projeto poderia favorecer o desenvolvimento do espírito de
colaboração entre eles uma vez que este é um dos grandes desafios da escola brasileira.
157
Maturana, (1990), tratando do desenvolvimento humano, mostrou que eles não são
apenas animais políticos, mas cooperativos, considerando a cooperação como elemento
fundamental para a sobrevivência e o avanço das sociedades humanas.
Para trabalhar em grupo é necessário confiar, isto é, tornar-se cumplice das outras
pessoas. Isso mostrou o quanto o desenvolvimento individual e social dos alunos poderia
ocorrer simultaneamente e contribuir para uma formação profissional de melhor qualidade.
“A socialização de cada indivíduo e o seu desenvolvimento pessoa não devem ser coisas
antagônicas. Deve tender-se a um sistema que procure combinar as vantagens da integração e
o respeito pelos direitos individuais” (Delors, 1996. 59). Logo, um dos fatores para uma
educação exitosa e de qualidade é que ela contribua para o desenvolvimento do querer “viver
juntos”.
Ser professor hoje exige, portanto, conhecimento, ousadia, criatividade e cooperação,
pois a educação não é um ato isolado, mas é fruto de um trabalho coletivo e somente através
da cooperação poderia haver um avanço na qualidade da docência.
Como mostrou Morin (2000), o conhecimento por maior dificuldade que apresente e
por mais aleatório que seja, é uma necessidade vital e global do ser humano e para que seja
significativo deve ser realmente aprendido e compartilhado
16
e isso pode ocorrer mais
facilmente quando o professor atua como mediador, provocando questões inteligentes que
façam os alunos pensarem.
Com base em tais pressupostos, na formação de professores um grande entrave,
que consiste em ensiná-los a colaborar. Portanto, o principal objetivo desta parte da pesquisa
foi avaliar até que ponto os alunos do PET eram colaborativos e quais os fatores que poderiam
favorecer este tipo de ação?
A investigação, na íntegra, envolve mais objetivos do que os aqui explicitados,
optou-se, porém, por fazer um recorte, uma vez que ela abrange dois estudos maiores e
relacionados entre si.
Desde o princípio de 2015, participam efetivamente do trabalho 6 (seis) alunos,
sujeitos deste estudo, selecionados a partir de um edital, realizado em fevereiro quando
tiveram que apresentar documentos pessoais e que demonstrassem um bom desempenho
escolar, além do comprovante de matrícula no curso. Todos os inscritos eram do sexo
feminino, das quais foram selecionadas 6 (seis), das quais 4 (quatro) cursam o quarto semestre
de curso no período matutino e, as outras duas, por terem entrado na universidade com
16
Grifos nossos.
158
matrícula por suficiência frequentam várias disciplinas em diversos semestres. Uma delas é
formada em jornalismo As idades variam entre 19 (dezenove) e 36 (trinta e seis) anos e duas
são casadas.
Embora em sua composição o grupo fosse relativamente recente, a sua diversidade
chamou a atenção para dois aspectos interessantes, um deles era alto nível das reflexões dada
a diversidade de experiências e, o outro era cooperação rápida criada entre eles, não havendo
neste aspecto pouca diferenciação.
Os alunos se reúnem com o tutor sistematicamente uma vez por semana, encontros
estes que têm a duração entre 3 (três) e 4 (quatro) horas. Entre os meses de fevereiro e junho
ocorreram 12 (doze) reuniões. A primeira destinou-se a apresentação do projeto e a última à
avaliação.
A pesquisa em andamento é de natureza qualitativa por abordar inúmeros cenários e
pessoas, pois os alunos participantes possuem diferentes níveis de formação e experiência e
uma parte o trabalho que estão realizando ocorre dentro de uma instituição escolar, privada,
apoiada, pela universidade, portanto são avaliados em dentro de um contexto.
A opção pelo modelo quantitativo de investigação também permite o
acompanhamento passo a passo do planejamento realizado do trabalho na escola. Portanto, o
produto final aqui apresentado é apenas uma parte do trabalho.
A pesquisa se caracteriza, ainda, por tratar-se de um estudo de caso que busca
compreender melhor a cooperação existente entre os alunos do PET enquanto participam do
projeto.
Embora estejam previstos para o trabalho vários procedimentos tais como
observação e registro da atuação dos participantes durante as reuniões e sua entrevista ao final
de cada semestre, também integrarão a investigação a observação do desempenho das crianças
da escola em que os petianos atuam desenvolvendo atividades lúdicas e suas respectivas
opiniões.
Uma vez levantados os dados serão triangulados de modo a oferecer um maior
número de informações sobre a investigação.
Com base no trabalho Pedagogia da Cooperação (2013) se utilizaram algumas categorias
que serviram para balizar as observações e a análise dos dados. Foram elas: respeitar a ideia
do outro e compreendê-las, evitar julgamentos apressados, escuta ativa (opinar),
complementar opiniões, habilidade de organização, oferecer contribuições ao grupo(
materiais/referências/ vivências) e auxiliar os colegas nas dificuldades apresentadas.
159
Os dois (2) sujeitos mais velhos e experientes sempre apresentaram uma atitude
mais cooperativa, compreensiva e, por vezes até tolerantes em relação aos demais durante
todo o semestre. Sempre respeitaram as ideias dos outros, tentando compreendê-las ou
justificando suas discordâncias, nunca fizeram julgamentos apressados, esperavam a vez de
falar, contribuíram com os demais com materiais e referências, além de os auxiliarem os
quando apresentavam alguma dificuldade. Deles, um tinha mais experiência e mostrava-se
bastante aberto em compartilhá-la com o grupo, auxiliando para que todos avançassem.
Os demais quatro (4), durante cinco semanas consecutivas, mostravam-se mais
inseguros, apresentando alternadamente alguns comportamentos como, por exemplo, de nem
sempre respeitar as ideias dos demais, ficar ansioso para falar, não esperando a vez e, por
vezes, realizar julgamentos apressados. Porém, sempre foram organizados e auxiliaram os
colegas nas necessidades. Observou-se após o período descrito passaram a escutar mais, falar
com argumentação, colaborar socializando materiais ou se prontificando a realizar alguma
tarefa necessária para o avanço do grupo.
Foi interessante perceber que por ocasião da entrevista ao final do semestre os dois
sujeitos, que eram mais velhos e tinham mais experiência, estavam muito felizes de participar
da equipe com os mais jovens, não por se sentirem acolhidos, como por perceberem o
quanto haviam aprendido com os demais.
Os outros quatro (4) que a princípio mostraram alguma dificuldade na cooperação,
afirmaram ter insegurança e como fora importante o diálogo, o respeito e a experiência dos
demais para que pudessem avançar e se sentissem mais à vontade para opinar. Percebeu-se
que eles tinham sido preparados para não se mostrarem totalmente como eram,
principalmente, devido à competição existente nos diferentes grupos sociais.
O grupo foi, aos poucos, se fortalecendo como equipe e as tarefas passaram a ser
igualmente divididas, todos compartilham vivências, experiências e pesquisas encontradas,
raramente são interrompidos em suas falas, auxiliam os colegas de classe que não participam
do projeto, trazem sugestões interessantes e sentem-se muito felizes em participar da
experiência. Passaram, sutilmente, a desenvolver um pacto de cumplicidade.
Os dados iniciais têm apontado para grandes avanços do ponto de vista da
cooperação, que havíamos observado, empiricamente, em outros grupos que integraram o
projeto em anos anteriores. A prática da cooperação envolve a corresponsabilidade, o que é
indispensável para o avanço e a compreensão das relações humanas.
160
Um dos grandes desafios da educação é criar possibilidades para que todos possam
contribuir para favorecer e estimular o desenvolvimento igualitário contrariando o princípio
da competição tão arraigada à sociedade atual. Ter consciência do auto respeito e do respeito
pelos demais, segundo Maturana( 2011), pode ser a base para a cooperação humana.
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Brasília: UNESCO Brasil: OCDE Ministério da Saúde.
161
Sobre as ruínas do velho nasce o novo: deambulando sobre sexualidade, formação de
professores e uso de metodologias inovadoras em sala de aula
Mauro MEIRELLES
Maria Regina MOMESSO
Luciana HOPPE
Carina POZZEBOM
Introdução
O processo de mudança ou a perspectiva de mudar o modus operandi e o modo de
como usualmente se faz as coisas é sempre dolorido e envolve (des)apego e
(des)acomodações. Neste sentido, repensar a prática pedagógica e docente em sala de aula a
partir do uso de metodologias diferenciadas e inovadoras, também o é. Desta feita, tem-se que
o processo de aprendizagem e crescimento intelectual tanto por parte do discente quanto do
docente se a partir de um constante processo de construção e desconstrução, de
equilibração e desequilibração, questão essa com a qual se ocupou Piaget (1976) em seus
últimos anos de vida.
Refere-se aqui, portanto, a Teoria da Equilibração das Estruturas Cognitivas, obra de
Jean Piaget, na qual o autor busca pensar o processo de aquisição de novos conhecimentos a
partir da ideia de equilibração cognitiva que, como escreve Waslawick (1996) “de certa
forma, obriga os seres vivos a assimilar as informações vindas do mundo externo
acomodando-as em estruturas mentais que são forjadas justamente para refletir este mundo”.
Desde essa perspectiva, pensar o processo formativo de professores envolve pensar a
formação docente como algo não estanque, apenas ligado a uma dimensão instrumental, mas
também, nos remete a pensar esta a partir da ideia de agência (ORTNER, 2007a; 2007b) e de
projeto (VELHO, 2003). Dimensões essas que cotejadas com a dimensão experiencial da vida
produzem diferentes contornos e percepções acerca daquilo que, para o professor, é tido como
mais ou menos eficiente e que a partir de uma perspectiva dialética de positivação ou negação
assumem tangibilidade para este (MEIRELLES; PEDDE, 2014).
Sobretudo, objetiva-se aqui pensar a formação do professor e o modo como a escolha
da sua postura acerca do lido com a temática da sexualidade implica, no âmbito de sua prática
docente, na utilização de metodologias mais ou menos tradicionais. Trata-se, portanto, de um
artigo que busca sistematizar as experiências particulares dos pesquisadores envolvidos que
162
participam do Grupo de Estudos em Educação, Sexualidade, Tecnologias, Linguagens e
Discursos do (GESTELD) da UNESP de Araraquara. E, Neste sentido, apresenta uma
reflexão densa acerca das implicações de se deixar dominar pelos ditames morais e sociais
presentes na sociedade no que se refere aos interditos e tabus socialmente construídos.
Sobremaneira, busca também realizar uma reflexão sobre o fazer docente e sobre o modo
como os professores pensam e percebem os conteúdos relacionados a questão da sexualidade.
Dito isto, divide-se o presente texto em três partes. Uma primeira em que nos
ocupamos do modo como a questão da sexualidade vêm sendo tratada a partir das abordagens
educacionais mais tradicionais. Na segunda busca-se pensar o lido com essa questão a partir
de um novo paradigma e do uso de metodologias tidas como inovadoras em relação aquelas
que são utilizadas nas abordagens tidas como mais tradicionais. E, uma terceira, em que se
busca pensar o processo formativo de professores a partir desta última perspectiva.
Desconstruindo velhas abordagens: a questão do tabu e do uso das metodologias
tradicionais em sala de aula
Falar de sexo é algo que em nossa sociedade é visto como um tabu. Contudo, todos
fazem sexo, fazem jogos jocosos com os amigos e usa-se comumente de metáforas que
remetem a questões relacionadas à sexualidade para reforçar certa intimidade para com estes.
Todavia, grosso modo, fala-se de sexo somente de forma indireta e sempre que possível evita-
se tocar no assunto. Como muitos professores dizem, esse é um tema espinhoso, ainda mais,
quando os docentes se encontram diante de uma turma de trinta ou mais adolescentes, em fase
de descobrimento de sua sexualidade, ávidos e curiosos, loucos para falar sobre o assunto.
Mas como falar de sexo se, nós, professores em nossa formação moral e acadêmica
sempre tratamos o sexo como uma questão interdita, um tabu de modo que, muitas vezes,
mesmo em nossas relações íntimas, com nossos parceiros, evitamos falar do assunto? Não
falamos de nossa sexualidade, temos vergonha de falarmos disto e sobre isso. Estatísticas
recentes mostram que falar sobre sexualidade em casa ou na escola continua sendo encarado
como um tabu, tanto por pais quanto por educadores, os quais, na maioria das vezes, não se
sentem à vontade para falar do assunto seja com seus filhos no interior de seus lares, seja no
interior da escola, com seus alunos. Pois, como escreve Silva (2014, p. 34)
O campo para discussões sobre o tema gênero e sexualidade fica entre
pares [...] Os adolescentes muitas vezes não encontram espaço para
163
expor suas ideias, concepções, dúvidas, sobre sexo, nero, sexualidade,
prazer, relacionamento com os pais e muito menos com os professores
[de modo que] acabam por restringirem suas experncias e
compreensões sobre esse aspecto da vida entre iguais, com exceção da
professora de Ciências.
Nesse sentido, tem-se que a sexualidade e sobre o que podemos ou não falar é, em
nossa sociedade, tido com algo que sempre é definido pelos adultos. E, estes, na maioria das
vezes, não permitem dado sua condição de tabu que as crianças falem, pensem, vejam,
sintam, expressem desejos, sensações, impressões que remetam a questão da sexualidade. É,
portanto, como diria Foucault (1997, p. 22) dessa forma que “somos disciplinados a viver”, ou
seja, sob a “égide do silêncio absoluto” e se, sobre sexo precisarmos falar, que o façamos
“com tato e discrição”.
Desta feita, dado que a escola têm como função, como quer Durkheim (1975),
preparar o indivíduo para a vida em sociedade e que, esta, na maioria das vezes, tende, a
reproduzir através de suas práticas e currículos concepções de sociedade e modos de ser e
estar no mundo que se pautam em relações hierárquicas e classistas ligadas a questões de
gênero, classe social e a prevalência de julgamentos morais construídos historicamente, como
muito bem aponta Bourdieu e Passeron (2014) e Bourdieu (2010) tem-se então que à escola,
em tese, resta apenas, reproduzir tais concepções e observá-las. Sob o risco de, senão
observado o crivo moral a que estamos submetidos, nos deixarmos ser notados em nossa
transgressão e arriscamo-nos a sofrer sanções sociais e morais por parte daquele que, do
interior do panopticon de Foucault (2007), tudo vê.
Das velhas metodologias e das coisas que ele tudo vê
Grosso modo, tem-se que grande parte das abordagens tidas como mais tradicionais
partem da ideia de uma pedagogia centrada no professor de modo que, preceitos e valores
morais arraigados na formação docente tendem a se reproduzir nas salas de aula da educação
básica na medida em que pouco ou nenhum espaço é dado para a construção de um diálogo
entre o professor e o aluno.
Nesse contexto, o professor é tido essencialmente como mero transmissor do saber e
do conhecimento enquanto que, ao aluno, caberia simplesmente, ser o receptor humilde e
obediente desse saber e desse conhecimento naquilo que Freire (1974) define como educação
bancária. Sob essa perspectiva, emerge uma educação tida como um produto a ser consumido,
um produto que cumpre conteúdos programáticos e que, na maioria das vezes, mostra-se
164
descolada da realidade do aluno não fazendo para esse, nenhum sentido.
É claro que, tal modelo não é o ideal e que outras perspectivas também tradicionais se
fazem presentes em nossas escolas, assim como, outras tidas como inovadoras. Contudo, se
pensarmos em termos de Foucault (1997) e nos ocuparmos do conceito de biopoder ver-se
que a adoção de tais metodologias não é casual e envolve julgamentos morais, desconfortos e
opções políticas que se ligam ao próprio disciplinamento social e daquilo sobre o que se pode,
ou não, falar abertamente visto que está regulado pelo estado por meio de um numeroso
conjunto de dispositivos legais, morais e sociais que servem para subjugar os corpos e
controlar as populações.
Contudo, hoje em dia a escola deixou de ter apenas a função de transmitir saberes e
conhecimentos e trouxe para si outras responsabilidades e de modo que, para a além da
formação educacional e conteudista, essa passou a ter também a responsabilidade de formar o
cidadão, uma vez que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no
9.394, de 20 de dezembro de 1996), tem-se que,
TÍTULO II
Dos Princípios e Fins da Educão Nacional
Art. 2
o
. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(BRASIL, 1996)
Desta feita, merece destaque também o fato de que a cada ano que passa novas
atribulações são dadas a educação através de uma série de dispositivos legais que incluem
determinados temas como componentes curriculares obrigatórios a serem tratados na
educação básica, como é caso, por exemplo: a) Da Lei N
o
10.639, de 09 de janeiro de 2003,
que dispõe sobre a temática da História e da Cultura Afro-Brasileira; b) Da Lei N
o
11.645, de
10 de março de 2008, que altera a Lei N
o
10.639 e inclui a obrigatoriedade do lido com
temática da História e da Cultura Indígena; c) Da Lei N
o
11.947/2009, que dispõe sobre a
educação alimentar e nutricional; d) Da Lei N
o
10.741/2003, que dispõe sobre o Estatuto do
Idoso; e) Da Lei N
o
9.795/99, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental; f)
Da Lei N
o
9.503/97, que institui o Código de Trânsito Brasileiro; e, mais recentemente, g) O
Decreto N
o
7,037/2009, que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH 3 e
inclui os direitos humanos como temática transversal a ser tratada no âmbito da escola e da
165
Educação Básica.
Com isto e a partir do exposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais Orientação
Sexual, tem-se que
Ao questionar tabus e preconceitos ligados à sexualidade e trabalhar
com
conhecimentos e informações que visam à promão do bem-estar e
da saúde, o trabalho de Orientação Sexual se entrela com objetivos e
conteúdos contemplados também nos outros temas transversais tica,
Saúde, Trabalho e Consumo, Pluralidade Cultural e Meio Ambiente)
(BRASIL, 1998, p. 309).
Em função disso, tem-se que o professor no contexto do atual sistema de ensino e
daquilo que se espera da escola, tornou-se o organizador da aprendizagem e, também, passou
a ser tido como um profissional que têm o papel de estimular o desenvolvimento cognitivo e
sócio-afetivo do aluno. Contudo, para que isso aconteça é preciso que esse professor faça
opções que podem gerar desconfortos e estar para além daquilo que dele é “comumente”
esperado.
Dito isto, busca-se no item seguinte pensar o modo como esses tabus e interdições são
construídos e tenta-se no interior desse processo identificar certos marcadores que nos
permitam romper com tais interdições e tabus propondo-se duas alegorias que buscam dar
conta de duas posições bastantes paradigmáticas no que se refere ao lido com a temática da
sexualidade.
Sobre as ruínas do velho nasce o novo: ou de quando começamos a falar de sexualidade e
deixamos de lado o tabu
O presente item ocupa-se de duas alegorias que nos remetem a diferentes paradigmas
e modos com os quais podemos nos ocupar da questão da sexualidade em nossas salas de
aula. O primeiro deles nos remete a Robinson Crusoé, um romance escrito por Daniel Defoe e
publicado originalmente em 1719 no Reino Unido. Epistolar, confessional e didática em seu
tom, a obra é, sobretudo, a autobiografia fictícia do personagem-título da mesma, qual seja,
um náufrago que passou 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad,
encontrando canibais, cativos e revoltosos antes de ser resgatado. De maneira geral, o livro
conta a história de Robinson Crusoé, um jovem marinheiro inglês que um dia decide seguir
seu caminho e parte para uma aventura sem avisar ninguém o que o leva a embarcar num
navio.
166
Contudo, o seu navio é pego por uma tempestade e acaba por naufragar. No naufrágio
toda a tripulação morre, exceto o jovem Crusoé, que acorda encalhado numa ilha do Caribe e
onde, a ele, se impõem duas escolhas. A primeira de deixar se deixar levar pela maré e
sucumbir a morte lenta e agonizante do mar e, a segunda, de lutar pela sua vida e não se
deixar abalar pelas adversidades.
A escolha é sua e como Robinson Crusóe é o momento de decidir se você parte para a
busca por mantimentos no navio naufragado e constrói uma fortaleza de madeira na praia e
planta na floresta cereais a partir de grãos que haviam no navio, desenvolve todas as suas
ferramentas e aquilo que precisa para seu uso na solidão absoluta da carreira professoral,
encontrando no caminho outros valores éticos e morais para sua vida ou, fica no navio
aguardando na segurança do navio ‘com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a
morte chegar’ como ironiza Raul Seixas.
No que se refere ao lido com a temática da sexualidade, têm-se que esse é um dos
caminhos. Talvez o mais fácil. Aquele cujos desafios são menores e no qual a biopolítica das
relações sociais se mostra como uma aliada de modo que “pode-se esperar o que vai chegar e
daí pensar o que se tratará em aula” e, se não “chegar nada, melhor”.
a segunda alegoria nos remete a Fernão Capelo Gaivota, um romance de Richard
Bach, publicado originalmente em 1970 nos Estados Unidos com o título de "Jonathan
Livingston Seagull a story" sendo no mesmo ano lançado no Brasil como "A História de
Fernão Capelo Gaivota" pela editora rdica. De uma maneira geral, o livro conta a história
de uma gaivota de nome Fernão que decide que voar não deve ser apenas uma forma para a
ave se movimentar, mas que isso deve ser algo prazeroso e que, também, pode de mero ato
funcional converte-se em fonte de regozijo e realização pessoal.
Nesta obra, a história desenrola-se sobre o fascínio de Fernão pelas acrobacias e a
transgressão de Fernão que ao fascinar-se pelas acrobacias aéreas ressignifica o ato de voar
modificando e desafiando a moral constitutiva do grupo de gaivotas do seu clã. Sobretudo,
trata-se de uma história infanto-juvenil sobre liberdade, aprendizagem e amor. Neste sentido,
o livro divide-se em três partes.
Uma primeira que nos traz o jovem Fernão Capelo Gaivota frustrado com o
materialismo e o significado da conformidade e da limitação da vida de uma gaivota e explora
o modo como a paixão pelos voos de todos os tipos e seus triunfos de ousadia vão
ressignificando o ato de voar, colocando-o em conflito com o seu bando e a visão destes do
voo como algo meramente funcional , o que, culmina no seu banimento e exclusão do grupo.
Uma segunda que coloca Fernão no interior de um novo mundo e de um grupo gaivotas que
167
desfrutam da paixão pelo voo. Neste outro grupo de gaivotas, o respeito real surge em
contradição com a força coercitiva que estava mantendo o antigo bando junto. E, neste
novo grupo, o processo de aprendizagem, ou seja, aquilo que liga os professores os mais
velhos e altamente experientes aos alunos dedicados, os jovens é aumentado a quase um
nível sagrado, onde, os tabus sociais são deixados de lado e explorada a ideia de que você
enquanto indivíduo deve ser fiel a si mesmo, aos seus sonhos e àquilo que o realiza em sua
plenitude.
a terceira e última parte inicia-se com as últimas palavras do professor de Fernão
que lhe diz: "Fernão, continua a trabalhar no amor". Nesta parte, o foco reside em mostrar o
modo como, aos poucos, Fernão foi aprendendo o que significa ter um espírito
verdadeiramente livre e o modo como devemos lidar com as limitações e capacidades dos
outros com vistas a progredirmos em nosso aprendizado e nos prepararmos para o lido com as
novas gerações, com vistas a nos tornarmos um professor. Neste momento, Fernão retorna
para o antigo bando para compartilhar suas ideias, suas descobertas recentes e sua grande
experiência, mas também preparado para difícil luta contra as atuais normas da referida
sociedade e sabendo que, o caminho para se pensar um modelo de ensino que desafia a norma
social vigente e os modelos educacionais existentes envolve um trabalho árduo e solitário.
Quão isso não se assemelha a realidade da maioria das nossas escolas e a realidade da
maioria dos professores que têm a cargo de si lidar com a questão da sexualidade, seja em
disciplinas específicas, seja como tema transversal que atravessa múltiplas áreas de
conhecimento? E neste momento questiono-os utilizando-me de uma indagação feita por
Fernão Capelo Gaivota ao seu primeiro estudante antes de iniciar o aprendizado: Vocês
querem voar tão alto a ponto de perdoar o bando, aprender e voltar a eles um dia e trabalhar
para ajudá-los a se conhecerem? Se a resposta é positiva, sigam adiante. Senão, deixem este
texto de lado e retornem a ele num outro momento. E, o momento então de encerrarmos o
texto falando sobre o processo de formação docente.
Algumas considerações sobre o processo formativo de professores e o lido com a questão
da sexualidade
Pensar o processo formativo de professores é algo que têm inquietado um sem número
de educadores e pesquisadores da área de educação e muitas são as contradições e opiniões
sobre aquilo que é importante ou não enfatizar nesse processo formativo. Contudo, não se
pretende aqui deter-se neste exaustivo debate, mas apenas trazer a baila algumas reflexões
168
acerca do fazer docente que podem ajudar o professor a pensar a sua prática docente.
Considerações essas que vão de encontro ao pensamento de Pierre Bourdieu e buscam
reflexionar sobre a posição do professor, o campo no qual ele está inserido e modo como ele
joga o jogo. Pois, como escreve Bourdieu (1999, p. 11):
Se é verdade que o ensino da pesquisa requer tanto de seus idealizadores
quanto de seus receptores uma referência direta e constante à experiência
na
primeira pessoa, “a metodologia em moda que multiplica os programas em
favor de uma pesquisa sofisticada, mas hipotética, os exames críticos de
pesquisas feitas por outros [...] ou os veredictos metodológicos, não poderia
tomar lugar de uma reflexão sobre a justa relação às técnicas e de um esforço,
até mesmo arriscado, para transmitir princípios que não podem se apresentar
como simples verdades de princípio porque são o princípio da busca das
verdades.
Tem-se então que, enquanto professores, e tendo-se em conta o exposto até aqui no
que se refere aos interditos e tabus socialmente construídos, é necessário de reflexionar
epistemologicamente sobre o nosso fazer docente e sobre o modo como “nós” pensamos e
percebemos os conteúdos relacionados a questão da sexualidade sob o risco de, cairmos numa
prática professoral espontaneista. Desta feita, tem-se então que o professor deve considerar-se
como detentor de certa agência (ORTNER, 2007a; 2007b) e projeto (VELHO, 2003) o qual
deve conter, segundo Bourdieu (1999, p. 13) em sua prática pedagógica:
Os princípios de uma prática profissional e inculcar, simultaneamente, uma
certa atitude em relação a essa prática, isto é, fornecer os instrumentos
indispensáveis ao tratamento sociológico do objeto e, ao mesmo tempo, uma
disposição ativa para utiliza-los de forma adequada [...] [com vistas à]
restituir a força heurística aos conceitos e operações mais completamente
‘neutralizados’ pelo ritual da apresentação canônica.
Com isto, tem-se que conhecer as regras do jogo e se saber como se joga o jogo é
fundamental (BOURDIEU, 1996) na medida em que a educação, assim como outros campos
do saber é, também, um campo em permanente disputa. E, ter consciência dessas disputas e
daquilo que está em jogo é, portanto, fundamental, para que pensemos a questão da
sexualidade a partir de uma outra perspectiva pois, será somente a partir do momento que
deixarmos de lado esses tabus impostos pela biopolítica que conseguiremos realmente
pensar nossa prática docente desde uma outra perspectiva. E, quem sabe, propormos novas
metodologias que estão para além dos atuais ditames de uma biopolítica de controle e
cerceamento do corpo e da produção de nosso próprio corpo como ‘interdito’.
169
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170
Resgate da historicidade da formação de professores no brasil: impasses entre a
formação geral e específica na pedagogia à luz da educação especial
Evelin Oliveira de REZENDE
Cristina Yoshie TOYODA
Luci Pastor MANZOLI
Introdução
O presente trabalho teve como intuito pesquisar sobre o processo histórico da
formação de professores em âmbito de Brasil, isto ao debruçar-se no cenário das políticas
públicas, sendo assim, centrou-se na temática acerca da formação de professores e nas
tentativas e impasses da formação em Pedagogia, destacando entre a formação geral e a
formação específica. Um dos desafios da profissão é a resolução das dificuldades
intrinsecamente relacionadas como a urgência do fazer na escola, uma das quais está
relacionada com a formação de professores, principalmente com a formação inicial de
Pedagogos referente à área de Educação Especial. Para realizar este estudo debruçaremos nas
primeiras tentativas estabelecidas para atender a formação de professores/mestres, e faremos
um breve levantamento acerca das questões do currículo e da estrutura organizacional da
graduação em Pedagogia.
Este estudo teve o objetivo geral de percorrer os momentos históricos acerca da
formação de professores no Brasil, isto com o intuito de realizar uma breve análise do início
do percurso de formação dos Cursos de Pedagogia, vinculado com as propostas da formação
geral e específica. Deste modo, buscou-se delinear de forma sucinta o quadro das iniciativas
governamentais referentes à formação de professores.
Essa pesquisa foi delineada sobre as perspectivas de Ludke e André (1986, p. 1) ao
acrescentar que “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados,
as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico
acumulado a respeito dele.” Esse estudo é de abordagem qualitativa com técnica de análise
documental, e esta abordagem foi empregada, pois “[...] justifica-se, sobretudo, por ser uma
forma adequada para entender a natureza de um fenômeno social [...] (RICHARDSON, 1985,
p. 38)”. Nesse trabalho, os documentos políticos sustentaram os instrumentos de coletas de
171
dados, que subsidiaram a técnica de análise documental. De acordo com Lüdke e André
(1986), os documentos são fontes ricas e apontam informações de um específico contexto.
Referencial teórico
Para contextualizar a formação de professores e as conjecturas que envolvem o
processo de formação de pedagogos é necessário tecer alguns momentos históricos que
movimentaram e impulsionam a formação de professores no país, e assim pontuar
paralelamente a trajetória da estrutura desta formação pontuando entre o geral e o específico.
Ao pensar na formação inicial para o trabalho com alunos que apresentam algum tipo
de deficiência, Jesus (2008) mostra em seu trabalho que muitos professores não sabem lidar e
não estão preparados para trabalhar com a diversidade dos seus alunos. De acordo com
Mendes (2008), a formação de professores para o ensino regular tem que abarcar a
organização de mecanismos mais sistemáticos de formação inicial, tendo em vista a falta de
qualificação dos educadores para atuar com alunos com deficiência e/ou NEE.
Durante um determinado período, os cursos de Pedagogia contemplavam a Educação
Especial exclusivamente como habilitação específica em sua estrutura curricular, assim tinha-
se a formação do professor habilitado em Educação Especial, tornando-se um profissional
especialista nesta área. Para tanto, como as habilitações em Educação Especial ou em áreas
específicas foram extintas pelas DCNP - Resolução CNE/CP nº1/2006, a formação do
professor para a atuação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental com
alunos com deficiência e/ou NEE passou a enfatizar a formação geral, ofertada nos cursos de
Pedagogia, e não mais a formação do professor habilitado em Educação Especial. De acordo
com Oliveira (2010, p. 148), “sem dúvida que é necessário repensar a formação e buscar
alternativas que considerem a dialética entre o geral e o especial, sem dicotomias [...], mas é
preciso ter cautela para não desconsiderar campos de conhecimento solidificados [...]”.
De tal modo, em conformidade com a referida autora, compreende-se a necessidade de
rever a estrutura da formação do professor e a articulação plausível entre a formação geral e a
específica nesta área nos cursos de Pedagogia, ao pensar na realidade da atuação profissional
do professor.
Dentre este cenário é oportuno ressaltar que os estudos de Rezende (2013); Macedo
(2010); Fonseca-Janes (2010) e Caetano (2009) contribuíram com esta pesquisa, uma vez que
estes investigaram acerca da formação inicial de professores com interfaces com a Educação
Especial. Para tanto, o estudo de Rezende (2013) enfatizou a necessidade de formação dos
172
professores da classe regular, sendo que em sua pesquisa investigou a formação inicial de
pedagogos de duas instituições de ensino Superior Públicas do Estado de São Paulo, uma
Estadual e outra Federal, e em ambas foram constatadas lacunas no processo de formação
destes futuros professores, segundo as arguições dos próprios estudantes. Portanto, a partir do
estudo de Rezende (2013) compreende-se a urgência de se repensar, entre outros, o currículo
da formação inicial dos pedagogos, visto que, ao finalizar este processo de formação, os
estudantes que participaram deste estudo encontraram-se inseguros e afirmaram a necessidade
de aprofundamento do campo da Educação Especial durante a graduação em Pedagogia.
Outro estudo significativo e fundamental para a área é o de Macedo (2010), que em sua
dissertação analisou como tem sido contemplada a Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva na organização curricular e nas ementas das disciplinas em seis cursos de
Pedagogia de três Universidades Públicas Estaduais de São Paulo no contexto posterior às
DCNP - Resolução CNE/CP nº1/2006. Fonseca-Janes (2010), em sua tese, analisou os cursos
de Pedagogia de seis unidades oferecidos pela UNESP ao investigar as atitudes sociais frente
à Educação Inclusiva e Educação Especial e a estrutura curricular destes cursos após a
publicação das DCNP - Resolução CNE/CP nº1/2006. Ademais, Caetano (2009), em sua tese,
investigou a formação inicial do professor no curso de Pedagogia da Universidade Federal do
Espírito Santo, na perspectiva da inclusão escolar de alunos com deficiência, e também
analisou o currículo desse curso no ano de 1995 e no ano de 2006.
Para tanto, ao pensar no processo educacional no Brasil, fundamentalmente, na
vertente da formação de professores para o atendimento na Educação Especial, no final de
1950, depois de muitas tentativas, começou a germinar o início de um "tempo de conquistas",
tempo este que se no movimento social vigente, isto por conta de que o “atendimento
educacional aos excepcionais foi explicitamente assumido, em nível nacional pelo governo
federal, com a criação de campanhas especificamente voltadas para esse fim” (MAZZOTTA,
2005, p. 49). Estas campanhas brasileiras estavam vinculadas à educação do surdo, à
reabilitação de deficientes da visão, campanha nacional de educação de cegos e à campanha
nacional de educação e reabilitação de deficientes mentais.
Nesta conjectura referente à formação de professores, não se esperava que a
escolarização de crianças/alunos com deficiência e/ou NEE fosse desenvolvida nas classes de
ensino comum, estes docentes eram formados para atuar em escolas e classes especiais e,
portanto, não recebiam este alunado na classe de ensino regular. Desta maneira, o modelo
educacional enfatizava a clínica e a reabilitação, porém, referente ao desenvolvimento da
173
condição social e econômica da época, o país tinha a necessidade de oferecer e fortalecer a
qualificação e os atributos do professor. Com a promulgação da Lei nº. 4.024/61, a Educação
Especial ganha notoriedade, sendo que nesta foi explicitada a educação de pessoas com
deficiência, ao nomear o Título X - Da Educação dos Excepcionais, a saber,
Art. 88. A educação de excepcionais deve no que for possível,
enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na
comunidade. Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente
pelos conselhos estaduais de educação e relativa à educação de
excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial
mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções (BRASIL,
1961).
Compete destacar que nesta legislação houve uma atenção para a particularidade
dedicada à Educação Especial, este título foi fundamental para fomentar novos debates e
reivindicações para todo este panorama. Observa-se que nesta ocasião a terminologia
nomeada para especificar a pessoa com deficiência era de educação dos excepcionais, pontua-
se que este estudo não se limita a ilustrar todas as nomenclaturas empregadas para
referenciar a pessoa com deficiência. Para tanto, o Artigo 88 (BRASIL, 1961) elucida que o
princípio básico se exerce quando a educação dos excepcionais for encontrada de maneira
equivalente ao ensino comum, e se por ventura isto não se tornar exercitado poderia difundir o
ensino especializado. Com respeito ao Artigo 89 (BRASIL, 1961) é imperioso proferir que
suas especificações não estavam nítidas, visto que não evidencia se a educação será realizada
em serviços comuns ou especiais, não é mencionado também se esta será desenvolvida no
espaço interno ou externo do sistema geral de educação, sendo assim, não registra o sentido e
o significado da distribuição dos investimentos públicos para o amparo e concretização das
atividades relacionadas à educação, além disso, também não demonstra se o Estado adotará
um modo particularizado no desempenho da formação dos profissionais que compõem a
educação ou qual será o papel do Estado frente a esta intervenção. De acordo com Kassar
(1999, p.3), esta lei denota uma marca que pode ser compreendida como “ambígua, pois, ao
mesmo tempo em que propõe o atendimento ‘integrado’ na rede regular de ensino, delega às
instituições sob administração particular a responsabilidade de parte do atendimento, através
da ‘garantia’ de apoio financeiro”.
Resultados e conclusões
174
Neste contexto, o Brasil respirava a fase de ditadura desencadeada pelos militares, e
também pela nata burguesa com o suporte dos Estados Unidos, isto devido às convenções
consolidadas entre 1964 a 1968, dentre o Ministério da Educação e Cultura e a Agency for
Internacional Development (MAZZOTTA, 1989). Em consonância ao que Ghiraldelli (2003)
destaca, essa fase do país abrangeu a política educacional e visou às deliberações de um grupo
exclusivo, os quais eram técnicos norte-americanos arraigados com os pressupostos da
democracia americana e do American Way of Life.
Ao tecer de modo sucinto os contornos da situação das normativas educacionais do
Brasil em meio à ditadura militar é imperioso enaltecer o amparo de Paulo Freire, o qual
debruçou-se nos movimentos da educação popular em meados da década de 1960. Para
Ghiraldelli (2003, p. 121), no entender do ideário freireano, a educação e a escola
colaboravam com a situação de mutismo do povo. A escola oficial, além de autoritária, estaria
a serviço de uma escola burocratizada e anacrônica incapaz de colocar-se ‘ao lado dos
oprimidos’”. Nesta conjectura, observava-se que as práticas de Paulo Freire eram enfatizadas
em uma educação mais igualitária. No ano de 1968 formou-se um grupo de trabalho a fim de
elaborar e estruturar o projeto de reforma universitária, e posteriormente estabeleceu-se a Lei
da Reforma Universitária 5.540 de 1968. Em conformidade com Silva (2006), na Lei de
Reforma Universitária preveem-se os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade
na particularidade do Ensino Superior.
Para Silva (2006), a tradição liberal da universidade brasileira foi obstruída, e então
alguns sujeitos pertencentes a uma específica camada da sociedade começaram a nomeá-la
como universidade tecnocrática, ainda que apresentasse alguns fragmentos do pensamento
liberal. Por conta disto, os cursos superiores passaram a ser condicionados às requisições da
sociedade, visto que, no período da ditadura militar era intrínseco o atendimento às questões
da formação de profissionais para atuar em diversas áreas de trabalho que o Brasil demandava
na época, e também quanto às necessidades referentes ao desenvolvimento do país,
destinando ao fortalecimento da relação inerente entre os cursos superiores e as profissões. De
tal modo, ocorre a “institucionalização do ciclo básico, do sistema de créditos por disciplinas,
dos cursos de pequena duração e da departamentalização, ou seja, reunião de disciplinas
afins num mesmo departamento, o qual passa a concentrar o ensino e a pesquisa numa
mesma área (SILVA, 2006, p. 25).” (grifos dos autores).
Nesta circunstância, realizou-se a reforma do sistema de ensino, que se firmou com a
elaboração da Lei n. 5.692/71, a qual fixou as diretrizes do ensino de e graus, e esta
175
passou a ser assinalada pela sua intenção de educação tecnicista. Para referenciar a finalidade
da educação, mais precisamente a escolarização da pessoa com deficiência e/ou NEE, esta lei
expressou suas características nos Artigos 1º e 9º:
Art. O ensino de e graus tem por objetivo geral proporcionar
ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas
potencialidades como elemento de autorealização, qualificação para o
trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania. Art.
Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se
encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula
e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com
as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação
(BRASIL, 1971).
Deste modo, este atendimento assegurado pelo sistema de ensino a todos os alunos,
permaneceu despregado das intenções de formação de professores, sendo que o Artigo 30º
determina para a atuação do magistério as mínimas condições de formação, a saber, “a) no
ensino de grau, da 1ª a série, habilitações específicas de grau; b) no ensino de grau,
da a séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada
por licenciatura de 1º grau, obtida em curso de curta duração” (BRASIL, 1971).
Para tanto, a Reforma Universitária constituída a partir da Lei nº 5.540/68
reconfigurou o Ensino Superior e estabeleceu a graduação em Pedagogia, de acordo com a
demanda necessária para o desenvolvimento do país conforme as características do mercado
de trabalho, e assim concedeu as habilitações de Supervisão, Orientação, Administração e
Inspeção, entre outras. A Resolução do Conselho Federal de Educação (CFE) nº 2 e o Parecer
252/69 indicaram sobre a disposição da organização e o funcionamento do Curso de
Pedagogia, e recomendaram como intuito do Curso a preparação de formação para atender a
educação, de modo a garantir, conforme o aprimoramento de estudos, a expectativa de se
alcançar o título de especialista. Para Saviani (2005) o Curso de pedagogia foi organizado e
direcionado à formação de técnicos e de habilitações profissionais, assinalava a formação
básica e geral do Curso, e buscou a profissionalização do ensino de grau com a Lei
5.692/71.
Os educadores no término da cada de 1970 se inclinaram na procura de caminhos
para entrelaces de assuntos educacionais, e debruçaram-se na concepção de uma educação que
não representasse a realidade deste período, a qual era de sujeição do país às disposições
externas. De tal modo, almejaram uma educação escolar distinta desta reprodução, que se
efetivasse no desenvolvimento e compreensão do movimento histórico e assim “por
176
consequência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de
referência, cujo compromisso, seja a transformação da sociedade e não a sua manutenção, a
sua perpetuação” (SAVIANI, 2005, p. 93).
A década de 1970 ganhou notoriedade, pois foi promulgada a LDB 5.692/71, e
referente às buscas no cenário da Educação Especial viu-se a efetivação da Criação do Centro
Nacional de Educação Especial (CENESP). Em conformidade com Jannuzzi (2004), o
CENESP expressava-se como um significativo órgão político, que em 1977 manifestava, a
nível federal, a coordenação e as ações na área de atendimento educacional de excepcionais.
Em 1978 a área acadêmica foi enaltecida com a criação do Programa de Mestrado em
Educação Especial na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o qual foi e é
imprescindível para o desenvolvimento das investigações científicas nesta temática.
Em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) com Art.
3º, inciso IV contribuiu para objetivar “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. O artigo 205
definiu a educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da pessoa,
o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. Para tanto, o Art. 206, inciso I,
institui a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos
princípios norteadores para o ensino, e o Art. 208 garante como dever do Estado a oferta do
atendimento educacional especializado, “preferencialmente na rede regular de ensino”.
Em meio aos fatos legais no cenário educacional, dentre as normativas, pareceres e
resoluções acerca da formação do professor, observa-se andamentos expressivos para a
educação, os quais são a Resolução 2 de 2001; a Resolução CNE/CP 1/2002 (BRASIL,
2002), na Perspectiva da Educação Inclusiva, que estabeleceu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, a qual definiu que as
instituições de Ensino Superior devem prever, em sua organização curricular, a formação
docente voltada para a atenção à diversidade e que contemple conhecimentos sobre as
especificidades dos estudantes com necessidades especiais, e a Resolução CNE/CP nº 1, de 15
de maio de 2006, que especifica as Diretrizes Curriculares Nacionais da Pedagogia, as quais
versam sobre as alterações no Curso. Segundo Serrão (2006, p.20) o curso de Pedagogia,
como os demais âmbitos da educação escolar neste País, tem sido alvo de medidas
provisórias e outros instrumentos institucionais que configuram a política educacional
brasileira [...]. Os dados [...] revelam que aspectos das reformulações curriculares são um dos
principais temas abordados pelas pesquisas brasileiras [...].” (grifos dos autores).
177
Diante desta dimensão inquieta-se sobre qual é o tipo de formação que se espera e
necessita para trabalhar com pessoas com deficiências/NEEs. Conforme explana Ferreira
(2006), a política de educação inclusiva que se almeja deve ser disposta a instituir
instrumentos e recursos precisos para o começo de outra história, assim, na visão dos
educadores, há o amparo de novas práticas educacionais com a procura de outros referenciais.
Padilha e Ferreira (2007) acentuam que se tem a percepção de que se está colocando como
secundário a relevância de cada área do saber no tocante aos conhecimentos clássicos e
específicos.
Por meio destas indagações perpassa o enfoque da formação do professor no que se
reporta à Educação e à Educação Especial, isto ao considerar a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI, 2008), e ao se ter como pano de
fundo a formação inicial no Curso de Pedagogia, fundamentalmente das instituições públicas
de Ensino Superior. Assim sendo, compete discutir a atuação das universidades na formação
inicial do professor e as transcorrências dos contornos dispostos no setor educacional, bem
como as tentativas para regulamentar alguns aspectos das reformulações curriculares e a
necessidade de compreender o processo de formação de professores.
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180
O curso de formação específica de docentes da secretaria da educação do estado de são
paulo: necessidades docentes
José Carlos CONSTANTIN JUNIOR
Maristela ANGOTTI
Introdução
É notório o crescimento de estudos sobre a formação do professor nas últimas
décadas, sobretudo no que diz respeito aos estudos de formação continuada, que se tornaram
muito importantes no Brasil e no cenário internacional. Isso sem dúvida contribuiu para o
crescimento de pesquisas científicas que demostram os resultados das políticas públicas no
que se refere ao trabalho do professor, em sua vida pessoal e na qualidade do ensino.
Contudo, quando refinamos nosso olhar para o tema da inserção na docência e início da
carreira, percebemos que este tema tem recebido menos atenção por parte dos pesquisadores,
o que resulta na diminuição de pesquisas nesta área, o que consequentemente também resulta
em falta de políticas públicas que atendam ao início da carreira e a inserção dos professores.
Segundo a pesquisa de Mariano (2006), que fez um levantamento dos Anais da 18º à
27º Reunião Anual da ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação e do VIII ao XII ENDIPE Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino,
analisando uma década destes eventos, que vai de 1995 a 2004, concluiu, que de um total de
6978 trabalhos apresentados nestes eventos, apenas 24 contemplavam o tema sobre o início da
carreira, o que corresponde a apenas 3% do total dos trabalhos.
Com a implantação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência -
PIBID, no ano de 2009, os trabalhos de formação de professores começaram a ser mais
frequentes sobre a temática da inserção à docência, porém ainda em volume insuficiente para
que surjam políticas públicas eficientes.
Sendo assim, é muito importante que sejam realizadas pesquisas que se proponham à
investigação dos temas da inserção do professor iniciante e da formação do professor.
Entendemos como professor iniciante aquele que se encontra nos primeiros anos de sua
carreira que vai do primeiro até o ano de experiência, a primeira etapa do ciclo de vida
profissional, o contato inicial do professor com o contexto escolar, portanto, é a “Entrada na
Carreira”, segundo Huberman (1995).
181
Guarnieri (2005), afirma que o processo de tornar-se professor se realiza no exercício
da docência, e esse processo se concretiza conforme o conhecimento teórico-acadêmico e o
contexto escolar vão se articulando com a prática docente.
Esta pesquisa busca descrever a política pública da Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo SEE/SP, que por meio do decreto 54.297 de maio de 2009, institui a Escola
de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo “Paulo Renato
Costa Souza” - EFAP. Esta iniciativa faz parte do Programa Mais Qualidade na Escola,
lançado em 2009, pelo então governador do Estado de São Paulo, José Serra.
Segundo documentos oficiais, a EFAP tem como objetivo oferecer cursos de
formação continuada para os docentes inseridos no quadro do magistério da Secretaria da
Educação Estadual e também um curso de formação específica, que a princípio surge como
uma etapa do concurso público
17
para docentes ingressantes no quadro efetivo da SEE/SP e
posteriormente passa a ser parte do estágio probatório
18
do docente ingressante desta rede.
Descrição do trabalho desenvolvido
Esta pesquisa tem como objetivo confrontar o curso de formação específica para
ingresso na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo - SEE/SP com as pesquisas sobre
o professor iniciante, sendo assim, buscamos investigar se tal curso, no que diz respeito à
formação, atende as necessidades dos professores ingressantes/iniciantes de acordo com o que
dizem estas pesquisas da área.
Para tanto, estão sendo levantadas pesquisas que correspondem a um período
histórico de 20 anos, sendo este composto por teses, dissertações, artigos e outras publicações
acadêmicas que abordam a respeito da temática da inserção e o início da carreira docente. O
intento final deste levantamento e análise é desenvolver um quadro com as principais
necessidades do professor iniciante, para analisar se estão ou não sendo aproveitadas e
atendidas.
Com isso, a presente pesquisa tem como problema de pesquisa os seguintes
questionamentos: Quais são as contribuições do Curso de Formação Específica para o docente
ingressante/iniciante da SEE/SP quando confrontado com o que se dizem as pesquisas da área
17
O Art. 7º da Lei Complementar 1.094 de 16/07/2009 estabelece que o Curso de Formação Específica de
Docentes passa a ser a 3ª fase dos concursos públicos para professores no estado de São Paulo.
18
O Art. da Lei Complementar 1.207 de 05/07/2013 estabelece que o Curso de Formação específica de
Docentes passa a ser parte integrante do estágio probatório de professores ingressantes na rede estadual por meio
de concurso público.
182
nas últimas décadas? O Curso de Formação Específica oferece/atende as necessidades dos
professores ingressantes/iniciantes?
Orienta a pesquisa a hipótese de que o Curso de Formação Específica de Docentes
promove formação centrada na racionalidade técnica numa tentativa de nivelamento do
trabalho docente, o que pode não atender as necessidades dos professores em questão.
Para que o objetivo desta pesquisa seja alcançado, temos como referencial teórico o
trabalho dos autores Carlos Marcelo Garcia, Maria da Graça N. Mizukami, António Nóvoa,
Alda Junqueira Marin, Júlio Emílio Diniz Pereira e Bernardete Angelina Gatti,
que estudam a formação de professores, bem como o trabalho de autores como
Simon Veenman, Michaël Huberman, Maurice Tardif, Carlos Marcelo Garcia, Edson do
Carmo Inforsato, Maria Regina Guarnieri, Luciana Maria Giovanni e Maristela Angotti, que
além da formação de professores, se dedicam ao início da docência.
A pesquisa utiliza-se da abordagem qualitativa, que segundo Lüdke; André (1996
p.18), “[...] se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano
aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”. Será utilizada a
metodologia de análise documental a partir do material levantado pela revisão bibliográfica.
Sobre a análise documental, Lüdke; André (1996, p. 38-39), afirmam que ela “pode
se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos”, já que:
[...] os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem
ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do
pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são
apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num
determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto.
(LÜDKE; ANDRÉ 1996, p.38-39)
A pesquisa está proposta para ser realizada da seguinte forma: 1- Levantamento de
Documentos para apresentação da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores
(EFAP) e do Curso de Formação Específica para Docentes Ingressantes; Levantamento da
história do acolhimento dos professores ingressantes no quadro do magistério da SEE/SP,
buscando levantar o Estado do Conhecimento sobre este assunto; 2- Levantamento, seleção,
leitura e análise de estudos e pesquisas sobre o professor iniciante, com o intuito de obter
respostas sobre o que dizem estas pesquisas sobre as necessidades deste professor; 3- Análise
comparativa entre o que dizem as pesquisas sobre o início da docência e a proposta de
formação do curso de ingressantes; 4- Análise dos dados.
183
Resultados obtidos
Os resultados, ainda parciais, revelam que o curso de formação específica priorizou
em suas primeiras edições (2011-2012) o desenvolvimento de conhecimentos baseados na
racionalidade técnica e no domínio de conteúdo específico de cada disciplina, por parte dos
professores. Também foram priorizados conhecimentos relativos à organização e estrutura da
SEE/SP e do currículo oficial desta mesma Secretaria.
Está ênfase dada no domínio dos conteúdos específicos de cada matéria, apreensão
da estrutura e organização da SEE/SP e domínio do currículo se revela insuficiente e
inadequada e vai de encontro aos resultados dos primeiros levantamentos feitos para este
trabalho em teses e dissertações. Os trabalhos revelam que no início de carreira deve existir
uma preocupação com as necessidades dos professores que vai muito além de um saber
técnico, de conhecimentos referentes a uma disciplina específica. Pelo contrário, o trabalho
docente se constrói baseado num “conjunto de elementos culturais valorizados (MARIN,
1996, p. 126). Segundo esta autora:
Estes (conjuntos de elementos) constituem os conhecimentos sistematizados,
crenças, atitudes, valores, habilidades, práticas; enfim formas de pensar,
sentir, e agir que constituem o conteúdo e sua forma de expressão na cultura
onde está inserida a atividade de ensinar. (MARIN, 1996, p. 126)
Estes elementos necessitam ser levados em consideração, e desenvolvidos pelos
programas de inserção docente e de acompanhamento a professores iniciantes, como é o caso
do curso de formação específica da SEESP, para que os primeiros anos da docência se
transformem em “descoberta”, num tempo de entusiasmo, num momento de experimentação.
Se não o for, neste período pode ser vivido o “choque do real, a confrontação inicial com a
complexidade da situação profissional, a distância entre os ideais e as realidades quotidianas
da sala de aula, a fragmentação do trabalho” (HUBERMAN, 1995, p. 39).
Considerações
As primeiras considerações levantadas por esta pesquisa demostram que existe uma
preocupação por parte da SEE/SP, quando institui o Curso de Formação Específica para
formação dos professores iniciantes que ingressarão no quadro do magistério estadual, bem
como no acompanhamento dos mesmos em seus primeiros anos de docência, algo inédito
184
nesta Secretaria. Porém, como foi dito, o curso parece observar e considerar parcialmente
as necessidades dos professores em início de carreira. Podemos afirmar também que existiu
nos últimos anos a preocupação da SEE/SP de gerar mecanismos de controle estatal, no que
diz respeito ao trabalho do professor, uma forma de padronização do trabalho docente,
segundo Mirisola (2012). A partir do estudo de Mirisola (2012), analisamos os materiais
fornecidos atualmente pela rede paulista, os cadernos dos alunos e os cadernos dos
professores, e concluímos que este tem função semelhante à de um material apostilado. Isso
resulta num nivelamento da ação pedagógica em sala de aula.
Este trabalho revela e afirma a importância que uma Escola de Formação tem para
uma rede de ensino, tal qual é a EFAP. O professor quando inserido no contexto escolar e
acompanhado no início da docência pode adquirir conhecimentos imprescindíveis e
necessários para sua carreira profissional. A SEE/SP tem uma grande oportunidade de
acompanhar os professores em início de carreira, algo inédito nesta Secretaria, entretanto esta
formação deve acontecer numa perspectiva que leve em consideração os conhecimentos
relativos às necessidades destes professores, por isso a importância de um estudo que analise
tal proposta.
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186
Programa permanente de desenvolvimento profissional e formação pedagógica docente -
PRODOC
Renata de ALMEIDA VIEIRA
Introdução
Em face de novas demandas e desafios postos aos professores universitários no
exercício de sua profissão, torna-se salutar a criação de espaços e ações formativas que visam
sua formação pedagógica continuada. Dentre as iniciativas que caminham em tal direção,
destacamos os programas de desenvolvimento profissional de docentes universitários, cuja
importância tem sido aos poucos reconhecida por pesquisadores e gestores. Com o fito de
apresentar um programa de formação pedagógica continuada para a docência, que compõe
recorte de uma pesquisa mais ampla acerca de políticas institucionais voltadas para o
desenvolvimento profissional docente no Estado de Minas Gerais, trazemos à baila o
Programa de Desenvolvimento Profissional e Formação Pedagógica Docente PRODOC
desenvolvimento pela Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG.
Trata-se de um programa de formação pedagógica continuada para a docência que
localizamos no processo de levantamento e identificação de universidades mineiras que
oferecem ações formativas aos seus docentes. E que tem por objetivo a promoção do
aprimoramento pedagógico de seus professores.
Para a apresentação do referido Programa organizamos este trabalho em três partes. Na
primeira, apresentamos a UNIFAL-MG por meio de um breve histórico, bem como
evidenciamos o contexto originário da demanda por formação pedagógica de seus docentes.
Na segunda, apresentamos seu Programa de Desenvolvimento Profissional e Formação
Pedagógica Continuada. E, por fim, na terceira parte, tecemos considerações acerca da
importância da universidade propiciar o aprimoramento, atualização e melhoria do processo
ensino-aprendizagem e da prática do docente, por meio de ações que promovam o permanente
desenvolvimento profissional, formação pedagógica e atualização no campo educacional para
o exercício da docência no ensino superior.
187
A UNIFAL e a demanda por formação pedagógica
A Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG, situada no sul do Estado de
Minas Gerais, foi fundada em 03 de abril de 1914 como Escola de Farmácia e Odontologia de
Alfenas EFOA e constituída sob a forma de Autarquia, em Regime Especial, pelo Decreto
70.686/72. A sua fundação ocorreu com a implantação do Curso de Bacharelado em
Farmácia e no ano de 1973 implantou-se o Curso de Bacharelado em Odontologia (UNIFAL-
MG, 2013).
A federalização da EFOA ocorreu em 1960 por meio da Lei 3854, de 18 de
dezembro e em 1972 foi transformada em Autarquia de Regime Especial por meio do Decreto
70.686, o qual favoreceu a implantação do curso de Enfermagem e Obstetrícia, autorizado
pelo Parecer 3.246, de 5 de outubro de 1976, e pelo Decreto 78.949, de 15 de dezembro
de 1976, e reconhecido pelo Parecer do CFE 1.484/79 e pela Portaria MEC 1.224, de 18
de dezembro de 1979.
Somente em 1999 foram implantados os cursos Nutrição, Ciências Biológicas e a
modalidade Fármacos e Medicamentos, para o curso de Farmácia, todos autorizados pela
Portaria do MEC 1.202, de 03 de agosto de 1999 e iniciados no ano 2000.
Mediante tal ampliação de cursos, a instituição foi transformada em Centro
Universitário Federal EFOA/CEUFE, um ano após o início dos novos cursos, por meio da
Portaria do MEC nº 2.101, de 1º de outubro de 2001.
Em atendimento às exigências legais das Diretrizes Curriculares, o curso de Ciências
Biológicas foi desmembrado em modalidades, originando os cursos de Ciências Biológicas -
Licenciatura, com início no segundo semestre de 2002, e Ciências Biológicas - Bacharelado,
com início no primeiro semestre de 2003. Em 2003 teve também início o curso de Química -
Bacharelado, ampliando a área de atuação da Instituição.
Dois anos mais tarde, a EFOA/CEUFE foi transformada em Universidade Federal de
Alfenas UNIFAL- MG, por meio da Lei Federal 11.154, de 29 de julho de 2005. No ano
de 2006/2007, como resultado da participação da UNIFAL-MG no Programa de Expansão do
Ensino Superior coordenado pelo MEC, foram criados os cursos de Ciências da Computação,
de Licenciatura em Física, de Licenciatura em Matemática e de Pedagogia, além da ampliação
do número de vagas para do curso de Química Bacharelado.
Em continuidade ao processo de expansão, a UNIFAL-MG implantou, em 2007, os
cursos de Química - Licenciatura, de Geografia Bacharelado e Licenciatura, de
Biotecnologia, as ênfases em Ciências Médicas e Ciências Ambientais no curso de Ciências
188
Biológicas e ampliou a oferta de vagas para o curso de Nutrição. Em março deste mesmo ano
o número de alunos matriculados já chegava a 1.779, sendo que 293 (16,5%) dos matriculados
estavam no período noturno.
Em 2008, o curso de Ciências Biológicas com ênfase em Ciências Médicas foi
alterado para Biomedicina e, no primeiro semestre de 2009, foram inaugurados os cursos de
licenciatura em História, em Letras (com bacharelado), em Ciências Sociais (também como
bacharelado) e o curso de Fisioterapia. Além dos cursos de graduação, houve ainda a
expansão dos cursos de pós-graduação strictu sensu com a criação de novos cursos de
mestrados e doutorados.
As tendências de expansão das Instituições Federais de Ensino Superior, aliadas às
demandas regionais do Sul de Minas, levaram a UNIFAL-MG, em 2009, à criação de dois
novos campi nas cidades de Varginha e Poços de Caldas, além de um segundo campus em
Alfenas. No Campus de Varginha foram criados os cursos de Bacharelado Interdisciplinar em
Ciência e Economia, Ciências Atuariais, Administração Pública e Ciências Econômicas e em
Poços de Caldas, os cursos de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia,
Engenharia Urbana e Ambiental, Engenharia de Minas e Engenharia Química, com início no
primeiro semestre de 2009.
O cenário político-social do sul e sudeste de Minas Gerais propiciou discussões entre
as universidades federais dessa região, resultando, em junho de 2011, na aprovação, pelo
Conselho Universitário, da participação da UNIFAL-MG em um consórcio de universidades
com vista à criação de potenciais cursos de graduação para expansão universitária como, por
exemplo, Medicina, Filosofia, Terapia Ocupacional, Geologia e Serviço Social (UNIFAL-
MG, 2013).
No que toca à pós-graduação strictu sensu, constatamos que estão previstos os
seguintes cursos: mestrados em Energia e Sustentabilidade, Ciências e Engenharia Ambiental,
em Poços de Caldas, mestrado em Gestão Pública e Sociedade em Varginha e, em Alfenas,
mestrados em Educação, Estudos Culturais, Ciências Odontológicas, Biometria e Matemática
Aplicada e Física, além dos doutorados em Biociências e Química.
Diante dos desafios da expansão e preocupada em manter a sua reconhecida qualidade
e bons resultados em seus cursos de graduação e pós-graduação, a UNIFAL-MG tem buscado
uma constante melhoria do ensino universitário.
Tal busca revela-se, entre outros meios, pelo estabelecimento de diretrizes
pedagógicas que define inovações significativas em relação à flexibilidade dos componentes
189
curriculares, a ampliação da discussão de metodologias ativas e interdisciplinaridade. E,
ainda, desenvolvimento de materiais pedagógicos por meio de grupos de estudos para a
aplicação de metodologias inovadoras, dentre elas a metodologia da problematização,
incorporação de avanços tecnológicos com a utilização de Educação a Distância, entre outros.
Observamos que se trata de diretrizes que visam fomentar a inovação pedagógica na
Universidade. Tal inovação, no entanto, não dispensa a atualização dos docentes para sua
consecução. É nesse contexto que situamos o Programa Permanente de Desenvolvimento
Profissional e Formação Pedagógica PRODOC da UNIFAL-MG.
Sobre o programa permanente de desenvolvimento profissional e formação pedagógica -
prodoc
Constatamos em nossa investigação que o Programa Permanente de Desenvolvimento
Profissional e Formação Pedagógica de Docentes foi aprovado por meio da Resolução
009, de 18 de maio de 2011 e complementa a qualificação do corpo docente da UNIFAL-MG.
Trata-se de um Programa apresentado pela Pró-Reitoria de Graduação PROGRAD e integra
o Plano Anual de Capacitação Docente.
O PRODOC tem por objetivo propiciar aos docentes da UNIFAL-MG oportunidades
de aprimoramento, de atualização e de melhoria do processo ensino-aprendizagem e da
prática docente. Por meio de oficinas, cursos, seminários, entre outras ações da mesma
natureza, busca abordar a organização e gestão da estrutura acadêmica e administrativa da
instituição, os fundamentos educacionais do ensino superior, as bases epistemológicas, sociais
e culturais do desenvolvimento desse nível de ensino, assim como recursos, inovações e
metodologias educacionais.
Observamos que as oficinas, cursos, seminários e demais ações do Programa
relacionadas ao atendimento da dimensão “organização e gestão da estrutura acadêmica e
administrativa da Universidade”, busca, entre outras coisas, promover a ambientação do
docente ao local e às condições de trabalho, de modo a facilitar sua integração aos demais
servidores e nortear sua vida funcional junto à Instituição.
no que se refere às bases epistemológicas, sociais e culturais do ensino superior, o
objetivo é promover reflexões sobre a docência nos diferentes contextos de atuação
profissional desta atividade, articulando ensino, pesquisa e extensão.
No tocante as bases educacionais, o que se visa é discutir temas relacionados aos
fundamentos legais, normativos do funcionamento e de avaliação/supervisão educacional dos
190
cursos de graduação, bem como a reflexão sobre a docência e sua relação com os paradigmas
emergentes e políticas educacionais em vigor vinculadas à educação superior.
Sobre os recursos e inovações metodológicas, o Programa busca contemplar temas
relacionados diretamente a prática pedagógica e a atuação do docente no ensino superior.
Em síntese, destacamos que o conjunto de oficinas, cursos, seminários e demais ações
desenvolvidos pelo PRODOC, deve garantir que sejam propiciados instrumentos de formação
que possibilitem ao docente uma ampla visão da realidade da Instituição, destacando a
explanação de sua estrutura, seus objetivos, Programas e Planos. Assim como uma abordagem
dos elementos pedagógicos indispensáveis ao exercício da carreira de docente no ensino
superior, enfatizando aspectos que aprimorem o processo ensino-aprendizagem e permitam a
manutenção do padrão de qualidade do ensino praticado nos cursos e programas oferecidos
pela UNIFAL-MG.
Observamos, ademais, que a elaboração e execução de suas atividades buscam
envolver tanto os membros dos corpos docente e técnico administrativo, como também a
Diretoria da Unidade Acadêmica de lotação dos docentes, Coordenações de Cursos de
Graduação, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Pró-Reitoria de Extensão, Pró-Reitoria
de Gestão de Pessoas, Biblioteca, Departamento de Registros Gerais e Controle Acadêmico,
entre outros órgãos e seus respectivos responsáveis.
Embora endereçado a todo o corpo docente, sublinhamos que o PRODOC visa
especialmente os docentes em estágio probatório. Conforme resolução, “[...] a partir do
primeiro semestre de exercício profissional na Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL-
MG, os docentes admitidos na condição de professores efetivos em estágio probatório,
deverão obrigatoriamente, cumprir o Programa [...]”. Além disso, consta que “[...] o docente
aprovado em estágio probatório que obtiver, em pelo menos duas avaliações institucionais
consecutivas, um resultado não satisfatório, conforme critério estabelecido pela Comissão
Própria de Avaliação [...] deverá participar das ações [...]” do PRODOC, se sua participação
for recomendada pelo diretor da unidade acadêmica onde esteja lotado, em conjunto, no
mínimo, com um coordenador do curso onde atuou como docente no período destas
avaliações, que recomendarão as dimensões e a carga horária necessárias para sua atualização
(UNIFAL-MG, 2011, p.1).
Para os demais docentes aprovados no estágio probatório a participação no
Programa é livre e voluntária, podendo a certificação ser aproveitada na progressão na
carreira.
191
Sobre a natureza do PRODOC, compreendemos que tal iniciativa motiva os
professores a focalizar a atenção na prática docente e nas intenções de ensino, assim como
incentiva a criação de espaços de reflexão crítica que auxiliam no desenvolvimento da
consciência do trabalho docente e contribui para o desenvolvimento da profissionalidade
docente à medida que se compartilha problemas, discute e contrasta pontos de vistas teóricos,
bem como se analisa fatores que condicionam a atividade de ensinar.
Reconhecemos que tal Programa viabiliza o que Dias de Souza (2011) aponta como
criação de espaços e situações que contribuem para ampliar o repertório de saberes docentes,
aliando o que fazem enquanto docentes às teorias pedagógicas, possibilitando aproximá-los de
uma perspectiva de profissionalização da docência, conforme apontam Almeida (2007, 2012),
Anastasiou (1998), Cunha (2005, 2007, 2008), Esteves (2008), Formosinho (2009), Pimenta e
Anastasiou (2002), entre outros estudiosos da temática.
Considerações finais
Constatamos, com o estudo levado a termo, o investimento por parte da UNIFAL-MG
no que se refere à promoção de ações de formação pedagógica continuada por meio de um
programa de desenvolvimento profissional docente, ações estas sintonizadas com os desafios
do ensinar na universidade.
Consideramos que uma das características marcante do PRODOC é a criação de uma
cultura institucional sintonizada com uma formação consistente e com legitimidade, que
cria abertura para os docentes expressarem suas reais necessidades pedagógicas.
Consideramos, ainda, que tal Programa revela-se como uma iniciativa que coaduna
com a atual exigência de formação continuada do docente da Educação Superior. Isto porque
cada vez mais se põe como exigência aos professores o desenvolvimento de competências
pedagógicas para além dos seus conhecimentos científicos e técnicos.
Nesse sentido, torna-se imperioso que os docentes explicitem suas opções e as razões
que presidem as suas decisões sobre o que ensinam e como ensinam. A formação pedagógica
é, portanto, uma tendência cada vez mais recomendada por pesquisadores da temática
docência universitária, bem como aceita e incentivada pelas próprias instituições de ensino
superior.
192
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193
Formação continuada de professoras de educação infantil: o projeto de extensão
“veredas”
Andressa de OLIVEIRA MARTINS
Márcia Regina ONOFRE
Aline SOMMERHALDER
Introdução
Na parceria entre uma universidade federal e professoras da rede, o Projeto de
Extensão Universitária “VEREDAS: descortinando os caminhos, políticas e práticas das
profissionais que atuam com crianças de 0 a 3 anos em uma instituição de educação infantil
de São Carlos/ SP originou-se no ano de 2012 defendendo a ideia de um processo de
formação continuada em serviço para professores/as que atuam com bebês e crianças
pequenas, visando contribuir com a lacuna nesse campo de formação e atuação profissional.
Nesse sentido, o Projeto intencionou desde seu início promover ações conjuntas de formação
visando contribuir para a formação de professores e outros profissionais envolvidos no
processo educacional escolar de crianças da educação infantil. Dentre seus objetivos destaca-
se o estabelecimento, com o grupo de profissionais envolvidos/as, do planejamento das ações
formativas, visando produzir conhecimentos sobre a formação de professores, tomando os
fazeres pedagógicos situados em uma instituição de educação infantil, em especial uma creche
como lócus para reflexão e melhoria da atuação profissional.
De acordo com Assis (2007) a precariedade de alguns cursos de formação destinados
aos professores de educação infantil, em especial as professoras que atuam com bebês e
crianças pequenas em creches, ocorre pelo fato da própria sociedade imaginar que a condição
de ser mulher habilita uma pessoa a ser professora de crianças, partindo da ideia de que a
mulher é uma educadora nata, ou seja, com vocação para a atividade educacional.
Considerando a questão da formação do/a profissional que atua na Educação Infantil,
Kishimoto (1999) aponta que a precariedade de alguns cursos de formação e a pouca
exigência formativa para atuar nessa etapa de educação básica reforça a política de exclusão
desses/as profissionais no campo da educação.
Alguns estudos sobre formação e atuação do/a profissional que atua na educação
infantil mostram que, apesar da evolução no campo legal, o caráter assistencial dessa etapa da
194
educação básica, ainda hoje, prevalece sobre o caráter educacional. A visão em relação ao/a
profissional que atua com bebês e crianças pequenas reforça essas questões, pois a mulher é
vista como “tia” que têm um perfil marcado pelo compromisso de ser “alguém” que irá
contribuir para o estabelecimento do consolo e da proteção da criança, e de confiança dos pais
e responsáveis por tornar a escola uma extensão do lar (ASSIS, 2004).
Nesse cenário de exclusão profissional apontado por Kishimoto (1999),
consequentemente, os saberes e as ações pedagógicas dessas profissionais são desvalorizados.
Para Ostetto (2011) isso ocorre pelo fato de que os momentos de aprendizagem na educação
infantil são vistos socialmente de forma limitada, gerando pouca visibilidade e valorização
para essa etapa educativa.
Nessa perspectiva é fundamental que o grupo de professores/as de educação infantil se
reconheçam enquanto produtores/as de saberes, se reconheçam na condição de educadores/as,
e não de meros/as funcionários/as, que busquem formação específica para sua atuação,
visando fundamentar e definir um novo fazer educacional (ANGOTTI, 2010).
Tardif (2002) aponta que reconhecer os/as professores/as em exercício enquanto
produtores/as e sujeitos de saberes, é reconhecer igualmente que esses têm competência para
atuar em sua própria formação, “[...] isto é, ter o poder e o direito de determinar, com os
outros atores da educação, seus conteúdos e formas.” (TARDIF, 2002, p. 240).
De acordo com o autor, os professores também são formadores, assim são capazes de
participar de forma ativa de suas próprias formações e de seus pares profissionais. Nessa
mesma direção, Imbernón (2009a) elucida que a formação de professores deve ser um espaço
de participação e reflexão, de estímulo crítico, que forme o professor na mudança e para a
mudança, visando uma autonomia profissional compartilhada.
Esse é um processo que ocorre em parceria, no compartilhar de conhecimentos e
saberes, é uma formação pautada no conjunto de professores, assim o conhecimento deve
ocorrer de forma interativa, pautado em situações de práticas profissionais reais. “A formação
terá como base uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a permitir que
examinem suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes, etc. [...]”
(IMBERNÓN, 2009a, p. 48-49).
Nóvoa (1992) também enfatiza que é preciso a criação de redes coletivas de trabalho
para afirmação da profissão, assim “O desenvolvimento de uma nova cultura profissional dos
professores passa pela produção de saberes e de valores que deem corpo a um exercício
autônomo da profissão docente.” (NÓVOA, 1992, p. 26).
195
É fundamental que essa formação seja voltada para desenvolver essa cultura,
propiciando uma prática autônoma da docência, pautada na reflexão, na crítica, na pesquisa e
na inovação. Nesse processo, Machado e Formosinho (2009) apontam que é fundamental que
os professores sejam reconhecidos como sujeitos que tomam decisões, que produzem saberes,
que criam resoluções originais para os problemas que enfrentam no dia-a-dia.
Imbernón (2009b) destaca que a formação continuada de professores deve estar
conectada a realidade, pautada na reflexão e análise das situações problemas enfrentadas pelos
professores, objetivando atender as necessidades formativas do coletivo devendo, conforme
explicita Barroso (1997) propiciar meios para valorizar à experiência construída pelos/as
profissionais envolvidos/as no espaço de trabalho, possibilitando a participação e a construção
coletiva nas tomadas de decisões.
A formação centrada na escola objetiva tomar a escola enquanto local de
aprendizagem e os/as professores/as como produtores/as de saberes, que aprendem por meio
de sua própria experiência, das vivências no coletivo de trabalho e por meio da reflexão
coletiva sobre sua prática (MACHADO; FORMOSINHO, 2009). Destacam esses autores que
é fundamental que a escola valorize as experiências e saberes desses/as professores/as e crie
condições para que participem da tomada de decisões.
Imbernón (2009a) defende a formação centrada na escola, tomando a instituição
escolar enquanto espaço prioritário de formação. Para o autor, a ideia de formação centrada na
escola vai além da simples mudança física do processo formativo. A formação centrada na
escola é “[...] um novo enfoque para redefinir os conteúdos, as estratégias, os protagonistas e
os propósitos da formação.” (IMBERNÓN, 2009a, p. 80).
Essa formação centrada na escola objetiva desenvolver um processo formativo
colaborativo entre os professores, evidenciando que o professor é um sujeito desse processo e
não mero objeto da formação, tomando como ponto de partida as situações de prática
profissional que são reais e desenvolvidas no cotidiano da atuação. A formação assim, se
adapta a realidade educativa dos professores, se transformando em uma possibilidade de
abertura de espaços de participação e reflexão, colaborando com a autonomia profissional
compartilhada (IMBERNÓN, 2009a).
Concorda-se com Imbernón (2009a) sobre a formação continuada ser um “[...]
elemento de estímulo e de luta pelas melhorias sociais e profissionais e como promotora do
estabelecimento de novos modelos relacionais na prática da formação das relações de
trabalho.” (IMBERNÓN, 2009a, p. 47).
196
Defende-se uma formação apoiada na reflexão crítica, no pensar e teorizar os fazeres
pedagógicos realizados com as crianças e que possibilite superar a dicotomia existente entre
teoria e prática, pensar e agir. Pauta-se essa formação em um processo de liberdade e diálogo,
com a finalidade de identificar e valorizar também os saberes da experiência feito, utilizando
esses saberes em processos de reflexão teorizada.
Caminho metodológico
Caracterizou-se como um estudo de abordagem qualitativa que objetivou analisar se a
participação de professores/as no Projeto “VEREDAS” foi colaborativa em sua formação para
atuação na educação infantil. A pesquisa qualitativa tem como objetivo compreender
determinada situação social, por meio de um processo investigativo, no qual o pesquisador
entra no mundo a ser investigado, e por meio de interações consegue realizar sua pesquisa
(BOGDAN; BIKLEN, 2010).
Trata-se de uma pesquisa participante, na perspectiva proposta por Brandão (1981),
necessitando do comprometimento de algum modo do pesquisador com a causa popular. De
acordo com esse autor, essa participação não se reduz a uma mera aproximação do
pesquisador para conhecer o mundo que pesquisa, mas “[...] determina um compromisso que
subordina o próprio projeto científico de pesquisa ao projeto político dos grupos [...] cuja
situação de classe, cultura ou história se quer conhecer porque se que agir.” (BRANDÃO,
1981, p. 12).
O estudo foi realizado em um CEMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) de um
município do interior do estado de São Paulo, onde é desenvolvido o Projeto de Extensão
“VEREDAS”. O Projeto atua na formação continuada de 20 professoras da educação infantil
e promove o compartilhar de saberes e práticas dessas profissionais. Desenvolve-se em
parceria com docentes e estudantes de licenciatura de uma universidade pública, em um
processo de colaboração e formação em serviço.
As profissionais professoras participantes da pesquisa foram selecionadas
considerando o critério de participação no Projeto um ano ou mais tempo, considerando
que o estudo envolve questões relacionadas à formação continuada e reflexos do Projeto de
Extensão na atuação dessas profissionais.
197
Das 20 (vinte) professoras envolvidas no Projeto de Extensão, 8 (oito) apresentavam o
perfil de participação de um ano ou mais tempo. No entanto, apenas 6 (seis) profissionais
(professoras) disponibilizaram-se participar desse estudo.
Os dados foram coletados por meio de questionários, na perspectiva proposta por
Ludke e André (1986). Os questionários foram elaborados considerando o objetivo da
pesquisa e foi organizado com questões fechadas e abertas. A análise dos dados foi realizada
de forma qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 2010) e considerando a literatura escolhida.
O processo de organização e análise dos dados ocorreu inicialmente por meio do
mapeamento geral das respostas dos questionários, seguido do agrupamento das informações
em torno de temáticas suscitadas por elementos comuns ou divergentes presentes no conjunto
das informações.
Ressalta-se que o desenvolvimento desse estudo ocorreu respeitando os cuidados
éticos no que se refere ao consentimento de participação, a preservação do anonimato e à
confidencialidade dos dados.
Resultados e discussão
Para o presente texto, serão apresentados alguns dos resultados encontrados. Nesse
estudo considerou-se a formação enquanto um processo permanente, que não ocorre apenas
em um momento específico, mas é algo contínuo, em movimento, que perpassa pelo campo
teórico de conhecimento e pelo âmbito da prática social e profissional.
De acordo com Freire (2010) a formação contínua dos profissionais que atuam na
educação infantil é fundamental para que essa etapa de ensino se concretize enquanto um
segmento importante da educação. Segundo Campos (1994) a formação da profissional da
educação infantil deve ir ao encontro de sua atuação e também com os objetivos que se
pretende alcançar com as crianças.
Os dados da presente pesquisa revelam que os processos formativos contínuos
desencadeados pelo Projeto de Extensão VEREDAS, no compartilhar de experiências e o
estudo do campo teórico e prático foram aspectos importantes para as aprendizagens do ser
professora de educação infantil.
198
Estou refletindo mais sobre as minhas práticas e mais atenta a algumas
situações que antes passavam despercebidas. Estou reaprendendo a
profissão. (Professora 6).
O Projeto me despertou para um novo olhar sobre meus alunos, sobre minha
profissão. Possibilitou a reflexão do trabalho que realizo. (Professora 5).
O Projeto ampliou os meus conhecimentos; Com as atividades passei a ter
um olhar mais cuidadoso para cada acontecimento em sala de aula, que às
vezes passava desapercebido; Passei a buscar a melhor maneira de agir na
minha prática como docente, e passei a me valorizar mais como profissional.
O Projeto me possibilitou refletir sobre os aspectos que se fazem presentes
nas interações dos alunos para o desenvolvimento de cada um. (Professora
1).
As professoras participantes da pesquisa apontam que na formação inicial os temas
referentes a Educação Infantil não são tão aprofundados e que uma formação mais específica
para o trabalho em creches e pré-escola muito contribui para a atuação com os bebês e
crianças pequenas. Quando questionadas sobre a formação inicial as professoras apontam que:
Acredito que na formação inicial o tempo não é suficiente para abarcar todas
as demandas e temas a serem abordados e conhecidos. Considero que
poderia sim se ter um maior enfoque para a primeira infância, pois a maior
parte das disciplinas do meu curso tiveram um enfoque para metodologias
das séries iniciais do ensino fundamental e somente dois semestres para
educação infantil abarcando todas as fases e não somente os bebês.
(Professora 4).
Acredito que a formação inicial é muito pobre em conhecimentos. O
professor precisa estudar durante a vida toda, o aprendizado é uma troca
diária e constante. (Professora 3).
Esses relatos evidenciam as falhas na formação inicial voltada para Educação Infantil.
Pelo fato de a professora da creche ter sua função associada ao cuidar faz com que muitas
vezes a visão social em relação a essa profissional é de que basta ser mulher para saber ser
professora de crianças pequenas. Essa relação entre Educação Infantil e função materna
reflete na precariedade de alguns cursos de formação destinados as professoras de creche,
uma vez que pela questão de o ensino na educação infantil não ser pautado no processo
tradicional/ convencional, e pelo fato de que a educação infantil requer cuidados que se
aproximam da função materna, a profissional que atua nesse nível de ensino tem pouca
visibilidade e valorização. (ASSIS, 2007; OSTETTO, 2011).
199
Considerando a especificidade da docência na Educação Infantil, as professoras
participantes da pesquisa evidenciam que a formação continuada proporcionada pelo Projeto
de Extensão VEREDAS oferece subsídios importantes para a atuação com crianças pequenas,
suprindo muitas vezes as lacunas da formação inicial, além de favorecer o reconhecimento e a
valorização profissional.
Sobre a formação continuada, Freire (2010) destaca que essa deve estar vinculada a
prática, se desenvolvendo de forma dinâmica, interativa e participativa, cujos conteúdos
advenham da realidade do trabalhar com crianças pequenas.
Machado (2000) enfatiza que a formação de professores para educação infantil tem de
captar as especificidades do trabalho que deve ser desenvolvido com crianças pequenas,
visando à integração entre o cuidar e o educar de forma efetiva.
A formação da professora de Educação Infantil deve caminhar nesse sentido,
reconhecendo a especificidade do ser criança e a importância do cuidar, do educar e do
brincar nesse nível de ensino, considerando a relevância dessa profissional no processo de
desenvolvimento integral de bebês e crianças pequenas.
Sobre isso, uma das professoras cita os cursos (oficina) que ocorrem dentro do Projeto
VEREDAS como um dos mecanismos para as aprendizagens do ser professora. Quando
questionadas sobre a formação continuada as professoras apontam o Projeto auxilia muito na
atuação junto a crianças pequenas. Uma das professoras participantes da pesquisa enfatiza
que:
Os cursos contribuem muito para melhorar as atividades lúdicas, expressão
corporal, canto de músicas infantis, brincadeiras, contação de histórias,
massagem e relaxamento, violência, primeiros socorros, etc. (Professora 3).
Todas as professoras relatam que a atuação junto a crianças pequenas requer constante
formação e aprimoramento do conhecimento, bem como a reflexão sobre a atuação
profissional. Outro ponto relevante presente nos depoimentos das professoras é com relação a
importância da troca com as colegas de profissão, isso é indicado pelas participantes da
pesquisa como fundamental para as aprendizagens do ser professora de Educação Infantil.
A base teórica sem dúvida é fundamental, por isso imprescindível que o
professor tenha curso superior na área da educação, mas a prática adquire-se
no dia a dia, convivendo com as companheiras de sala, tentando, errando e
200
acertando, tendo a humildade de voltar à trás quando percebe que seu aluno
não aprendeu. (Professora 3).
Acredito que ainda estou aprendendo, mas com certeza trago influencias dos
meus professores da universidade, das trocas em sala de aula com outros
colegas de minha turma, e muito no convívio com excelentes professoras
com as quais trabalhei e com as próprias crianças nas interações com elas.
(Professora 4).
As professoras as aprendizagens resultantes do Projeto de Extensão VEREDAS
refletiu na organização da escola como um todo, possibilitando uma maior autonomia de ação,
uma maior compreensão da importância do seu papel nas decisões e, consequentemente a
emancipação pessoal e profissional e a crítica ao contexto social, conforme mostra o
depoimento:
Tudo o que trocávamos no projeto refletia na nossa forma de agir e no
movimento do cotidiano escolar. Até as professoras e educadoras que não
participaram do projeto vinha nos perguntar as novidades. Cada caixa que
trazíamos, cada painel, cada proposta de interação com a comunidade era
bem-vinda, pois sabiam que éramos estimuladas pelo projeto e isso
representava que algo inovador, diferente e enriquecedor e que seria bom
para a escola. (Professora 5).
As professoras participantes das pesquisas apontam ainda que é preciso que os pares
exerçam um papel político e de valorização docente, buscando novos cursos de formação
continuada, melhores condições de trabalho e de carreira e que se articulem de forma coletiva,
ética e profissional.
Sobre isso Kramer (2011) elucida que a formação deve possibilitar aos profissionais
da escola uma visão de totalidade do trabalho pedagógico, no sentido de favorecer a reflexão
e a construção coletiva da equipe, revendo juntos a própria prática primando pela cooperação
e pela a ética e sendo capazes de reconhecer suas limitações e os desafios que a carreira impõe
com vistas à construção da autonomia e, consequentemente da reorganização do trabalho
pedagógico.
Os dados da presente pesquisa apontam que a formação continuada proporcionada
pelo Projeto de Extensão “VEREDAS” desencadeou diferentes processos educativos que
foram construídos por meio do estudo e reflexão sobre a prática na Educação Infantil, bem
como pela interação e troca de experiências entre as participantes. De acordo com as
professoras participantes da pesquisa o Projeto “VEREDAS” refletiu nas práticas
pedagógicas, na atuação e também na postura profissional, possibilitando um conhecimento
201
sobre o trabalho com crianças pequenas, bem como uma maior compreensão da importância
do cuidar associado ao brincar e ao educar.
Considerações
A partir desse estudo, consideramos que o Projeto “VEREDAS” contribuiu de forma
positiva no processo formativo e na prática das professoras participantes da pesquisa,
possibilitando um maior reconhecimento da especificidade da docência na Educação Infantil e
da relevância da atuação do(a) professor(a) no processo de desenvolvimento infantil.
Destacamos ainda que a aprendizagem do ser professora de bebês e crianças pequenas
perpassa por diferentes aspectos, como as experiências de vida e profissão, os processos
formativos iniciais e contínuos e também pelo campo teórico de conhecimento e pelo âmbito
da prática social e professional.
Com base nos dados defendemos que a formação de professores tem que se apoiar na
reflexão crítica, teórica e prática, possibilitando superar a dicotomia existente entre teoria e
prática, pensar e agir. Para isso é fundamental o reconhecimento da profissional que atua em
creches e pré-escolas, afastando suas práticas dos fazeres domésticos, contribuindo para a
valorização dessas profissionais que desenvolvem uma profissão marcada por suas
peculiaridades e complexidades e que remete a reflexão, ao compromisso ético, político e
pedagógico.
Considera-se a necessidade de outros estudos nesse campo, de modo a aprofundar as
discussões sobre essa temática caminhando no sentido de escutar a voz dessas profissionais,
considerando os saberes que são produzidos no interior das creches.
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis-R. J.: Vozes, 2002.
203
Reflexões preliminares sobre práticas, metodologias e formação de professores
para o ensino de Sociologia.
Eva Aparecida da SILVA
Introdução
A história de inserção da Sociologia no sistema de ensino brasileiro é
marcada por ausências e emergências.
Em 1891, ela ingressa pela primeira vez nos cursos secundários como
disciplina obrigatória, no contexto da Reforma Benjamin Constant e da presença do
ideário positivista, em especial, nas escolas da Marinha, na Escola Politécnica, nas
faculdades de medicina e, sobretudo, nas faculdades de direito. A primeira proposta
formal de institucionalização da Sociologia no universo acadêmico, datada em 1879, foi
a de Rui Barbosa, ao defender a substituição da disciplina de direito natural pela
Sociologia, como forma de conferir maior cientificidade ao processo de construção do
conhecimento jurídico. Para além da problematização científica da sociedade e das leis
que a deveriam reger, os cursos de direito objetivavam, sobretudo, a formação de
quadros políticos, com base na ideia de “liberdade”, “ordem”, “progresso” e
“civilização” (MEUCCI, 2000).
Em 1901, entretanto, sob a Reforma Epitácio Pessoa, o Decreto no. 3890, de
de janeiro, desobrigou o ensino de Sociologia nos cursos secundários, sem haver sua
efetiva implantação (MOTA, 2005).
A Sociologia somente retornou ao sistema de ensino brasileiro em 1925, sob a
Reforma Rocha Vaz, e passou a constar do currículo da série do ginasial, cursada
para obtenção do título de “Bacharel em Ciências e Letras”. Em 1928 tornou-se
obrigatória nos programas dos cursos de magistério, no Rio de Janeiro e em
Pernambuco. E em 1931, até 1941, em todo o Brasil, foi matéria obrigatória nos cursos
complementares (ou de admissão) para ingresso nos cursos superiores (direito,
engenharia, arquitetura e medicina). Nos anos 1930, a Sociologia, assim como a
Antropologia e a Ciência Política, é reconhecida como conhecimento específico,
momento no qual são criados os cursos de graduação em Ciências Sociais na Escola
Livre de Sociologia e Política (1933), na Universidade de São Paulo (1934), na
204
Universidade do Distrito Federal (1935) e na Universidade do Paraná (1938). É neste
contexto que também surgem manuais e livros didáticos de Sociologia (MEUCCI,
2000).
De 1942, com a Reforma Capanema
19
, até 1982, a Sociologia passou por um
longo período de imersão, pois ficara ausente do currículo dos cursos secundários como
disciplina obrigatória, mantendo-se apenas nas escolas normais. Cabe destacar que,
dentro deste intervalo de tempo, a partir de 1964 prioriza-se a formação
profissionalizante, e com isso a Sociologia, a Filosofia e as Ciências Humanas são
retiradas do ensino secundário, e em 1971, com a Lei 5.692 (Reforma Jarbas
Passarinho)
20
, a Sociologia passa a compor a parte diversificada do então “segundo
grau”, no entanto não é reinserida efetivamente, que se optava por disciplinas que
permitissem a aplicação prática dos conteúdos estudados. Em 1982, a Lei 7.044 retira a
obrigatoriedade da profissionalização no segundo grau e abre brechas para a inserção de
disciplinas optativas, entretanto não houve a concretização da Sociologia como uma
dessas disciplinas. A Resolução nº. 6, de 1986, do Conselho Federal de Educação,
recomendou a introdução da Filosofia no núcleo comum de disciplinas do segundo grau,
e a Sociologia continuaria na parte diversificada do currículo desse nível de ensino. É
importante destacar que no contexto da redemocratização do país e da elaboração da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9.394/96) se acirram as lutas por sua
efetiva obrigatoriedade e implantação (MOTA, 2005)
21
.
Embora a Lei 9.394/96, a partir da qual o Ensino Médio torna-se parte da
Educação Básica, em seu Art. 36, parágrafo 1º, considere que:
Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando
demonstre: I domínio dos princípios científicos e tecnológicos que
presidem a produção moderna; II conhecimento das formas
contemporâneas de linguagem; III domínio dos conhecimentos de
Filosofia e Sociologia necessários ao exercício da cidadania
(BRASIL, 1996)
19
O ensino secundário foi organizado em dois ciclos: o ginasial (quatro anos) e o colegial (dividido em
dois cursos, de três anos cada: o científico e o clássico).
20
Diferente da Reforma Capanema, a Lei 5.692/1971 institui o chamado “primeiro grau” (ensino de oito
anos, na faixa etária de sete a quatorze anos), ao incorporar o primário ao ginasial, e o “segundo grau”
(três anos), que substitui o colegial. Nesse nível de ensino os jovens deveriam adquirir uma habilidade
profissional.
21
Em Minas Gerais, nas escolas públicas e municipais de segundo grau, a Sociologia se torna obrigatória
em 1990; no Distrito Federal em 1985.
205
Mais uma vez a Sociologia, e também a Filosofia, não se torna obrigatória na
composição da base comum de disciplinas do Ensino Médio, mas apenas pode compor a
parte diversificada dessa grade curricular, mesmo sendo ela imprescindível para
promover o “exercício da cidadaniae do desenvolvimento do “educando como pessoa
humana”, com “autonomia intelectual” e “pensamento crítico”, tal como consta do Art.
35 da LDB/96.
O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração
mínima de três anos terá como finalidade: I a consolidação e o
aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II a
preparação básica para o trabalho e cidadania do educando como
pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
autonomia intelectual e do pensamento crítico; III a compreensão
dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
(BRASIL, 1996)
Na Resolução CEB/CNE 3, de 26 de junho de 1998, que institui as
Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM), o Art. 6 define que:
Os princípios pedagógicos da Identidade, Diversidade e Autonomia,
da Interdisciplinaridade e da Contextualização serão adotados como
estruturadores dos currículos do ensino médio. (BRASIL, 1998, p. 2)
Com isso, em seu Art.10, parágrafo 2º, item b, estabelece que “As propostas
pedagógicas das escolas deverão assegurar tratamento interdisciplinar e contextualizado
para conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários para o exercício da cidadania”
(BRASIL, 1998, p. 4), sinalizando para o fato de que uma vez excluídas do currículo
obrigatório (base nacional comum), seus conteúdos específicos deveriam ser abordados
de forma interdisciplinar por outras matérias.
E em seu art. 4º, as Diretrizes definem a base curricular para o Ensino Médio, a
partir das finalidades dessa etapa da educação básica, destacando que:
As propostas pedagógicas das escolas e os currículos constantes
dessas propostas incluirão competências básicas, conteúdos e formas
de tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades do ensino
médio estabelecidas pela lei:
I - desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar
aprendendo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico, de
modo a ser capaz de prosseguir os estudos e de adaptar-se com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento;
206
II - constituição de significados socialmente construídos e
reconhecidos como verdadeiros sobre o mundo sico e natural, sobre
a realidade social e política;
III - compreensão do significado das ciências, das letras e das artes e
do processo de transformação da sociedade e da cultura, em especial
as do Brasil, de modo a possuir as competências e habilidades
necessárias ao exercício da cidadania e do trabalho;
IV - domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos que
presidem a produção moderna de bens, serviços e conhecimentos,
tanto em seus produtos como em seus processos, de modo a ser capaz
de relacionar a teoria com a prática e o desenvolvimento da
flexibilidade para novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento
posteriores;
V - competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras
e outras linguagens contemporâneas como instrumentos de
comunicação e como processos de constituição de conhecimento e de
exercício de cidadania. (BRASIL, 1998, p. 2)
Observa-se que a concretização de tais finalidades poderia contar com um
suporte significativo das Ciências Sociais, entre elas a Sociologia e a Filosofia, no
entanto os conteúdos específicos a ambas deveriam ser diluídos nas diversas disciplinas,
como forma de promover a desdisciplinarização. Opção que não caracteriza a prática da
interdisciplinaridade, que segundo Fazenda (1993), é aquela baseada no diálogo entre
diferentes tipos de conhecimento, não só entre aqueles pertencentes às diversas áreas do
conhecimento científico, mas também entre eles e os chamados conhecimentos do senso
comum. No âmbito das DCNEM, a Sociologia e a Filosofia foram excluídas desse
diálogo, a partir das suas próprias “vozes”, já que poderiam se fazer representar pelas
“vozes” de outras matérias.
Somente em 2008, a Lei 11.684, de 02 de junho, altera o Art. 36 da Lei nº.
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos
currículos de todas as séries do ensino médio. E com ela o desafio de também pensar a
formação inicial nos cursos de Ciências Sociais daqueles que atuarão como docentes de
Sociologia nessa etapa da educação básica
22
.
Nesse contexto é elaborada, em 2008, a Proposta Curricular do Estado de São
Paulo para o Ensino de Sociologia, também subsidiada pelo debate de quase 30 anos
promovido pela Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (ASESP), pelas
22
Cabe destacar que, no que diz respeito à formação de professores nos cursos de Ciências Sociais,
segundo estudos de Handfas (2008), citada por Antunes (2013), os mais de 20 mil professores que
lecionam a disciplina de Sociologia no ensino médio não são formados na área, e que esse déficit se
em virtude de a formação inicial nas Ciências Sociais estar mais voltada ao bacharelado que para a
licenciatura, prevalecendo o 3+1, ou seja, predomínio do bacharelado somado à disciplinas da Educação.
207
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) e pela Sociedade
Brasileira de Sociologia (SBS) (SCHRIJNEMAEKERS & PIMENTA, 2011).
Essa Proposta parte do princípio de que o ensino de Sociologia tem o objetivo
de aprimorar o educando como pessoa humana, com base numa perspectiva ética,
desenvolver sua autonomia e criticidade, bem como prepará-lo para o exercício da
cidadania, tal como defende o Art. 35, inciso III da LDB/96. Objetiva ainda, assim
como também consta das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio:
Levar o aluno a compreender quem ele é enquanto membro da
sociedade brasileira. Dessa maneira o centro de nossas preocupações e
o nosso ponto de partida e de chegada é o aluno, o aluno jovem,
empenhando-nos para partir dele a fim de, com ele, pensar a sociedade
em que vive. Trata-se, portanto, não de se colocar no lugar do jovem
como porta voz, mas de aproximar-se dele para estranhar com ele o
seu próprio lugar no mundo que o cerca. O princípio que orienta essa
proposta, portanto, é o do estranhamento [...] (SÃO PAULO, 2008, p.
3)
Elas consideram ainda que não os conteúdos da Sociologia, mas de forma
mais ampla das Ciências Sociais, como é o caso da Antropologia e da Ciência Política, e
também da Filosofia, a História e a Geografia, podem contribuir para levar o jovem à
construção do estranhamento e da desnaturalização dos fenômenos e relações sociais.
Diferente das duas tendências vigentes no ensino da Sociologia
conceitual/linear e temática/fragmentada (MEKSENAS, 1994), a Proposta Curricular do
Estado de São Paulo para o Ensino da Sociologia sugere o trabalho com três grandes
eixos temáticos, complementares, correspondentes às três séries do Ensino dio,
subdivididos em quatro bimestres, tal como sistematizados nos Cadernos de Sociologia
(12 para professor e 12 para o aluno). Para cada bimestre de uma série existe um tema
que estabelece um contato gradual entre o aluno e a Sociologia. Entre os temas da
série estão: a Sociologia e o trabalho do sociólogo; O processo de desnaturalização e
estranhamento da realidade; O homem como ser social; Relações e interações sociais;
Socialização; Igualdade, diferença, desigualdade; Gênero, raça, etnia, etc. Na série
tem-se: População brasileira, diversidade nacional, regional; Migração, emigração e
imigração; Cultura e comunicação de massa; Trabalho, relações de trabalho,
transformações no mundo do trabalho; Violência simbólica, física e psicológica. Por
fim, na série encontramos os seguintes temas: Cidadania, não cidadania; Organização
e participação política (SCHRIJNEMAEKERS; PIMENTA, 2011; SÃO PAULO,
2008).
208
Do ponto de vista didático, estranhamento e desnaturalização do olhar, ou seja,
afastamento e crítica diante de tudo que parece ser natural se constituem na forma como
o sociólogo analisa a sociedade, de modo a construir o conhecimento científico,
devendo levar os alunos explicações para os fenômenos sociais, enquanto sócio
historicamente construídos e não como algo dado. Nesse processo, a pesquisa
desempenha um papel primordial, pois deve possibilitar o desenvolvimento de uma
“postura investigativa” ou uma “atitude de curiosidade” “que leve o aluno a refletir
sobre a realidade social que o cerca” (SÃO PAULO, 2008, p. 4).
Essa proposta curricular também sugere atividades diversificadas, tais como:
leitura e interpretação de textos (sociológicos, antropológicos, políticos, históricos,
jurídicos, etc.), de tabelas e gráficos contendo dados sociais, econômicos e
demográficos, realização de entrevistas, preenchimento e tabulação de questionários,
análise de imagens, reportagens de jornal, letras de música, filmes, elaboração de textos
dissertativos, constantes debates em sala de aula (SCHRIJNEMAEKERS; PIMENTA,
2011; SÃO PAULO, 2008).
Neste processo de ensino-aprendizagem, o (a) professor (a) exerce a “mediação
pedagógica” entre os conhecimentos e os alunos, “adequando ou ‘traduzindo’ para eles
o conhecimento científico” (SÃO PAULO, 2008, p. 4).
De acordo com Lopes, Camargo e Costa (2011), os Cadernos de Sociologia se
mostraram um grande desafio para a equipe que os elaborou, dada à complexidade da
disciplina e à reduzida carga horária reservada à Sociologia no ensino médio, e visa ser
um roteiro de trabalho e não uma “cartilha” a ser seguida de forma engessada. No
entanto, em pesquisa realizada com docentes de Sociologia da rede pública de
Campinas/SP, esses autores constataram que os Cadernos já são tomados como:
[...] cartilhas, apostilas a serem seguidas á risca, uma vez que,
entregue o material que é composto também por exercícios, a
tendência é pedir ao aluno que concentre a atenção para dar respostas
mecânicas e não para a reflexão da matéria abordada. Os conteúdos
estão condicionados pelas avaliações do ensino médio (SARESP) e
devem estar na ponta da ngua dos alunos para se conseguir ‘boa
colocação’ no ranqueamento’ existente e, por consequência,
bonificações para a escola, sobretudo bônus salarial (p. 443).
No contexto da política educacional para o Ensino Médio, em particular para o
ensino de Sociologia, proposta tanto federal quanto estadual, torna-se imprescindível
uma análise que tome como eixo a escola, o ensino de Sociologia e a formação do
209
professor nos cursos de Ciências Sociais, de modo a dimensionar o lugar da Sociologia
no ensino médio, assim como os desafios e possibilidades da prática docente
(HANDFAS; TEIXEIRA, 2007).
A obrigatoriedade do ensino de Sociologia/Ciências Sociais, no nível médio,
com a Lei 11.684/2008, trouxe, portanto, também o desafio de selecionar entre os
grandes temas que compõem as Ciências Sociais aqueles que seriam responsáveis por
"introduzir" o (a) estudante desse nível de ensino a essa área do conhecimento.
No âmbito das disciplinas Prática e Metodologia de Ensino em Ciências Sociais
e Estágio Supervisionado de Prática de Ensino em Ciências Sociais, ministradas na
licenciatura do Curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Ciências e Letras, Unesp,
Campus de Araraquara, busca-se a reflexão acerca do ensino de Ciências
Sociais/Sociologia, tomando como referência a legislação que normatiza sua inclusão
no currículo do nível médio, como é o caso das Orientações Curriculares Nacionais Para
o Ensino Médio - Ciências Humanas e suas Tecnologias, em particular os
Conhecimentos de Sociologia, bem como as experiências vividas e observadas pelos
(as) graduandos (as) em Ciências Sociais, ao estagiarem nas escolas de ensino médio de
Araraquara/SP e região.
E a partir destas disciplinas é possível esboçar aqui algumas considerações sobre
práticas e metodologias de ensino de Sociologia. No ensino médio a Sociologia
apresenta uma carga horária semanal de duas horas/aula, para cada um dos três anos
desse nível de ensino. Ela ainda é vista como secundária, se comparada a outras
disciplinas que compõem o currículo escolar, especialmente pelos alunos, os quais
muitos se questionam sobre sua finalidade e aplicabilidade, e cujo principal suporte
didático-pedagógico são os Cadernos de Sociologia, elaborados para implementar a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a Disciplina de Sociologia, e o livro
Sociologia para o Ensino Médio, de Nelson Dacio Tomazi.
Sendo assim, as observações no Estágio Supervisionado, os debates e reflexões
nas disciplinas Prática e Metodologia de Ensino em Ciências Sociais nos permite
constatar que no uso deste material didático predominam as aulas expositivas, que ora o
reproduzem, a partir dos temas propostos para cada ano, ora o tomam apenas como
referência/apoio, num trabalho que transcende a mera transmissão de conteúdos. E, ao
contrário de se defender que a reduzida carga horária semanal de Sociologia permite
apenas se ater ao Caderno e/ou ao Livro, e com grande dificuldade cumprir todos os
conteúdos propostos, práticas de ensino que buscam articular temas, teorias e
210
conceitos, partindo das representações que trazem os alunos, e com isso para-se para
escutar o que eles têm a dizer a respeito da realidade na qual estão inseridos, bem como
se utilizam de outros recursos, como, por exemplo, músicas, filmes ou documentários e
um repertório imagético diverso. Constata-se ainda que é comum entre os estudantes do
ensino médio o desinteresse pela Sociologia, seja pelo contato com as chamadas
práticas tradicionais, seja pelo não conhecimento acerca do que é a Sociologia e,
sobretudo, para o que ela serve, ao se pensar em inserção profissional, que quando há
algum entendimento neste sentido ele se restringe à docência na rede estadual de ensino.
Essa e outras constatações nos levam também a refletir sobre a formação do licenciando
em Ciências Sociais, bem como no potencial formador dos estágios supervisionados,
seja no âmbito da própria graduação em Ciências Sociais, seja no próprio ensino médio,
a partir da pesquisa.
Toma-se aqui, portanto, a pesquisa no estágio como:
[...] método de formação dos estagiários, futuros professores, [que] se
traduz pela mobilização de investigações que permitam a ampliação e
análise dos contextos onde os estágios se realizam. E também, em
especial, na possibilidade de os estagiários desenvolverem posturas e
habilidades de pesquisador a partir das situações do estágio,
elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender
e problematizar as situações que observam. Esse estágio pressupõe
outra postura diante do conhecimento, não mais definido a priori
como verdade capaz de explicar toda e qualquer situação observada, a
ponto de conduzir estágio e estagiários a assumir uma postura de ir à
escolas e dizer o que os professores devem fazer. Supõe que se busque
novo conhecimento na relação entre as explicações existentes e os
dados novos que a realidade impõe e que são percebidos na postura
investigativa (PIMENTA; LIMA, 2008, p. 236).
E o estágio como “campo de conhecimento que se produz na interação entre
cursos de formação e o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas” e,
por isso, “pode se constituir em atividade de pesquisa” (PIMENTA; LIMA, 2008, p.
29).
Percebe-se que a concepção de pesquisa como método formativo e mediador da
indissociabilidade entre teoria e realidade social não só está presente como possibilidade
na formação inicial de professores (PIMENTA; LIMA, 1008; ZAN, 2011), enquanto
política de estágio, mas também nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio e na Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino de Sociologia.
211
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incluir a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino
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213
Formação docente e prática pedagógica no ensino superior em enfermagem
23
Carla Natalina da SILVA FERNANDES
Maria Conceição Bernardo de MELLO E SOUZA
Introdução
Embora as pesquisas no campo da formação de professores tenham ganhado
relevância principalmente a partir do final da década de 1970, no Brasil e no mundo, as
pesquisas que tratam da questão da profissionalização docente ainda ocupam uma pequena
parcela entre elas, com uma diversidade de perspectivas teóricas indicando uma articulação
frágil entre pesquisadores e a fluidez nesse campo (DINIZ-PEREIRA, 2013).
Na literatura nacional foram identificados estudos (MERIGHI, 1998; RODRIGUES;
SOBRINHO, 2007; BISINOTTO, 2011; LEMOS; PASSOS, 2012; BRAGA, 2013) que
investigaram a temática sobre a formação de professores enfermeiros no ensino superior,
evidenciando experiências docentes com ênfase na preocupação com a formação do
enfermeiro; identificando a busca do professorado pela formação pedagógica em virtude das
exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Enfermagem
(BRASIL, 2001), no sentido de alcançarem no seu processo de trabalho a condição de formar
enfermeiros com o perfil profissional orientado pela legislação. Verificou-se entre os estudos
a predominância do ensino técnico-científico nesta área de conhecimento, com a construção
de uma identidade profissional marcada pela valorização dos saberes experienciais e na
inspiração em modelos de professores com práticas exitosas, durante o período em que eram
estudantes, ou seja, a reprodução de práticas pedagógicas. No entanto existem dentre os
estudos citados aqueles que se preocupam em divulgar o uso de estratégias de ensino
diversificadas, ou a necessidade de utilizá-las para maior qualidade no ensino de enfermagem
e a satisfação com o trabalho docente.
Assim, nesse processo de investigação buscou-se responder à questão norteadora:
Qual a relação entre a formação profissional docente e a prática pedagógica do docente em
sala de aula?
23
Trabalho vinculado ao Projeto Pró-Ensino em Saúde (CAPES-2037/2010) A formação de professores no
contexto do SUS: políticas, ações e construção de conhecimento (EERP/USP)
214
Objetivo
Identificar a relação entre formação docente e reflexos na prática pedagógica no
ensino superior em enfermagem entre professores de instituições públicas municipal e
estadual no estado de Goiás.
Procedimentos metodológicos
Tratou-se de uma pesquisa qualitativa de natureza descritiva e exploratória
(MINAYO, 2008). O estudo foi realizado no estado de Goiás, em uma instituição pública
municipal e uma estadual de ensino superior. Para a escolha dos cursos foi levado em
consideração o aspecto de maior tempo de criação do curso de enfermagem na instituição
selecionada no estado de Goiás, ter situação ativa junto ao Ministério da Educação e
apresentar modalidade de ensino presencial, assim foram escolhidos dois cursos de
enfermagem localizados no interior do estado, nas cidades de Ceres (GO) e Rio Verde (GO)
(BRASIL, 2014).
Os critérios de inclusão adotados para a seleção dos participantes da pesquisa foram:
ser graduado em enfermagem, ser professor da instituição pública de ensino superior
selecionada, no curso de enfermagem, possuir mais de três anos de atividade docente na
instituição e consentir em participar voluntariamente da pesquisa.
Para eleger o critério de tempo na carreira de professor nos apoiamos no referencial
de Hubermam (1992) sobre as tendências gerais do ciclo de vida dos professores, nesse caso,
com ênfase a partir da fase de “Estabilização” considerada momento chave no qual se a
escolha definitiva para a profissão professor (4-6 anos de carreira).
O critério para definir o número de participantes foi a saturação teórica, que indica a
suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a se apresentar
repetitivos, assim o pesquisador pode por meio de análise constante dos dados determinar a
suspensão da coleta de dados (FONTANELA; RICAS; TURATO, 2008).
Aos participantes foi apresentado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE) e as entrevistas somente ocorreram após consentimento do participante, de acordo
com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466 de 12 de dezembro de 2012
(BRASIL, 2012). O presente estudo faz parte de uma pesquisa matriz, que buscou investigar o
processo de construção da identidade docente entre professores enfermeiros (parecer n.
215
711.121, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo).
O processo de coleta de dados ocorreu entre setembro e dezembro de 2014. Como
recurso para a obtenção dos dados foi utilizada a entrevista semiestruturada (LÜDKE;
ANDRÉ, 2012; MINAYO, 2008;). Foi realizada a gravação em áudio e a transcrição das
entrevistas, e para preservar a identidade do participante substituiu-se o nome real por um
nome fictício. Foram entrevistados seis professores nos cursos selecionados.
A análise de dados ocorreu no período de outubro de 2014 a maio de 2015, sendo
fundamentada pela análise de conteúdo, mais especificamente nas categorias temáticas de
Bardin (2004). A análise temática buscou constituir os “núcleos de sentidos” inseridos em nas
transcrições das entrevistas, e cujas presenças ou frequências de aparição apresentavam
significado para a questão de pesquisa. A técnica de análise desenvolveu-se em três fases: pré-
análise, seleção das unidades de análise e o processo de categorização (BARDIN, 2004).
Resultados e discussão
Foram entrevistados seis professores, e os dados de caracterização indicaram que
todos os participantes são mulheres, com idade média de 35,5 anos, todas possuem filhos, e a
média para o tempo de formação na graduação foi de 10 anos. Quanto à titulação,
aproximadamente 67% são especialistas e 33% são mestres. Para o tempo de docência
universitária na instituição manteve-se uma média de 06 anos. A média de disciplinas em que
as participantes atuam é de 3,5 disciplinas (máximo de cinco e mínimo de uma).
A partir da análise temática das entrevistas, obteve-se duas categorias temáticas: (1)
A valorização da experiência do docente na prática pedagógica como mecanismo de
sensibilização para o ensino e (2) A formação pedagógica e seus reflexos na prática
pedagógica: com a palavra o professor.
A valorização da experiência do docente na prática pedagógica como mecanismo de
sensibilização para o ensino
Nesta categoria os professores apresentam como a sua experiência pessoal os torna
mais sensíveis para o desempenho da atividade docente. As experiências variam desde quando
216
eram alunos de graduação, até em outros espaços como o da prática profissional do
enfermeiro assistencialista. Como se observa:
“[...] Eles não tem paciência eu acho que se eu não tinha paciência eu acabo
colocando no lugar do aluno e eu não suporto o professor que vem todos os
dias enche a lousa e da aula e e faz slides a vida inteira, aquilo e assim
fica sentado e o professor está lá, tem aluno que gosta, que prefere a aula
assim, mas eu não gostava e eu achava que não era por ai, então, cada aula
eu quero dar de formas diferentes né, uma aula eu trago artigos atualizados, e
ai vai, vou buscando filme para fazer uma análise[...]” (Sílvia)
A professora ao relembrar como foi sua formação na graduação pretende não repetir
as mesmas sensações/efeitos por ocasião da utilização de estratégias de ensino que não
privilegiavam a participação e a cooperação entre os estudantes e, sobretudo, não
proporcionavam o desenvolvimento do pensamento crítico, criatividade e autonomia na
formação dos enfermeiros.
Resgatar essas experiências permite uma releitura para o planejamento de suas
atividades de ensino, embora elas ocorram num contexto totalmente diferente, como a cidade,
o papel desempenhado, o tipo de universidade, o perfil dos estudantes, o projeto político
pedagógico do curso entre outros.
“Trabalho como enfermeira em hospitais. [...] E é um fator que é bom para a
gente como docente dar aula na área da enfermagem porque daí você
consegue relacionar bem a questão da teoria com a prática. E acaba, que
claro, a gente consegue identificar a criança, o paciente, porque eu trabalho
mais com criança, mas você faz os estudos de caso” (Letícia)
Nessa fala a professora aborda a sua capacidade de relacionar e compartilhar as
experiências no âmbito da prática assistencial em enfermagem hospitalar, transpondo-os para
o ensino de graduação por meio da possibilidade de apresentar a realidade do cotidiano
profissional do enfermeiro e das pessoas que buscam os serviços de saúde em modelos para o
ensino em enfermagem, possibilitando o desenvolvimento do pensamento crítico nos espaços
para formação, nesse caso, a partir da utilização de estudos de caso baseados em situações
reais vivenciadas pela docente.
Quando o professor inicia a carreira seus conhecimentos são limitados à sua área de
atuação específica, e isso é especialmente visível nas áreas de formação em saúde, o professor
tem um corpo de conhecimento relacionado à enfermagem neonatal, saúde coletiva, UTI e
217
assim por diante, sem, no entanto, ter tido uma formação consolidada sobre a docência
universitária (CARNEIRO, 2010; PIMENTA; ALMEIDA, 2011; ZABALZA, 2004).
Os saberes docentes são formados por saberes profissionais e saberes experienciais,
ou seja, aqueles oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e
experienciais. A formação inicial do educador deveria englobar atividades que proporcionam
conhecimentos, destrezas e disposição para desempenhar a docência (PIMENTA, ALMEIDA,
2011; TARDIF, 2012).
No entanto, o que se verifica é que nem sempre o professor tem durante a sua
formação o acesso a mecanismos para desenvolver esses conhecimentos profissionais,
valorizando dessa maneira a expressão “se aprende fazendo”. Sem mecanismos para acessar
ou desenvolver outros tipos de conhecimentos o professor lança mão essencialmente de sua
experiência pregressa ou atual, seja na própria relação de ensino com os alunos, ou em outras
atividades profissionais relacionadas à área em que atua, para repensar a sua prática
profissional no ensino em enfermagem e implementar atividades no seu cotidiano (VEIGA;
VIANA, 2010).
No entanto, se não houver um fortalecimento de outros saberes mediados por
processos de desenvolvimento profissional do docente, haverá um empobrecimento de sua
ação, e da sua capacidade de autonomia e reflexão (VEIGA; VIANA, 2010).
A formação pedagógica e seus reflexos na prática pedagógica: com a palavra o professor
Essa categoria apresenta as impressões dos professores participantes da pesquisa
sobre o processo de formação e sua relação com a prática no ensino em enfermagem.
Primeiramente observamos um desconhecimento do professor sobre a necessidade de
investimento nos saberes específicos/profissionais no que tange à docência universitária, e ao
mesmo tempo a sua ‘descoberta’ para possíveis mudanças na forma como trabalha, passando
de modelos estritamente tradicionais para aproximações com modelos mais ativos de ensino.
“Antes, disso daí, é, dessa capacitação de metodologia ativa, que eu não
conhecia, as aulas eram expositivas, mais o professor falava e o aluno
ouvia, bem assim aquela educação tradicional mesmo, não é, aquela
educação bancária.” (Verônica)
Verificou-se que muitas vezes o professor desconhece outras formas de ensinar, ele
pode, por não ter acesso aos processos de formação pedagógica, ficar centrado em ações de
218
repetição de modelos que considerou bem sucedidas durante a sua formação, ou ainda a
concepções particulares de como ‘ser um bom professor’ e permanecer desenvolvendo
modelos tradicionais de ensino, como apresentou a participante ao dizer “aquela educação
bancária”.
A formação do professor valoriza o desenvolvimento das qualidades pessoais e
profissionais gerando de novos conhecimentos e posturas profissionais que necessariamente
contribuem para a qualidade do ensino (HERDEIRO; SILVA, 2008). Como foi representado
na fala da participante, a partir do seu modo de trabalhar na docência universitária:
“[...] Porque aquela aula cansativa, que era expositiva, com data show,
hoje, a gente não fica mais em cima disso, eu trago um artigo para o aluno
discutir, não é, a gente cria um problema e coloca ele para buscar, correr
atrás daquele problema e discutir, a gente trabalha com seminário, a prática
de laboratório sempre teve, ou seja, assim, as aulas tornaram-se mais
dinâmicas, eu não fico presa, restrita, a slides, porque quando eu trago
aquela aula expositiva, aquilo eu estava trazendo para ele a minha ideia,
do que eu li, do que eu pesquisei, do que eu preparei. [...]Eu... eu achei que
foi melhor,[...] teve uma boa aceitação.” (Verônica)
O reconhecimento é de que a sua prática pedagógica pode ser modificada, pode
ganhar sentido e potência se partilhado com o grupo de professores e validado pelos
estudantes. O desenvolvimento do docente pode ser potencializado se acontecer num contexto
coletivo, contínuo e que envolve professores experientes e iniciantes. Essa condição implica a
possibilidade do docente “produzir sua professoralidade, o que implica não em dominar
conhecimentos, saberes, fazeres de determinado campo, mas também na sensibilidade em
termos de atitudes e valores que levem em conta os saberes da experiência” (BOLZAN;
ISAIA, 2010, p. 16).
“[...] tinha uma noção de didática, assim trabalhava muito de colocar o aluno
para conversar, questionar, buscar [...] Então, sair daquela matéria
engessada. Então assim, para a gente mudar um pouco a questão do
aprendizado, o aluno ir fazer aula ficar um pouco mais interessante para a
gente e para eles.” (Letícia)
O que os participantes consideram como ‘engessado’ ou ‘tradicional’, podemos
entender como a concepção e prática usual nas universidades, que mantém o enfoque
tecnicista do que seja a prática docente, relacionada a uma sucessão de procedimentos
metodológicos previamente prescritos e planejados que tem como centro o professor, que
retém conhecimento e os transmite aos alunos, a aula é previsível para o professor que
219
obedece ao planejamento sistemático das etapas da aula que tem caráter instrutivo,
informacional e de repasse de informações/conteúdo (FRANCO, 2011).
Não verificamos com esses modelos tecnicistas a ênfase no processo de
aprendizagem, mas na valorização do papel do professor na transmissão e do estudante na
retenção de informações (MASSETO, 2012).
Como proposta para modificação dessa situação, as participantes têm usado algumas
estratégias de ensino que valorizam a participação dos estudantes no processo de ensino e de
aprendizagem, o conhecimento pode ser partilhado e construído coletivamente e não está
centralizado apenas na figura do professor. São tentativas iniciais no sentido de buscar
modificações, no âmbito de sua prática profissional docente. Pois, passaram a repensar a
questão essencial de tempo e espaço para pensar e propor formalmente uma aula no ensino de
graduação.
Quanto ao tempo de atuação docente das participantes se manteve a média de 06
anos, o que indica que as mesmas estão na fase de Estabilização”, segundo Huberman
(1992), na qual se espera a construção da identidade profissional das docentes e a criação de
condições seguras para valorizarem e investirem cada vez mais na sua profissão.
Em relação ao processo de formação dessas docentes, destaca-se que apesar de
possuírem especialização ou mestrado, ainda prevalece a fragilidade dos cursos de pós-
graduação no que se refere à formação pedagógica para o ensino superior.
Considerações finais
As transformações na prática docente podem ser alcançadas por meio de processos
de desenvolvimento e formação docente, sobretudo, quando ocorrem num contexto coletivo e
que permite reflexões sobre os modos de ensino aprendizagem em enfermagem, para acessar
conjuntamente os saberes profissionais pedagógicos e os saberes experienciais. Observou-se
que ocorre o empobrecimento da prática quando ela se na dissociação entre os saberes
pedagógicos e experienciais. Para os professores, a inovação no ensino muitas vezes não
ocorre pelo desconhecimento e pela ausência de desenvolvimento docente. Os estudos que
privilegiam a compreensão dos desafios e potencialidades dos professores durante o seu
processo de formação pedagógica devem ser incentivados.
220
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222
Sobre os autores
Aline Sommerhalder, Doutora em Educação Escolar (2010) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Ciências da Motricidade (2004) pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). SP Brasil. Docente na Universidade Federal de São
Carlos (Ufscar), Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas. São Carlos SP Brasil.
Ana Claudia de Oliveira Guizelini Merli, Mestre em Educação (2016) pela Universidade
Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus Cascavel. Cascavel PR Brasil.
Andressa de Oliveira Martins, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de São
Carlos (Ufscar). São Carlos SP Brasil. Mestre em Educação (2017) pela Universidade
Federal de São Carlos (Ufscar). São Carlos SP Brasil.
Augusta Padilha, Doutora em Educação na área de concentração em Psicologia da Educação
(2009) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc/SP). São Paulo SP Brasil.
Mestre em Educação (1999) pela Universidade Estadual de Marin(Uem). Maringá PR
Brasil. Docente na Universidade Estadual de Maringá (Uem). Maringá PR Brasil
Camila José Galindo, Doutora em Educação Escolar (2011) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Educação Escolar (2007) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil. Docente
na Universidade Federal de Mato Grosso (Ufmt), Departamento de Educação. Rondonópolis
MT Brasil.
Carina Pozzebom,
Mestranda da UTN. Pesquisadora participante do GESTELD (Grupo
de Estudos em Educação, Sexualidade,
Tecnologias, Linguagens e Discursos) vinculado
à UNESP/Araraquara.
Carla Natalina da Silva Fernandes, Doutora em Enfermagem Psiquiátrica (2016) pela
Universidade de São Paulo (Usp). Ribeirão Preto SP Brasil. Mestre em Enfermagem
(2007) pela Universidade Federal de Goiás (Ufg). Goiânia GO Brasil. Docente na
Universidade Federal de Goiás (Ufg), Regional Catalão. Catalão GO Brasil.
Célia Smarjassi, Doutora em Educação Escolar (2014) pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil.
Doutora em Ciências da Religião (2011) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(Puc/SP). São Paulo SP Brasil. Mestre em Educação (1996) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (Puc/SP). São Paulo SP Brasil. Docente na Faculdade Adventista de
Hortolândia (Fah/Unasp). Hortolândia SP Brasil.
Christiane Bellório Stevão, Doutora em Educação (2014) pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Campinas SP Brasil. Mestre em Educação (2008) pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas SP Brasil.
223
Crislainy De Lira Gonçalves, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de
Pernambuco (Ufpe). Recife PE Brasil. Mestre em Educação Contemporânea (2017) pela
Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe). Caruaru PE Brasil.
Cristiane Mara Rajewski, Mestre em Educação (2016) pela Universidade Estadual do Oeste
do Paraná (Unioeste), Campus Cascavel. Cascavel PR Brasil.
Cristina Yoshie Toyoda, Doutora em Psicologia (Psicologia Experimental) (1993) pela
Universidade de São Paulo (Usp). SP Brasil. Mestre em Psicologia (Psicologia
Experimental) (1987) pela Universidade de São Paulo (Usp). SP Brasil. Docente na
Universidade Federal de São Carlos. São Carlos SP Brasil. Docente na Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Marília – SP Brasil.
Daniela Dermínio-Posterare Santos, Mestre em Educação Escolar (2015) Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara SP Brasil.
Eva Aparecida da Silva, Doutora em Educação (2008) pela Universidade de Campinas
(Unicamp). Campinas SP Brasil. Mestre em Educação pela Universidade de Campinas
(Unicamp). Campinas SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara – SP Brasil.
Evelin Oliveira de Rezende, Doutoranda em Educação Escolar pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Educação Especial (Educação do Indivíduo Especial) (2013) pela
Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). São Carlos SP Brasil.
Geisa Natália da Rocha Silva, Mestre em Educação Contemporânea (2016) pela.
Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe). Caruaru PE Brasil.
Guaracy Tadeu Rocha, Doutor em Ciências Biológicas (Genética) (1993) pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Instituto de Biociências. Botucatu SP
Brasil. Mestre em Ciências Biológicas (Genética) (1993) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Instituto de Biociências. Botucatu SP Brasil.
Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Instituto de
Biociências. Botucatu SP Brasil.
Ivete Cevallos, Doutora em Educação Matemática (2011) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (Puc/SP). o Paulo SP Brasil. Mestre em Educação (2005) pela
Universidade São Francisco (Usf). Itatiba SP Brasil. Docente na Universidade do Estado
de Mato Grosso (Unemat), Faculdade de Ciências Exatas, Departamento de Matemática.
Cáceres MT Brasil.
Ivete Janice de Oliveira Brotto, Doutora em Educação (2008) pela Universidade Federal do
Paraná (Ufpr). Curitiba PR Brasil. Mestre em Educação (2003) pela Universidade Federal
224
do Paraná (Ufpr). Curitiba PR Brasil. Docente na Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste). Cascavel PR Brasil.
Ivone Pingoello, Doutora em Educação (2012) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp). SP Brasil. Mestre em Educação (2009) pela pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). SP – Brasil.
José Anderson Santos Cruz, Doutorando em Educação Escolar pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Televisão Digital: Informação e Conhecimento (2015) pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação. Bauru SP Brasil. Docente e Orientador da Pós-graduação na Faculdade
Anhanguera, Campus Bauru. Bauru SP Brasil.
José Carlos Constantin Junior, Doutorando em Educação Escolar pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara SP Brasil. Mestre em Educação Escolar (2017) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Diretor de Escola na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. SP Brasil.
José Luís Bizelli, Livre Docente em Gestão de Políticas Públicas (2013) pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara SP Brasil. Doutor em Sociologia (2003) pela Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil.
Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de
Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil.
Júlia Carolina da Costa Santos, Mestre em Educação (2016) pela Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul (Uems), Unidade Universitária de Paranaíba. Paranaíba. MS. Brasil.
Lígia M. V. Trevisan, Licenciada em Química pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Araraquara (1967), Mestre em Ciências de Alimentos pela UNICAMP (1972) e Doutora
em Química pela Universidade de São Paulo (1982). Professora Livre docente em Química
Orgânica (1994) pelo Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho, Campus de Araraquara. Assessora de Diretoria - Fundação para o Vestibular
da UNESP VUNESP.
Luciana Hoppe,
Pesquisadora e Professora da Ludi Amuzi. Pesquisadora participante do
GESTELD (Grupo de Estudos em Educação, Sexualidade, Tecnologias, Linguagens e
Discursos) vinculado à UNESP/Araraquara.
Lucinalva Andrade Ataíde de Almeida, Doutora em Educação (2008) pela Universidade
Federal de Pernambuco (Ufpe). Recife PE Brasil. Mestre em Educação (2001) pela
Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe). Recife PE Brasil. Docente na Universidade
Federal de Pernambuco (Ufpe), Centro Acadêmico do Agreste (Ufpe-Caa) - Caruaru PE
Brasil.
225
Luci Regina Muzzeti, Livre Docência (2019) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Departamento de Didática. Araraquara SP Brasil. Doutora em
Educação (1997) pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos SP
Brasil. Mestre em Fundamentos da Educação (1992) pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). São Carlos SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Departamento de Didática. Araraquara SP Brasil.
Luci Pastor Manzoli, Doutora em Educação (1994) pela Universidade de São Paulo (USP),
São Paulo SP Brasil. Mestre em Educação Especial (1981) pela Boston University, BU,
Estados Unidos. Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil.
Marcela Franco Fossey, Doutora em Linguística (2011) pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Campinas SP Brasil. Mestre em Linguística (2006) pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas SP Brasil.
Márcia Regina Onofre, Doutora em Educação Escolar (2006) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Educação (2000) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil. Docente na
Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Departamento de Metodologia de Ensino. São
Carlos SP Brasil.
Maria Angela Barbato Carneiro, Doutora em Ciências da Comunicação (1990) pela
Universidade de São Paulo (Usp). SP Brasil. Mestre em Supervisão e Currículo (1983) pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc/SP). São Paulo SP Brasil. Docente na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc/SP). São Paulo SP Brasil.
Maria Angélica da Silva, Professora Assistente da Universidade Federal de Alagoas
Faculdade de Letras. Mestre em Educação Contemporânea (PPGEduC UFPE CAA).
Doutoranda em Educação (PPGE UFPE CE).
Maria Conceição Bernardo de Mello e Souza, Doutora em Enfermagem (1999) pela
Universidade de São Paulo (Usp). SP Brasil. Mestre em Enfermagem pela Universidade de
São Paulo (Usp). SP Brasil. Docente na Universidade de São Paulo (Usp), Departamento de
Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto.
Ribeirão Preto SP Brasil.
Maria Regina Momesso, Doutora em Letras (Linguística) (2004) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP
Brasil. Mestre em Comunicação e Poéticas Visuais (1998) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação.
Bauru SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(Unesp). Araraquara SP Brasil.
226
Maria Silvia Rosa Santana, Doutora em Educação (2013) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Marília SP Brasil. Mestre em Educação
(2008) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Marília SP
Brasil. Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (Uems), Unidade
Universitária de Paranaíba. Paranaíba MS Brasil.
Maristela Angotti, Doutora em Educação (1998) pela Universidade Federal de São Carlos
(Ufscar). São Carlos SP Brasil. Mestre em Educação (1992) pela Universidade Federal de
São Carlos (Ufscar). São Carlos SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara SP Brasil.
Marta Silene Ferreira Barros, Doutora em Educação (2004) pela Universidade de São
Paulo. SP Brasil. Mestre em Educação (1998) pela Universidade Metodista de Piracicaba
(Unimep). Piracicaba SP Brasil. Docente na Universidade Estadual de Londrina (Uel),
Centro de Educação Comunicação e Artes. Londrina PR Brasil.
Mauro Meirelles, Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Pesquisador do GESTELD (Grupo de
Estudos em Educação, Sexualidade, Tecnologias, Linguagens e Discursos) vinculado à
UNESP, Pesquisador do LAVIECS (Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais) da
UFRGS. Editor da Revista Ciências Sociais Unisinos e da CirKula Editora.
Neide Pena Cária, Doutora em Educação: Currículo (PUC). Docente do Mestrado em
Educação na Universidade do Vale do Sapucaí (Univás) Unidade Fátima. Pouso Alegre.
Minas Gerais. Brasil.
Nívea Roberta Moraes B. Lemos, Mestre em Educação Contemporânea (2016) pela
Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe). Centro Acadêmico do Agreste. Caruaru PE
Brasil.
Rebeca Pizza Pancotte Darius, Doutoranda em Educação Escolar pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras.
Araraquara SP Brasil. Mestre em Educação (2012) pela Universidade Estadual de
Maringá (Uem). Marin PR Brasil. Docente no Centro Universitário Adventista de São
Paulo (Unasp). Engenheiro Coelho SP Brasil.
Renata de Almeida Vieira, Pós-doutorado em Educação pela Universidade Federal de Juiz
de Fora - UFJF (2016); Pós-doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo - USP
(2014); Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2011). Professora de
Graduação na UNICENTRO e líder do Grupo de Pesquisa em Educação, Preconceito e
Formação de Professores.
Rosangela Miola Galvão de Oliveira, Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual
de Londrina (Uel).
Rosiney Aparecida Lopes do Vale, Doutora em Educação (2015) pela Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Marília SP Brasil. Mestre em
227
Filologia e Linguística Portuguesa (2005) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras. Assis SP Brasil
Sandra Aparecida Pires Franco, Doutora em Letras (2008) pela Universidade Estadual de
Londrina (Uel). Londrina PR Brasil. Mestre em Educação (2003) pela Universidade
Estadual de Marin(Uem). Marin PR Brasil. Docente na Universidade Estadual de
Londrina (Uel), Departamento de Educação. Londrina PR Brasil.
Sandra Maria da Silva Sales Oliveira, Doutora em Psicologia (2012) pela Universidade São
Francisco (Usf). Campinas SP Brasil. Mestre em Psicologia (2001) pela Universidade São
Francisco (Usf). Campinas SP Brasil.
Sebastião De Souza Lemes, Doutor em Psicologia (1998) pela Universidade de São Paulo
(Usp). São Paulo SP Brasil. Mestre em Educação (1990) pela Universidade Federal de São
Carlos (Ufscar). São Carlos SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Departamento de Ciências da
Educação. Araraquara SP Brasil.
Tânia Cristina A. Macedo De Azevedo, Doutora em Física (1989) pela Universidade de São
Paulo (Usp). SP Brasil. Mestre em Tecnologia Nuclear (1982) pelo Instituto de Pesquisas
Energéticas e Nucleares. São Paulo SP Brasil. Docente na Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). SP Brasil, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá.
Guaratinguetá SP Brasil.
Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo, Doutora em Sociologia (2003) pela Universidade
de São Paulo (Usp). SP Brasil. Mestre em Educação (1997) pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). SP Brasil. Docente na Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília SP
Brasil.